quinta-feira, 16 de julho de 2020

Recuperação ou estabilização?


Semana de 06 a 12 de julho de 2020

Nelson Rosas Ribeiro[i]
           
As notícias da semana apontam para uma mudança na tendência da economia. Os mais otimistas já começam a soltar os foguetes comemorando o início de uma recuperação. O otimismo foi deflagrado pelo acréscimo de 19,6% das vendas no varejo ampliado, em maio, em relação a abril. Apesar disso as vendas continuaram 15,4% abaixo do total de fevereiro. Os analistas atribuem este aumento ao auxílio emergencial e à flexibilização do isolamento social. Pesquisa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) mostrou que o Auxílio Emergencial mais o Bolsa Família injetaram R$122,17 bilhões na economia até julho. Só o crescimento das vendas nos supermercados foi de 5,2%. Eles calculam que estas ajudas contribuirão para um acréscimo de 2% no Produto Interno Bruto (PIB). O estímulo às vendas, o aumento do crédito e das medidas de proteção às indústrias contribuíram para a recuperação neste setor. A indústria, em maio sobre abril, cresceu 7%. A produção de veículos cresceu 244%, a de derivados de petróleo 16,2% e a de bebidas 65,5%. O monitor do PIB da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou um crescimento de 4,2% em relação a abril. Isto não compensou as perdas de 26,3% de março sobre abril e a produção ainda é 21,1% inferior à de fevereiro.
Estas notícias levaram o presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Neto a falar eufórico em uma recuperação em V. Teria sido mais sensato seguir os conselhos de Joerg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China que afirmou que a recuperação mundial será mais lenta. Nem V nem W nem U. “... ela parece mais com as bordas de um motosserra”. Além das letras conhecidas temos agora uma nova recuperação: “recuperação serrote”.
O Ipea também divulgou um dado positivo. O “Indicador Ipea mensal de Consumo Aparente” de bens industriais cresceu 3% em maio sobre abril o que não compensou as quedas de -10,7% de abril sobre março e de -15,8% de março/fevereiro.
Para o mundo a OCDE publicou os dados dos Indicadores Compostos Avançados (CLI) da OCDE que mostraram uma subida de 95,3, em maio, para 97,1, em junho. Para o Brasil esta subida foi de 96,4 para 98,9.
Em relação ao mercado de trabalho a situação é mais grave. O número de desempregados no Brasil, no trimestre março/maio, em relação ao trimestre anterior passou de 12,3 milhões para 12,7 milhões. O pequeno crescimento esconde a realidade. Diante da difícil situação da pandemia muitos desempregados deixaram de procurar emprego saindo da estatística. Eles aparecem no número de desalentados que subiu para 5,4 milhões e de subempregados que atingiu 30,4 milhões. A população ocupada teve uma redução de 7,8 milhões passando para 85,9 milhões de pessoas. Segundo o IBGE, dos 173,6 milhões em idade de trabalhar 50,5% estão fora do mercado de trabalho.
Na nossa opinião, longe de uma recuperação estamos diante de uma mudança de tendência e uma certa estabilização temporária no fundo do poço. Tudo dependerá das medidas que foram adotadas e neste campo as perspectivas não são boas. Continua o governo a mostrar sua incompetência na condução da política econômica e a criar conflitos nas relações internacionais, particularmente nos assuntos ligados ao meio ambiente. Como reação, 34 gestores de fundos de investimentos que controlam US$4,6 trilhões realizaram uma teleconferência com o vice-presidente Mourão e mais 6 ministros para cobrar ações que controlem a destruição da Amazônia. 38 grandes empresas brasileiras e estrangeiras enviaram uma carta ao Conselho Nacional da Amazônia Legal preocupadas com o desmatamento no país. 32 instituições financeiras que controlam US$4,5 trilhões manifestaram idêntica preocupação. Além disso o Ministério Público entrou com uma ação para o afastamento do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e solicitou que o TCU investigue as ações do governo sobre este tema. Enquanto gagueja desculpas furadas o governo prorrogou a operação Verde Brasil 2, que através de uma GLO deslocou o exército para conter os abusos na Amazônia e promete proibir as queimadas. Como vemos, Bolsonaro consegue unir na oposição burgueses e proletários.

[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Gonçalo, Edson da Paz, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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