quinta-feira, 28 de outubro de 2021

“O que está ruim pode sempre piorar”

Semana de 18 a 24 de outubro de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]


Depois da lição do Professor Lucas na Análise da semana passada voltemos aos problemas da conjuntura. É sempre bom lembrar características essenciais do sistema capitalista pois isto nos permite derrubar algumas pseudoverdades que costumam encher os jornais e TVs, como a conversa do “desenvolvimento sustentável”, meta absurda e impossível de ser atingida no capitalismo. Na busca do maior lucro possível o capital procura sempre reproduzir suas relações de produção, ou seja, os trabalhadores assalariados têm que se reproduzir para que o sistema exista, mas não podem ganhar salários tão elevados que os permita ultrapassar sua condição de assalariados eternos. Esta conversa de “empreendedorismo” é completamente furada, é vender ilusões.

Para falar de conjuntura esta semana, recomendamos a leitura da nossa Análise de 15 dias atrás. Tudo que lá está escrito é completamente atual, com alguns agravantes. O desespero da quadrilha Bolsonaro tornou-se ainda maior com a divulgação do relatório da CPI do Senado sobre a covid-19. São escândalos e horrores o que ali está revelado. O pior é que, se os processos forem abertos e julgados, o Bolsonaro poderá pegar no mínimo 78 anos de prisão. A família está em pânico e o chefe tentará de tudo para não perder o mandato. Mas, a saída via golpe se tornou pouco provável, pois parece que as Forças Armadas criaram vergonha na cara por apoiar um aspirante a capitão já expulso do exército. Só mesmo as crias da ditadura militar, como o general Heleno, poderiam concordar com isto e acobertar toda a corrupção que envolve o governo. Resta, portanto, a reeleição e para isto é preciso recuperar a economia para ganhar os eleitores.

O relatório da CPI revelou, porém, o escândalo. São 70 indiciados entre os quais, além do próprio presidente, estão seus 3 filhos, 4 ministros, 2 ex-ministros, 6 deputados, 3 assessores do presidente, 1 pastor e 4 empresários. Entre os deputados estão os da tropa de choque: Ricardo Barros, porta-voz do governo na câmara, Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli, Osmar Terra, Carlos Jody. Os empresários apontados são Luciano Hang, Carlos Wizard, Mauro Tolentino e Otávio Fakhoury.

Esperamos agora os desdobramentos e as pressões sobre as autoridades que têm a obrigação de dar continuidade ao processo.

Todo este tumulto provoca fortes instabilidades nas decisões dos agentes econômicos. A imagem do Brasil no exterior está mais suja que pau de galinheiro. Não satisfeito, o presidente abriu a boca para vomitar mais absurdos tentando associar a vacina contra a covid com a AIDS. Mais ruido! O desespero de Bolsonaro para ganhar as eleições levou aos desatinos mais recentes. As propostas de aumento das despesas furando o teto dos gastos, com o Auxílio Brasil de R$400 (com 100 fora do teto), mais o auxílio diesel, mais orçamento secreto para comprar deputados. O próprio Guedes passou a defender o abandono dos limites do teto de gastos, já abalado com o calote dos precatórios pregado na PEC em tramitação.

Claro que o “mercado” reagiu de imediato. O dólar disparou subindo 1,6% para R$5,644 e o Ibovespa caiu 3,28% em um só dia. A própria “equipe dos pesadelos” desmoronou com a demissão de 4 secretários: Bruno Funchal (Tesouro e Orçamento), Jeferson Bittencourt (Tesouro), Gildenora Dantas (adjunta do Tesouro e Orçamento) e Rafael Araújo (adjunto do Tesouro). Mas o rombo no orçamento ainda não está coberto. Foi preciso ainda alterar a forma do cálculo do teto de gastos: em vez de julho a julho passou a ser usado o indicador de dezembro a dezembro por refletir uma taxa de inflação maior.

Descrédito total do Guedes e do governo junto ao mercado. Guedes está pendurado na brocha. O posto Ipiranga só não se demite porque está ganhando muito dinheiro. É a raposa tomando conta do galinheiro. Seus milhões de dólares de sua off Shore crescem a cada dia graças a suas ministeriais decisões para não falar das comissões e propinas que eventualmente possam cair no cofre.

