quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Austeridade ou reeleição?

Semana de 05 a 11 de outubro de 2020

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

Façamos inicialmente algumas considerações sobre o panorama mundial. As notícias não são muitas. O mundo arrasta-se no “stop and go” das restrições sociais por conta da Covid-19. É grande a pressão pela liberalização da movimentação das pessoas e os governos cedem antes do tempo. Os contágios pela Covid-19 crescem e as restrições retornam. Com isto, além das pessoas, a economia sofre. A recuperação torna-se lenta e difícil. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC) as trocas comerciais caíram 9,2% este ano, agravado pela guerra EUA x China que parece ter consequências piores para os americanos. As exportações dos EUA caíram 14,7% e o déficit comercial, até agosto, atingiu US$67,1 bilhões. Só com a China o déficit foi de US$26,5 bilhões. Com a União Europeia foi de US$15,7 bilhões e com o México, US$12,5 bilhões.

Além do comércio o desemprego dificulta a recuperação. Na zona do euro e nos EUA são 20 milhões de desempregados oficialmente reconhecidos. Segundo estudos, não foram contados na OCDE e nos emergentes mais de 30 milhões. Na Zona do Euro, em fevereiro, eram 6,5% os desempregados. Já em agosto a taxa subiu para 8,1% com um total de 13,2 milhões. No entanto, calcula-se que esta taxa dever ser 4% a 4,5% maior. Diante das dificuldades o Fundo Monetário Internacional (FMI) sugere apoio dos Bancos Centrais (BCs) e dos governos. O Federal Reserve (Fed) americano promete manter as taxas de juros negativas, mas o governo Trump reluta em dar qualquer apoio na política fiscal o que, segundo o FMI, dificultará a recuperação. No entanto o desemprego continua a crescer. Ocorrem 800 mil demissões por semana. Segundo o Departamento do Trabalho americano só na semana passada foram 840 mil pedidos de seguro-desemprego. Enquanto isso o déficit orçamentário, até o fim do ano fiscal em 30 de setembro, já atingiu US$3,1 trilhões. (Imaginem se o Paulo Guedes fosse ministro lá!)

Por seu lado, o Banco Mundial (BM) calcula que a pandemia jogará na pobreza extrema 150 milhões de pessoas no mundo. Só em 2020 serão entre 88 e 115 milhões e em 2021 outros 33 a 35 milhões. Assim se arrasta o mundo.

Sobre o Brasil, o FMI enviou uma missão para fazer o raio X do país e preparou um documento a ser divulgado. Nele aponta “riscos excepcionalmente altos” para o país decorrentes da ameaça de uma segunda onda, de uma recessão prolonga, da rigidez orçamentária e de um choque de confiança. Corrigiu, porém, sua estimativa para a queda do PIB de -9,1% para -5,8% e considera o “Brasil um dos países mais atingidos no mundo” pelo Coronavirus. Acrescentou ainda que “o investimento público tem um papel central a desempenhar” na recuperação. Calcula que o investimento público de 1% do PIB contribui com 2,7% para o crescimento deste, para elevar o investimento privado em 10% e aumentar o emprego em 1,2%.

Lamentavelmente, longe de ouvir os bons conselhos do FMI, o sinistro Guedes, fiel à sua crença na austeridade fiscal, agarra-se ao “teto dos gastos” para, a qualquer custo, atingir o equilíbrio orçamental.

Como já temos apontado a economia continua apresentando vários sinais de recuperação. A construção civil atinge o maior nível desde o final de 2017. O consumo aparente de máquinas e equipamentos cresceu 10,9%, em junho, e a produção cresceu 21,5%, em julho. Em agosto, a indústria cresceu na maior parte do país. Ainda em agosto o varejo restrito cresceu 3,4% e o varejo ampliado, 4,6% e o consumo de energia foi 1,4% maior que em 2019. Mas, apesar da criação de postos de trabalho o desemprego ainda deve crescer. Os desentendimentos dentro do governo e a estupidez da política externa e ambiental, com resultados desastrosos na Amazônia e Pantanal, criam a insegurança que afasta os capitais e os investimentos estrangeiros. Em setembro saíram R$2,39 bilhões e em 2020, R$87,75 bilhões. Enquanto isso o governo dá cabeçadas a procurar maneira de financiar seus dois programas, o Renda Brasil e o Renda Cidadã, muito importantes para suas pretensões eleitorais. Com a manutenção do teto não há dinheiro e o Guedes continua tentando tirar dos pobres para os miseráveis insistindo com o seu programa 3 D: Desvincular, Desindexar e Desobrigar. A decisão ficará para depois das eleições.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade e Monik H. Pinto.

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