quarta-feira, 21 de outubro de 2020

A Economia Política por trás do PIX

Semana de 12 a 18 de outubro de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No final dos anos 2000, o BC, junto com duas secretarias de Governo, uma do Ministério da Justiça e outra do Ministério da Fazenda, divulgou o Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos. A partir dos problemas identificados, de forma simplificada, a solução proposta foi o fim da exclusividade de match entre a maquininha e a bandeira do cartão. Quem não se lembra da época em que cartão Visa só passava na maquininha da Visa e Mastercard só na maquininha da Master? Em 2011 houve a quebra dessa barreia, mas isso só pegou, de fato, em 2016, quando o BC interviu e pressionou as empresas a liberarem geral suas maquinhas para (quase) todas as bandeiras de cartão. Em 2013, por sua vez, o BC publicou o Relatório de Vigilância do Sistema de Pagamentos Brasileiro. A partir deste momento, uma série de mudanças foi sendo implementada na regulamentação do setor. Contudo, apesar da melhora, a “revolução” não aconteceu como o esperado. A mão invisível, novamente, não foi capaz de transformar o mercado. Claro, porque não interessava à mão invisível das grandes instituições mudar o que era bom para elas. Com isto, em 2018, iniciaram-se as discussões para a criação do PIX (clique aqui).

Tudo isto significa que, ao invés de promover a concorrência por meio da ultrapassada tese de que se deveria tirar o Estado do “mercado” (tese ainda defendida pelo anacrônico ministro da Economia, Paulo Guedes), o BC, instrumento de poder do Estado, está sendo utilizado para promover o desenvolvimento do próprio “mercado”.

Porém, seria ingenuidade acreditar que o bom uso da capacidade técnica de alguns quadros do BC está sendo feito por exclusiva benevolência para com os consumidores ou por uma racionalidade do “agente” Estado. Toda reestruturação de um mercado tem, obrigatoriamente, uma intenção e um interesse econômico. Na realidade, essa mudança política no BC mostra que já há, no Brasil, um grupo com poder suficiente para abalar um mercado financeiro tão bem estabelecido e, até bem pouco tempo, dominado por três das maiores empresas privadas que atuam no Brasil: Itaú, Bradesco e Santander.

Desde a década de 1970 o capitalismo mundial passou por uma profunda transformação na forma como se dá sua dinamização. No Brasil, tais mudanças só começaram na década de 1990. A que interessa para entender o atual momento é a maior participação da esfera de valorização baseada no que Marx chamou de Capital Fictício. Superficialmente, essa é aquela parte da economia que cresce com base na aposta de que o resto da economia vai crescer. Em outras palavras, funciona na base da especulação sobre o futuro. Se a aposta acerta, o capital fictício se torna real. Caso contrário, se dissipa no ar da mesma forma como surgiu.

Pois bem, no Brasil o setor esteve, até pouco tempo, controlado pelos grandes bancos nacionais (até meados dos anos 2000). Contudo, a multiplicidade de empresas querendo transformar qualquer um em milionário mostra que a situação, a partir dos anos 2010, não é mais essa (quem não conhece Betina?). Aliás, já há inúmeras empresas estritamente ligadas ao capital fictício que se transformaram em gigantes que incomodam outras gigantes tradicionais (o Itaú vive dando alfinetada na XP Investimentos, apesar de deter 49% do capital dela).

Assim, naquilo que chamamos genericamente de Burguesia Financeira no Brasil, podemos identificar duas frações que têm interesses, até certo ponto, conflitantes: o setor bancário tradicional e o setor estritamente ligado ao capital fictício. Isto porque disputam os recursos monetários da população para que os transforme em ativos financeiros, cada um ao seu modo. Claro, os bancos tradicionais já estão a buscar este novo espaço. Mas só como reação ao papel que as novas instituições passaram a ocupar no mercado financeiro nacional. Por outro lado, essas novas instituições estão buscando ocupar-se não só com os novos, mas com os velhos produtos oferecidos pelas instituições já consolidadas. Afinal, a rentabilidade é tanta e tão concentrada que cabem mais empresas para socializar esses ganhos.

Novamente, peguemos a pipoca e vejamos o que vai acontecer. Só espero que ela não estoure no nosso colo...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H. Pinto e Daniella Alves

Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog