Semana de 15 a 21 de março de 2021
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Todo
manual de economia mostra a relação entre a taxa básica de juros e a inflação.
No Brasil, a taxa de juros de referência é conhecida como Selic. Sem aprofundar
os caminhos, podemos agrupar em cinco os chamados “canais de transmissão” da
elevação dos juros para a inflação.
Os
três primeiros são canais indiretos de transmissão, pois o aumento da taxa de
juros esfria a demanda e esta é quem age na redução dos preços. O primeiro é o
“canal do crédito”, que fica mais caro quando os juros sobem e isso desestimula
as compras de pessoas e de empresas. O segundo é “canal do preço dos ativos”.
Quando os juros sobem, os preços dos ativos financeiros caem e isto reduz o
estoque de riqueza dos detentores desses ativos. Isto, consequentemente, reduz
os gastos. O terceiro é o “canal da taxa de juros”. Tendo em vista que a Selic
é uma referência no mercado de crédito, se ela sobe, há uma tendência para as
demais taxas subirem. Com isso, mais dinheiro deixa de ser gasto e vira ativo
financeiro.
Sem
sombra de dúvida, os três canais citados não motivaram o Comitê de Política
Monetária do BC (Copom) a anunciar a elevação em 0,75 ponto percentual na
Selic. A economia brasileira está só o bagaço e sem qualquer perspectiva de
melhora no primeiro semestre de 2021, quiçá no segundo. O motivo é que quem dá
corda no relógio que marca o Dia D e a Hora H é o Bolsonaro e o
Pau-Mandado-General-Ministro Pezadello.
O
quarto canal de transmissão dos juros para a inflação é a taxa de câmbio, que
influencia direta e indiretamente os preços. Quando o dólar fica mais barato,
as importações ficam mais baratas e as exportações menos atrativas. Por um
lado, isto pressiona negativamente a balança comercial. O resultado (indireto)
seria uma pressão negativa da demanda agregada sobre os preços. Por outro lado,
se os produtos importados ficam mais baratos, o resultado (direto) é a queda
nos preços no país.
E como
os juros entram nessa história? Se o Brasil elevar suficientemente os juros,
pode atrair especuladores interessados em ganhar dinheiro por aqui. Com isso, a
entrada de dinheiro gera uma pressão para o barateamento do dólar.
Pois
bem, a taxa de juros não é o único fator considerado pelos especuladores. O
chamado “Risco-País” é o principal norte das suas decisões. Nesse quesito, o
Brasil vai de mal a pior. Dentre os elementos que influenciam o indicador está
a situação política da nação. Não é novidade que o Brasil é o pária
internacional do momento. Para além da situação fiscal, o Brasil afugenta o
capital estrangeiro por conta da gestão que atualmente ocupa o Palácio do
Planalto. Por isso mesmo, essa elevação para 2,75% na Selic é pouco útil como
medida para conter a inflação via câmbio. Seria necessário um aumento
exorbitante para o prêmio dos títulos públicos superar os riscos.
Aí é
que entra o quinto canal de transmissão dos juros para a inflação, a chamada
ancoragem das expectativas de inflação futura. Eis o mistério da história.
Funciona assim: se os agentes do mercado acharem que a inflação vai subir no
futuro (normalmente em até dois anos), o BC aumenta a taxa de juros hoje para
sinalizar ao “mercado” de que não vai deixar. Com isso, quem decide o nível de
preços no presente não precisaria se antecipar ao futuro e subir os preços, já
que o BC sinaliza fazer o possível para não ter inflação. No final das contas,
o futuro é “previsto” por especialistas (Boletim Focus) e a ação do BC é para
impedir esse futuro de acontecer. E por que estão prevendo que a inflação
futura vai subir? Porque entre setembro e dezembro de 2020 houve uma escalada
nos preços. Apesar do freio em janeiro de 2021, em fevereiro os preços subiram.
Uma série de fatores da economia brasileira estão sendo agravados pela pandemia. A precariedade das relações de trabalho, a incompetência do Governo Federal, o apego cego ao ajuste fiscal, a política de preços da Petrobrás, um PIB que não cresce mais que 2%... A inflação virou mais um problema. A questão é que nada disso vai ser resolvido com aumento dos juros. Só nos resta esperar a ata do Copom para entender o que motivou sua decisão. Esta decisão foi um mistério, como também será a solução que vão arrumar para a estagflação que se avizinha. É esperar para ver as coisas piorarem ainda mais...
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella
Alves.