quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Desmoralização internacional e aprovação interna

Semana de 21 a 27 de setembro de 2020

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

         

Dificilmente encontraríamos um discurso mais medíocre e mentiroso como o proferido pelo presidente Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU. O tom do discurso aliás havia sido antecipado pelo General Heleno, na audiência pública convocada pelo Ministro Luiz Barroso do STF e, portanto, contou com o apoio do setor militar do governo.

Que vergonha!

Como pode alguém, com a responsabilidade de um presidente, mentir tão descaradamente, para um público internacional, contrariando os dados de seu próprio governo?

Curiosamente, nesta mesma semana, a CNT/Ibope publicou o resultado de uma sondagem de opinião feita por encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com esta pesquisa a aprovação do presidente cresceu. Os que consideravam o governo ótimo ou bom passaram de 29% para 40%. Entre os que recebiam até 1 salário-mínimo, a percentagem subiu de 19% para 35%. Entre 1 e 2 salários, a aprovação passou de 28% para 39%. Nos que tinham até a quarta série a subida foi de 25% para 44%. Entre os que tinham entre a quinta e a oitava séries a aprovação passou de 26% para 40%. Os que confiam no presidente passaram de 41% para 46% e os que não confiam diminuíram de 56% para 50%.

Como vemos, a aprovação do presidente cresceu entre os mais pobres e com menor grau de instrução. Eis um desafio para os sociólogos.

Isto acontece quando o país apresenta o seguinte quadro: os preços do arroz e outros produtos alimentícios sobem bem como de produtos industriais, aumentando a ameaça de inflação, apesar do BC afirmar que está tudo sob controle. A pandemia continua a matar milhares de pessoas e o número já ultrapassa os 140.000 mortos enquanto o governo vende cloroquina e culpa os prefeitos e governadores pelas consequências de suas irresponsabilidades. O Brasil já voltou ao mapa da fome de acordo com o IBGE. 10 milhões, ou seja, 4,6% da população já se enquadra na classificação de famintos. Os incêndios continuam a queimar a Amazônia e o Pantanal e estendem-se a outras regiões. A Audi para a sua fábrica no país, em dezembro, e a Mercedes e a BMW ameaçam fazer o mesmo por não confiar na capacidade do governo de cumprir os acordos firmados. As empresas ainda programam demissões diante das incertezas e o número de desempregados ultrapassa os 13 milhões. No acumulado do ano os Investimentos Diretos Estrangeiros (IDP) caem 41% e 30% só no primeiro semestre, segundo o Banco Central (BC), desmentindo o discurso do presidente. Entidades científicas, The Natural Conservancy (INC) e Bain & Company divulgam estudo que confirma que a pecuária é a maior responsável pelo desmate em Mato Grosso e, entre 2013 e 2017, 1/3 do gado comercializado estava contaminado pelo desmatamento. Não foram os índios e caboclos.

Ao nível da política a situação não é melhor. A reforma tributária não anda, o Senado bloqueia a discussão dos vetos do presidente à desoneração da folha de salários, o Renda Brasil, voltando ao centro dos debates, foi substituído pela nova Renda Cidadã, mais empaca na procura dos recursos para o financiamento. As artimanhas do sinistro Guedes são continuamente descobertas e tudo volta para trás. Ele sempre quer roubar dos pobres para salvar os paupérrimos. Retorna o debate sobre a CPMF, rebatizada e adornada com novos disfarces, contando para isto com a colaboração da bancada do governo.

Não satisfeito Bolsonaro resolve elogiar a visita do secretário de estado dos EUA Mike Pompeo ao norte do Brasil, em campanha pela reeleição do Trump, acompanhado pelo chanceler Ernesto Araújo e pregando a derrubada do presidente Maduro, o que provocou protestos do Rodrigo Maia e de 6 ex-chanceleres do Brasil. Tudo isto ocorre enquanto no mundo a Oxford Economics fala na preparação de uma nova crise financeira global segundo uma pesquisa acabada de ocorrer. Para terminar os EUA comemoram 200.000 mortos pela Covid-19 e espera-se novo lokdown na Europa por conta da segunda onda da pandemia. E vamos vivendo!


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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