Enquanto isso a economia afunda e a inflação dispara. Como diria o jornalista “Em se tratando do atual governo, o que está ruim pode sempre piorar”. E vai!



[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ana Isadora, Alan Henrique, Carolina Nantua, Daniella Alves, Eduardo Silva, Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Maria Cecília, Nertan Alves, João Carlos e Roberto Costa.

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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O capitalismo e a fome

Semana de 11 a 17 de outubro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Não dá para falar de outro assunto. A semana começou com tapas, murros, chutes, voadoras e todo tipo de porrada na cara do brasileiro. Chocou-nos a cena de pessoas atacando um caminhão de lixo em Fortaleza. A motivação era o resgate de produtos descartados por um supermercado. Na cena viram-se, de crianças a idosos, as pessoas “reciclando” alimentos vencidos, ou que foram considerados inadequados para a venda pelo estabelecimento. Esse é o cenário do Brasil hoje. Mas, para além de apontar os culpados da conjuntura, precisamos falar sobre a estrutura econômica que permite e precisa dessa situação: o sistema capitalista.

Um dos elementos que caracteriza o capitalismo é a propriedade privada. Não de qualquer coisa, como casa, roupa, telefone, TV... A propriedade privada mais importante no capitalismo é daquilo que se pode usar para produzir outras coisas. São os chamados meios de produção. Esta, sim, é parte fundamental desse sistema.

Vamos por partes. Se existe uma parcela da sociedade que é proprietária dos meios de produção, existe outra que não é! A parte que é dona dos meios de produção tem, portanto, a possibilidade de produzir coisas e usufruir delas (seja diretamente ou usando o dinheiro que recebe ao vendê-las). O problema é que, dentre outros motivos, a quantidade de pessoas que detém os meios de produção é tão pequena que eles não conseguem pô-los em funcionamento sozinhos. Por sua vez, a parte da sociedade que não é dona dos meios de produção não pode produzir nada, pois não tem acesso aos meios para tal. No capitalismo, os despossuídos formam a esmagadora maioria da sociedade. São seres humanos que têm habilidades, qualificação e disposição, falta-lhes os meios de produção. Em outras palavras: de um lado, a minoria da sociedade detém os meios de produção, mas não os usa diretamente, do outro temos a maioria da sociedade, que tem capacidade de trabalho, mas não tem onde empregá-la. Para resolver este problema de ordem social e de sobrevivência, já que nessas condições não haveria produção, é que o capitalismo precisa de um segundo elemento que o caracteriza, o mercado.

O mercado é um local democrático, onde as pessoas das diferentes classes sociais se encontram e interagem. De um lado, empresários buscando pessoas que possam pôr em funcionamento seus meios de produção. Do outro, pessoas que têm força de trabalho. Assim, o mercado é o local em que se celebra o acordo de dois tipos de pessoa: uma que tem tanta riqueza que não pode pô-la em ação sozinha e outra que não tem nada. Claro, a aparência democrática do mercado logo se desfaz quando isto é levantado. O capitalista contrata um trabalhador que, se não arrumar logo um emprego, morre de fome. Esse é o contexto em que se estabelecem as relações capitalistas de trabalho.

O trabalho assalariado é o terceiro elemento que caracteriza o capitalismo. Os trabalhadores vendem sua capacidade de trabalho aos empresários por um prazo determinado e, em troca, recebem os salários. Esse dinheiro deve ser suficiente para o trabalhador manter-se vivo, mas não mais do que isso. Ou seja, o salário é a garantia de sobrevivência daqueles que não têm os meios de produção, mas por um período curto. Tão curto que no fim do mês o trabalhador já está preocupado novamente com a possibilidade de passar fome. Não fosse isso, a possibilidade de morrer, o que obrigaria o trabalhador a vender sua força de trabalho?

Caso não houvesse a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, se os meios de produção fossem acessíveis a todos, as pessoas (ou grupos de pessoas) com capacidade para tal poderiam usufruir deles e produzir o que precisam para viver decentemente. Desta forma, não precisariam se submeter ao mercado e nem ter que transformar sua força de trabalho em mercadoria. Não precisariam viver constantemente à sombra da morte. Mas esse não é o capitalismo. O capitalismo precisa que a maioria da sociedade esteja sempre preocupada se vai comer amanhã.

