quinta-feira, 7 de outubro de 2021

As cadeias produtivas e o desabastecimento global

Semana de 27 de setembro a 03 de outubro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como “marco zero”, o capitalismo amadureceu quando ocorreu a Revolução Industrial e a produção passou a ser dominada pela maquinaria. A nação pioneira foi a Inglaterra, que viu regiões do seu território se transformarem em polos efervescentes de produtos, sobretudo, têxteis. Manchester e Londres são dois exemplos de como se constituiu um denso complexo industrial à época.

Ao longo do século XIX, outros países também conseguiram se integrar à essa mudança tão revolucionária, tais como Bélgica, França, EUA, Alemanha, Itália e Japão. De uma forma geral, ao longo daquele século foram se formando e se consolidando os grandes capitais desses países. Tal como no caso inglês, cidades e regiões foram se transformando em grandes polos industriais. Não apenas as atividades principais ocupavam estes locais, mas um leque de fornecedoras e subsidiárias.

Por sua vez, a periferia do capitalismo mundial também contribuiu com isto. Muitas colônias e ex-colônias das grandes potências tiveram como papel principal no mercado internacional exportar produtos primários e, em grau menor, importar produtos industrializados.

Na virada para o século XX, com a “saturação” dos mercados nacionais, as empresas precisaram buscar novos horizontes de acumulação. Isto foi resolvido através da expansão sobre outras economias. A situação de concorrência entre os capitais dos países imperialistas foi tal que até duas grandes guerras mundiais ocorrem em defesa dos “interesses nacionais”. Até aí, a atividade industrial tinha a concentração da produção em determinados espaços geográficos como uma característica predominante. Esses e outros atributos prevaleceram até meados do século passado, foi quando veio uma grave crise econômica que abalou as estruturas do capitalismo.

Diante do abalo estrutural deflagrado pela chamada “Crise do Petróleo”, em 1973, o capitalismo precisou se reinventar. Dentre as “novidades”, interessa destacar alguns pontos do processo conhecido como reestruturação produtiva. Dadas as mudanças tecnológicas e as novas formas de gestão da produção, este foi um processo que resultou na fragmentação e racionalização das fases do processo produtivo industrial. A partir disso, foi possível transferir partes da produção, que antes eram executadas nas tradicionais regiões industrializadas, para outras localidades. O objetivo fundamental das empresas era, claro, reduzir seus custos. Desta forma, países como Mianmar, Vietnã e Filipinas passaram a receber vultuosos investimentos de empresas multinacionais a partir da década de 1970. O objetivo era transformar alguns países da periferia mundial em verdadeiros chão de fábrica de empresas transnacionais, que antes pagavam altos salários nas tradicionais regiões industrializadas citadas.

Com isso iniciou-se uma reconfiguração da produção de bens industriais em escala mundial: o que antes era concentrado em determinadas regiões de países centrais agora é fragmentado e distribuído em diversos locais do planeta. Foi assim que surgiram as cadeias globais de valor ou, como é mais preciso, cadeias produtivas mundializadas. Este “modelo” de produção funcionou muito bem até o começo 2020, com poucos transtornos. Contudo, a Pandemia tem mostrado que é caro demais para as empresas depender de longas distância para obter a maior parte dos seus insumos. Mesmo que não faltassem microchips, semicondutores, carvão mineral ou gás natural em países da Europa e da Ásia, atualmente falta navios e contêineres para levar produtos pelos mares.

A situação da produção industrial mundial está bastante crítica. Nós no Brasil não temos muito o que fazer, pois sempre fomos uma economia atrasada no capitalismo mundial. Porém, janelas de oportunidade sempre se abrem nas crises mais profundas. Com o atual governo e sua política econômica não há qualquer expectativa de que isso ocorra. Só um milagre resolveria nosso problema, a começar pelo impeachment...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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