Semana de 11 a 17 de outubro de 2021
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Não dá
para falar de outro assunto. A semana começou com tapas, murros, chutes,
voadoras e todo tipo de porrada na cara do brasileiro. Chocou-nos a cena de
pessoas atacando um caminhão de lixo em Fortaleza. A motivação era o resgate de
produtos descartados por um supermercado. Na cena viram-se, de crianças a
idosos, as pessoas “reciclando” alimentos vencidos, ou que foram considerados
inadequados para a venda pelo estabelecimento. Esse é o cenário do Brasil hoje.
Mas, para além de apontar os culpados da conjuntura, precisamos falar sobre a
estrutura econômica que permite e precisa dessa situação: o sistema
capitalista.
Um dos
elementos que caracteriza o capitalismo é a propriedade privada. Não de
qualquer coisa, como casa, roupa, telefone, TV... A propriedade privada mais
importante no capitalismo é daquilo que se pode usar para produzir outras
coisas. São os chamados meios de produção. Esta, sim, é parte fundamental desse
sistema.
Vamos
por partes. Se existe uma parcela da sociedade que é proprietária dos meios de
produção, existe outra que não é! A parte que é dona dos meios de produção tem,
portanto, a possibilidade de produzir coisas e usufruir delas (seja diretamente
ou usando o dinheiro que recebe ao vendê-las). O problema é que, dentre outros
motivos, a quantidade de pessoas que detém os meios de produção é tão pequena
que eles não conseguem pô-los em funcionamento sozinhos. Por sua vez, a parte
da sociedade que não é dona dos meios de produção não pode produzir nada, pois
não tem acesso aos meios para tal. No capitalismo, os despossuídos formam a
esmagadora maioria da sociedade. São seres humanos que têm habilidades,
qualificação e disposição, falta-lhes os meios de produção. Em outras palavras:
de um lado, a minoria da sociedade detém os meios de produção, mas não os usa
diretamente, do outro temos a maioria da sociedade, que tem capacidade de
trabalho, mas não tem onde empregá-la. Para resolver este problema de ordem
social e de sobrevivência, já que nessas condições não haveria produção, é que
o capitalismo precisa de um segundo elemento que o caracteriza, o mercado.
O
mercado é um local democrático, onde as pessoas das diferentes classes sociais
se encontram e interagem. De um lado, empresários buscando pessoas que possam
pôr em funcionamento seus meios de produção. Do outro, pessoas que têm força de
trabalho. Assim, o mercado é o local em que se celebra o acordo de dois tipos
de pessoa: uma que tem tanta riqueza que não pode pô-la em ação sozinha e outra
que não tem nada. Claro, a aparência democrática do mercado logo se desfaz
quando isto é levantado. O capitalista contrata um trabalhador que, se não
arrumar logo um emprego, morre de fome. Esse é o contexto em que se estabelecem
as relações capitalistas de trabalho.
O
trabalho assalariado é o terceiro elemento que caracteriza o capitalismo. Os
trabalhadores vendem sua capacidade de trabalho aos empresários por um prazo
determinado e, em troca, recebem os salários. Esse dinheiro deve ser suficiente
para o trabalhador manter-se vivo, mas não mais do que isso. Ou seja, o salário
é a garantia de sobrevivência daqueles que não têm os meios de produção, mas
por um período curto. Tão curto que no fim do mês o trabalhador já está
preocupado novamente com a possibilidade de passar fome. Não fosse isso, a
possibilidade de morrer, o que obrigaria o trabalhador a vender sua força de
trabalho?
Caso
não houvesse a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, se os meios
de produção fossem acessíveis a todos, as pessoas (ou grupos de pessoas) com
capacidade para tal poderiam usufruir deles e produzir o que precisam para
viver decentemente. Desta forma, não precisariam se submeter ao mercado e nem
ter que transformar sua força de trabalho em mercadoria. Não precisariam viver
constantemente à sombra da morte. Mas esse não é o capitalismo. O capitalismo
precisa que a maioria da sociedade esteja sempre preocupada se vai comer amanhã.
O capitalismo é a fome!
[i] Professor
do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB –
Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella
Alves.
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