O capitalismo é a fome!


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Com o rabo entre as pernas

Semana de 04 a 10 de outubro de 2021

  

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

O presidente anda calado. Como um vira lata sarnento ronda as latas de lixo e os esgotos a procura da próxima podridão para saciar sua fome de destruição. É só o que ele sabe fazer liderando o seu bando de fanáticos. Como ele mesmo declarou “sou especialista em matar”. Mas não só matar pessoas. Matar a natureza, a economia, a cultura, a saúde, a educação, as florestas, o meio ambiente, tudo enfim. Até os símbolos nacionais foram profanados. Hoje, com patriotismo, lembramos a atualidade das palavras de Castro Alves ao referir-se à bandeira nacional: “Antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha...”. Que fatores teriam concorrido para colocar no governo tal monstro? A humanidade já conheceu situações semelhantes que levaram ratos medíocres como Hitler e Mussolini ao poder. E todos conhecemos as consequências. A situação atual exige muito estudo e reflexão. Onde erramos e como corrigir os erros? Certamente há fatores internos, externos e tecnológicos cuja discussão ultrapassa os limites desta coluna.

Mas o que terá levado o cão hidrófobo a deixar de ladrar?

Destaco aqui dois tipos de fatores. Ele precisa ser reeleito sob pena de ir para a prisão junto com a família. É desesperador. As pesquisas mostram que toda vez que ele abre a boca aumenta a rejeição e a avaliação negativa. Já ultrapassam os 60%. Seus assessores lembraram o efeito “facada” que lhe deu a vitória, pelo silêncio, nas eleições passadas. O homem tem de ficar calado ou corre o risco de não ir para o segundo turno. Será que aguenta? Ou vão inventar nova facada? Há uma outra razão ligada a esta. Ele descobriu que mesmo sendo “comandante em chefe” das forças armadas nada comanda se não der ordens razoáveis. É de lembrar a figura do reizinho do “Pequeno Príncipe” que nunca era desobedecido porque só dava ordens razoáveis. Ele não pode dar um golpe pois não será obedecido pelos militares. Terrível descoberta. Resta um caminho: a reeleição.

Mas, a cada dia que passa torna-se mais difícil. A economia caminha para o desastre. A tão propalada recuperação em V (de voo da galinha) do sinistro Guedes vira K ou boca de jacaré: rico para cima e pobre para baixo. Até o próprio Guedes não confia na sua gestão. Guarda seus milhões de dólares em uma offshore. O crédito está mais caro comandado pelo Banco Central (BC) que continua a elevar a taxa de referência Selic, atualmente em 6,25%, mas com tendência de subir o que for necessário para “conter” a inflação, podendo chegar a 10% no fim do ano. Tudo de acordo com a ideologia do BC. A taxa de desemprego, apesar de uma pequena queda, se mantém em dois dígitos 13,7%, mas, há 14,1 milhões sem trabalho, dos postos criados 66,8% são de emprego informal, há 7,73 milhões de pessoas trabalhando menos horas e 25,172 milhões de trabalhadores por conta própria. As estimativas de crescimento do PIB são rebaixadas por todas as consultorias, e segundo o Banco Mundial será inferior à média da América Latina. O varejo restrito teve, em agosto, em relação a julho, a terceira maior queda da história (3,1%) e o varejo ampliado caiu 2,5%. É preciso juntar a isto a crise energética e a inflação que se mantém em alta, sem controle.

Do exterior não temos boas notícias. A recuperação em marcha mostra fortes sinais de desaceleração agravados pelo crescimento da inflação e pela crise energética que agora se expande para os Estados Unidos, Índia e China. Em todos os casos o problema é a falta de combustíveis fósseis, principalmente carvão e gás natural. Na Índia o carvão é responsável por 70% da energia produzida. O petróleo atinge os US$80, a maior cotação em 3 anos e o gás tem o mais alto preço em 7 anos. Os portos estão congestionados, as cadeias de abastecimento rompidas, há escassez de mão de obra, e a inflação se expande para os alimentos. O índice de preços de alimentos da FAO subiu 1,2% em setembro.

