quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O capitalismo e a fome

Semana de 11 a 17 de outubro de 2021

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Não dá para falar de outro assunto. A semana começou com tapas, murros, chutes, voadoras e todo tipo de porrada na cara do brasileiro. Chocou-nos a cena de pessoas atacando um caminhão de lixo em Fortaleza. A motivação era o resgate de produtos descartados por um supermercado. Na cena viram-se, de crianças a idosos, as pessoas “reciclando” alimentos vencidos, ou que foram considerados inadequados para a venda pelo estabelecimento. Esse é o cenário do Brasil hoje. Mas, para além de apontar os culpados da conjuntura, precisamos falar sobre a estrutura econômica que permite e precisa dessa situação: o sistema capitalista.

Um dos elementos que caracteriza o capitalismo é a propriedade privada. Não de qualquer coisa, como casa, roupa, telefone, TV... A propriedade privada mais importante no capitalismo é daquilo que se pode usar para produzir outras coisas. São os chamados meios de produção. Esta, sim, é parte fundamental desse sistema.

Vamos por partes. Se existe uma parcela da sociedade que é proprietária dos meios de produção, existe outra que não é! A parte que é dona dos meios de produção tem, portanto, a possibilidade de produzir coisas e usufruir delas (seja diretamente ou usando o dinheiro que recebe ao vendê-las). O problema é que, dentre outros motivos, a quantidade de pessoas que detém os meios de produção é tão pequena que eles não conseguem pô-los em funcionamento sozinhos. Por sua vez, a parte da sociedade que não é dona dos meios de produção não pode produzir nada, pois não tem acesso aos meios para tal. No capitalismo, os despossuídos formam a esmagadora maioria da sociedade. São seres humanos que têm habilidades, qualificação e disposição, falta-lhes os meios de produção. Em outras palavras: de um lado, a minoria da sociedade detém os meios de produção, mas não os usa diretamente, do outro temos a maioria da sociedade, que tem capacidade de trabalho, mas não tem onde empregá-la. Para resolver este problema de ordem social e de sobrevivência, já que nessas condições não haveria produção, é que o capitalismo precisa de um segundo elemento que o caracteriza, o mercado.

O mercado é um local democrático, onde as pessoas das diferentes classes sociais se encontram e interagem. De um lado, empresários buscando pessoas que possam pôr em funcionamento seus meios de produção. Do outro, pessoas que têm força de trabalho. Assim, o mercado é o local em que se celebra o acordo de dois tipos de pessoa: uma que tem tanta riqueza que não pode pô-la em ação sozinha e outra que não tem nada. Claro, a aparência democrática do mercado logo se desfaz quando isto é levantado. O capitalista contrata um trabalhador que, se não arrumar logo um emprego, morre de fome. Esse é o contexto em que se estabelecem as relações capitalistas de trabalho.

O trabalho assalariado é o terceiro elemento que caracteriza o capitalismo. Os trabalhadores vendem sua capacidade de trabalho aos empresários por um prazo determinado e, em troca, recebem os salários. Esse dinheiro deve ser suficiente para o trabalhador manter-se vivo, mas não mais do que isso. Ou seja, o salário é a garantia de sobrevivência daqueles que não têm os meios de produção, mas por um período curto. Tão curto que no fim do mês o trabalhador já está preocupado novamente com a possibilidade de passar fome. Não fosse isso, a possibilidade de morrer, o que obrigaria o trabalhador a vender sua força de trabalho?

Caso não houvesse a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, se os meios de produção fossem acessíveis a todos, as pessoas (ou grupos de pessoas) com capacidade para tal poderiam usufruir deles e produzir o que precisam para viver decentemente. Desta forma, não precisariam se submeter ao mercado e nem ter que transformar sua força de trabalho em mercadoria. Não precisariam viver constantemente à sombra da morte. Mas esse não é o capitalismo. O capitalismo precisa que a maioria da sociedade esteja sempre preocupada se vai comer amanhã.

O capitalismo é a fome!


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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