quarta-feira, 24 de março de 2021

Mistério no Banco Central

Semana de 15 a 21 de março de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Todo manual de economia mostra a relação entre a taxa básica de juros e a inflação. No Brasil, a taxa de juros de referência é conhecida como Selic. Sem aprofundar os caminhos, podemos agrupar em cinco os chamados “canais de transmissão” da elevação dos juros para a inflação.

Os três primeiros são canais indiretos de transmissão, pois o aumento da taxa de juros esfria a demanda e esta é quem age na redução dos preços. O primeiro é o “canal do crédito”, que fica mais caro quando os juros sobem e isso desestimula as compras de pessoas e de empresas. O segundo é “canal do preço dos ativos”. Quando os juros sobem, os preços dos ativos financeiros caem e isto reduz o estoque de riqueza dos detentores desses ativos. Isto, consequentemente, reduz os gastos. O terceiro é o “canal da taxa de juros”. Tendo em vista que a Selic é uma referência no mercado de crédito, se ela sobe, há uma tendência para as demais taxas subirem. Com isso, mais dinheiro deixa de ser gasto e vira ativo financeiro.

Sem sombra de dúvida, os três canais citados não motivaram o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) a anunciar a elevação em 0,75 ponto percentual na Selic. A economia brasileira está só o bagaço e sem qualquer perspectiva de melhora no primeiro semestre de 2021, quiçá no segundo. O motivo é que quem dá corda no relógio que marca o Dia D e a Hora H é o Bolsonaro e o Pau-Mandado-General-Ministro Pezadello.

O quarto canal de transmissão dos juros para a inflação é a taxa de câmbio, que influencia direta e indiretamente os preços. Quando o dólar fica mais barato, as importações ficam mais baratas e as exportações menos atrativas. Por um lado, isto pressiona negativamente a balança comercial. O resultado (indireto) seria uma pressão negativa da demanda agregada sobre os preços. Por outro lado, se os produtos importados ficam mais baratos, o resultado (direto) é a queda nos preços no país.

E como os juros entram nessa história? Se o Brasil elevar suficientemente os juros, pode atrair especuladores interessados em ganhar dinheiro por aqui. Com isso, a entrada de dinheiro gera uma pressão para o barateamento do dólar.

Pois bem, a taxa de juros não é o único fator considerado pelos especuladores. O chamado “Risco-País” é o principal norte das suas decisões. Nesse quesito, o Brasil vai de mal a pior. Dentre os elementos que influenciam o indicador está a situação política da nação. Não é novidade que o Brasil é o pária internacional do momento. Para além da situação fiscal, o Brasil afugenta o capital estrangeiro por conta da gestão que atualmente ocupa o Palácio do Planalto. Por isso mesmo, essa elevação para 2,75% na Selic é pouco útil como medida para conter a inflação via câmbio. Seria necessário um aumento exorbitante para o prêmio dos títulos públicos superar os riscos.

Aí é que entra o quinto canal de transmissão dos juros para a inflação, a chamada ancoragem das expectativas de inflação futura. Eis o mistério da história. Funciona assim: se os agentes do mercado acharem que a inflação vai subir no futuro (normalmente em até dois anos), o BC aumenta a taxa de juros hoje para sinalizar ao “mercado” de que não vai deixar. Com isso, quem decide o nível de preços no presente não precisaria se antecipar ao futuro e subir os preços, já que o BC sinaliza fazer o possível para não ter inflação. No final das contas, o futuro é “previsto” por especialistas (Boletim Focus) e a ação do BC é para impedir esse futuro de acontecer. E por que estão prevendo que a inflação futura vai subir? Porque entre setembro e dezembro de 2020 houve uma escalada nos preços. Apesar do freio em janeiro de 2021, em fevereiro os preços subiram.

Uma série de fatores da economia brasileira estão sendo agravados pela pandemia. A precariedade das relações de trabalho, a incompetência do Governo Federal, o apego cego ao ajuste fiscal, a política de preços da Petrobrás, um PIB que não cresce mais que 2%... A inflação virou mais um problema. A questão é que nada disso vai ser resolvido com aumento dos juros. Só nos resta esperar a ata do Copom para entender o que motivou sua decisão. Esta decisão foi um mistério, como também será a solução que vão arrumar para a estagflação que se avizinha. É esperar para ver as coisas piorarem ainda mais...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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