Somando-se a desmoralização do Brasil em todos os fóruns internacionais o ambiente externo tanto para a reeleição como para o golpe está muito adverso.

Pobre presidente! É mesmo muito difícil governar!


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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quinta-feira, 7 de outubro de 2021

As cadeias produtivas e o desabastecimento global

Semana de 27 de setembro a 03 de outubro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como “marco zero”, o capitalismo amadureceu quando ocorreu a Revolução Industrial e a produção passou a ser dominada pela maquinaria. A nação pioneira foi a Inglaterra, que viu regiões do seu território se transformarem em polos efervescentes de produtos, sobretudo, têxteis. Manchester e Londres são dois exemplos de como se constituiu um denso complexo industrial à época.

Ao longo do século XIX, outros países também conseguiram se integrar à essa mudança tão revolucionária, tais como Bélgica, França, EUA, Alemanha, Itália e Japão. De uma forma geral, ao longo daquele século foram se formando e se consolidando os grandes capitais desses países. Tal como no caso inglês, cidades e regiões foram se transformando em grandes polos industriais. Não apenas as atividades principais ocupavam estes locais, mas um leque de fornecedoras e subsidiárias.

Por sua vez, a periferia do capitalismo mundial também contribuiu com isto. Muitas colônias e ex-colônias das grandes potências tiveram como papel principal no mercado internacional exportar produtos primários e, em grau menor, importar produtos industrializados.

Na virada para o século XX, com a “saturação” dos mercados nacionais, as empresas precisaram buscar novos horizontes de acumulação. Isto foi resolvido através da expansão sobre outras economias. A situação de concorrência entre os capitais dos países imperialistas foi tal que até duas grandes guerras mundiais ocorrem em defesa dos “interesses nacionais”. Até aí, a atividade industrial tinha a concentração da produção em determinados espaços geográficos como uma característica predominante. Esses e outros atributos prevaleceram até meados do século passado, foi quando veio uma grave crise econômica que abalou as estruturas do capitalismo.

Diante do abalo estrutural deflagrado pela chamada “Crise do Petróleo”, em 1973, o capitalismo precisou se reinventar. Dentre as “novidades”, interessa destacar alguns pontos do processo conhecido como reestruturação produtiva. Dadas as mudanças tecnológicas e as novas formas de gestão da produção, este foi um processo que resultou na fragmentação e racionalização das fases do processo produtivo industrial. A partir disso, foi possível transferir partes da produção, que antes eram executadas nas tradicionais regiões industrializadas, para outras localidades. O objetivo fundamental das empresas era, claro, reduzir seus custos. Desta forma, países como Mianmar, Vietnã e Filipinas passaram a receber vultuosos investimentos de empresas multinacionais a partir da década de 1970. O objetivo era transformar alguns países da periferia mundial em verdadeiros chão de fábrica de empresas transnacionais, que antes pagavam altos salários nas tradicionais regiões industrializadas citadas.

Com isso iniciou-se uma reconfiguração da produção de bens industriais em escala mundial: o que antes era concentrado em determinadas regiões de países centrais agora é fragmentado e distribuído em diversos locais do planeta. Foi assim que surgiram as cadeias globais de valor ou, como é mais preciso, cadeias produtivas mundializadas. Este “modelo” de produção funcionou muito bem até o começo 2020, com poucos transtornos. Contudo, a Pandemia tem mostrado que é caro demais para as empresas depender de longas distância para obter a maior parte dos seus insumos. Mesmo que não faltassem microchips, semicondutores, carvão mineral ou gás natural em países da Europa e da Ásia, atualmente falta navios e contêineres para levar produtos pelos mares.

A situação da produção industrial mundial está bastante crítica. Nós no Brasil não temos muito o que fazer, pois sempre fomos uma economia atrasada no capitalismo mundial. Porém, janelas de oportunidade sempre se abrem nas crises mais profundas. Com o atual governo e sua política econômica não há qualquer expectativa de que isso ocorra. Só um milagre resolveria nosso problema, a começar pelo impeachment...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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