quarta-feira, 22 de julho de 2020

De novo, a CPMF...

Semana de 13 a 19 de julho de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No dia 12 de fevereiro de 2020, publicamos no Blog do PROGEB uma análise que tratava da importância de se incluir, como ponto central, a taxação da renda em qualquer discussão decente sobre reforma tributária (https://bit.ly/30vVYEU). Naquele momento, já estavam no Congresso duas PECs sobre o tema. Nenhuma delas trazia a renda para o debate. Vivíamos a expectativa do Planalto enviar sua proposta.

Claro, não poderíamos esperar decência ou engrandecimento com a contribuição de um anacrônico “liberal” dos anos 1970. Tudo se confirmou com a ida de Paulo Guedes ao Congresso. Lá, o ministro deu uma de açougueiro e entregou uma fatia, que mais parece um bife de segunda, daquilo que chama de reforma. E essa reforma do Executivo é um mistério. A única certeza que temos é a tentativa de reinventar a CPMF.

Como bem sabe o brasileiro, houve um momento da história em que se pagava uma alíquota sobre quase todas as movimentações financeiras realizadas no sistema bancário. Todos os cidadãos “bancarizados” pagavam. Por isso, a volta do imposto sobre transações é vista por seus defensores como “democrática”. E seria mais ainda agora, com a luz colocada sobre dezenas de milhões de brasileiros antes “desconhecidos” do Estado e incluídos no sistema financeiro via auxílio emergencial. Mas é justamente isso que ilustra a falácia e perversidade desse imposto. Vejamos o argumento.

Talvez, um dos poucos consensos existentes na sociedade brasileira é que não devemos pagar mais impostos. Até bem pouco tempo, de consumidores a empresários, todos concordavam que a reinvenção da CPMF era uma péssima ideia. Pois bem, parece que a coisa mudou e dois são os motivos para isso. Primeiro, Paulo Guedes sugeriu a unificação de dois impostos federais e sua simplificação (PIS e COFINS). Do mesmo jeito que as PECs em tramitação, isso traria benefícios para os setores produtivos, mas prejuízos aos serviços. O segundo motivo requer uma breve contextualização histórica.

Desde 2014, a economia brasileira oscila entre uma situação ruim e outra pior. Isso significa que o emprego, a produção, a renda, etc. também vão mal. Como forma de remediar, os sucessivos governos deram/renovaram benefícios de diversas ordens aos empresários. Como as coisas ainda não estão às mil maravilhas (ou sequer a umas duas maravilhas), os empresários reivindicam a perpetuação de alguns desses benefícios. Especificamente, eles querem manter e aumentar a desoneração da folha de pagamentos. Isto porque, o “custo” efetivo de um trabalhador para o empresário pode chegar ao dobro do salário mensal (incluindo os direitos constitucionais, como férias e 13º salário).

Não sei se o leitor já captou a mensagem, mas o que Paulo Guedes pretende é reduzir a tributação “antidemocrática” que incide sobre as empresas para recriar uma tributação “democrática” que atinge a todos os indivíduos, inclusive os miseráveis... Esse é o segundo motivo para a mudança de posição de alguns em relação à volta da CPMF. Empresários como Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, empresa condenada por trabalho análogo ao escravo em 2016, defendem a proposta. É fraca a argumentação de que a redução do custo vai aumentar a contratação de trabalhadores, pois nenhum empresário compra capital produtivo só porque ele está mais barato. Só compra se for necessário para ampliar o negócio e, infelizmente, esse não é o nosso caso. Assim, a desoneração serve mais para compensar as perdas das empresas do que garantir maior emprego (vide o que ocorreu após a reforma trabalhista do Temer).

Por isso remeto à análise do dia 12 de fevereiro: é indecente se falar no Brasil de uma reforma tributária que não tenha como ponto de partida a tributação sobre a renda e sua progressividade (quem ganha mais, contribui mais – ou pelo menos igual aos demais). Todos estão chutando pra lá a chance de minimizar a regressividade da nossa tributação.

Mas, fazer o quê? Essa é a “economia de mercado”, que intrinsecamente oscila entre momentos de maior e menor intensidade do crescimento. O problema é que na crise, quando a farinha é pouca, o pirão do trabalhador sempre fica mais ralo...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma, Monik H. Pinto e Guilherme de Paula.


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