Semana de 29 de junho a 05 de julho de 2020
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Nas últimas semanas, o debate acerca da criação de
um programa de transferência de renda que amenize a situação dos mais pobres no
Brasil tem ganhado cada vez mais força. A ideia é criar um mecanismo onde o
Estado garanta um mínimo de consumo àqueles que estão no “porão” da pirâmide
social. Diversas são as formas e os projetos defendidos, mas os mais conhecidos
variam em torno de duas lógicas básicas.
O primeiro “tipo” de renda básica é a mais elementar
e “clássica”: todos os cidadãos, independentemente do nível de renda atual,
receberiam uma quantia mensal em dinheiro. Essa é a renda básica universal e é
a menos provável hoje. O segundo “tipo” seria o seguinte: caso o indivíduo
tenha uma renda que não atinja um patamar mínimo, ele receberia a diferença até
atingir o valor de renda mínima estabelecida pelo Estado. Esse seria o chamado
“imposto de renda negativo”, que é uma complementação aos que ganham abaixo do
nível de renda mínima (incluindo os que nada ganham).
Não devemos confundir o salário mínimo, que é a
remuneração monetária legal mínima ao trabalhador pelo uso da sua força de
trabalho, com a renda mínima, que é uma transferência monetária sem essa
contrapartida. Sempre, em quaisquer propostas, a renda mínima deve ser menor
que o salário mínimo. Isto porque as pessoas que recebem o salário mínimo
“parariam” de trabalhar para ganhar a renda mínima diretamente. Assim, se o
salário mínimo brasileiro é pouco, a renda mínima seria ainda menor...
Há discussões morais e amorais acerca do auxílio à
renda dado pelo Estado ao cidadão. O principal argumento levantado é: as
pessoas deixarão de trabalhar por conta do dinheiro “gratuito”. Esse sempre foi
um “grande” argumento contrário ao Programa Bolsa Família (PBF). Contudo, em
recente estudo que acompanhou indivíduos ao longo do tempo (disponível em:
https://bit.ly/2VUsvmw), verificou-se que “não é pertinente a crítica de que o
PBF seria responsável por gerar dependência dos benefícios do programa. Como o
valor do benefício é pequeno em comparação com as necessidades básicas mensais
das famílias, a relação de dependência ao programa não é verificada”. (p. 18)
Mas, se a renda mínima for maior que o Bolsa Família
e for para todos (o PBF tem condicionantes que excluem pessoas do benefício),
isso não levaria as pessoas deixarem de trabalhar? É aí que vem o triste da
nossa realidade. No Brasil, o trabalhador é tão mal remunerado que, caso
recebesse uma renda mínima, de fato, ele provavelmente não se submeteria a
trabalhos degradantes, instáveis, informais, incertos, etc.
Essa não é uma realidade exclusiva do Brasil. A
remuneração dos trabalhadores no limite da subsistência básica é uma
característica de todos os países economicamente atrasados. Este, inclusive, é
um dos principais elementos que tornam tais países atrativos aos investimentos
estrangeiros das grandes produtoras multinacionais. Foi isso que tornou, por
exemplo, as regiões sul e sudeste asiáticas num polo mundial manufatureiro.
Impotentes na concorrência no “mercado mundial”,
economias como a brasileira quase que são obrigadas a manter a renda dos
trabalhadores em torno da subsistência. Dois são os motivos básicos: por um
lado, atrai investimentos estrangeiros para dinamizar a economia local e, por
outro, tenta manter rentáveis as atividades já existentes. Estruturalmente, o
funcionamento dessas economias depende disso.
Nesse contexto, para além do custo fiscal da
política de renda mínima, as questões fundamentais a se responder são: isso
resolve o problema? As condições que geram nossa desigualdade serão superadas?
Isso é combater a causa ou o efeito da desigualdade?
Sem sombra de dúvida que a superação do atraso
econômico também passa pela superação da desigualdade de renda e ela é
absolutamente bem-vinda, mesmo como paliativo. Mas não vamos nos iludir, pois o
efeito isolado disso para combater a causa do problema é igual ao da Cloroquina
no combate ao Covid-19, cientificamente nulo.
O real problema da constante e crescente
desigualdade de renda está no próprio capitalismo, agravado pela nossa condição
de país atrasado e cada vez mais dependente.
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma
e Monik H. Pinto.
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