Semana de 12 a 18 de outubro de 2020
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
No
final dos anos 2000, o BC, junto com duas secretarias de Governo, uma do
Ministério da Justiça e outra do Ministério da Fazenda, divulgou o Relatório
sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos. A partir dos problemas
identificados, de forma simplificada, a solução proposta foi o fim da
exclusividade de match entre a maquininha e a bandeira do cartão. Quem não se
lembra da época em que cartão Visa só passava na maquininha da Visa e
Mastercard só na maquininha da Master? Em 2011 houve a quebra dessa barreia,
mas isso só pegou, de fato, em 2016, quando o BC interviu e pressionou as
empresas a liberarem geral suas maquinhas para (quase) todas as bandeiras de
cartão. Em 2013, por sua vez, o BC publicou o Relatório de Vigilância do
Sistema de Pagamentos Brasileiro. A partir deste momento, uma série de mudanças
foi sendo implementada na regulamentação do setor. Contudo, apesar da melhora,
a “revolução” não aconteceu como o esperado. A mão invisível, novamente, não
foi capaz de transformar o mercado. Claro, porque não interessava à mão
invisível das grandes instituições mudar o que era bom para elas. Com isto, em
2018, iniciaram-se as discussões para a criação do PIX (clique aqui).
Tudo
isto significa que, ao invés de promover a concorrência por meio da
ultrapassada tese de que se deveria tirar o Estado do “mercado” (tese ainda
defendida pelo anacrônico ministro da Economia, Paulo Guedes), o BC,
instrumento de poder do Estado, está sendo utilizado para promover o
desenvolvimento do próprio “mercado”.
Porém,
seria ingenuidade acreditar que o bom uso da capacidade técnica de alguns
quadros do BC está sendo feito por exclusiva benevolência para com os
consumidores ou por uma racionalidade do “agente” Estado. Toda reestruturação
de um mercado tem, obrigatoriamente, uma intenção e um interesse econômico. Na
realidade, essa mudança política no BC mostra que já há, no Brasil, um grupo
com poder suficiente para abalar um mercado financeiro tão bem estabelecido e,
até bem pouco tempo, dominado por três das maiores empresas privadas que atuam
no Brasil: Itaú, Bradesco e Santander.
Desde
a década de 1970 o capitalismo mundial passou por uma profunda transformação na
forma como se dá sua dinamização. No Brasil, tais mudanças só começaram na
década de 1990. A que interessa para entender o atual momento é a maior
participação da esfera de valorização baseada no que Marx chamou de Capital
Fictício. Superficialmente, essa é aquela parte da economia que cresce com base
na aposta de que o resto da economia vai crescer. Em outras palavras, funciona
na base da especulação sobre o futuro. Se a aposta acerta, o capital fictício
se torna real. Caso contrário, se dissipa no ar da mesma forma como surgiu.
Pois
bem, no Brasil o setor esteve, até pouco tempo, controlado pelos grandes bancos
nacionais (até meados dos anos 2000). Contudo, a multiplicidade de empresas
querendo transformar qualquer um em milionário mostra que a situação, a partir
dos anos 2010, não é mais essa (quem não conhece Betina?). Aliás, já há
inúmeras empresas estritamente ligadas ao capital fictício que se transformaram
em gigantes que incomodam outras gigantes tradicionais (o Itaú vive dando
alfinetada na XP Investimentos, apesar de deter 49% do capital dela).
Assim,
naquilo que chamamos genericamente de Burguesia Financeira no Brasil, podemos
identificar duas frações que têm interesses, até certo ponto, conflitantes: o
setor bancário tradicional e o setor estritamente ligado ao capital fictício.
Isto porque disputam os recursos monetários da população para que os transforme
em ativos financeiros, cada um ao seu modo. Claro, os bancos tradicionais já
estão a buscar este novo espaço. Mas só como reação ao papel que as novas
instituições passaram a ocupar no mercado financeiro nacional. Por outro lado,
essas novas instituições estão buscando ocupar-se não só com os novos, mas com
os velhos produtos oferecidos pelas instituições já consolidadas. Afinal, a
rentabilidade é tanta e tão concentrada que cabem mais empresas para socializar
esses ganhos.
Novamente, peguemos a pipoca e vejamos o que vai acontecer. Só espero que ela não estoure no nosso colo...
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H.
Pinto e Daniella Alves
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