Semana de 14 a 20 de março de 2022
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Em
meados dos anos 1970, o capitalismo passou por uma profunda crise. Ela foi
deflagrada pelo “Choque do petróleo”, que teve seus preços elevados de US$ 3
para US$ 12 em alguns meses. Mas, para além do preço do petróleo, outros custos
se elevaram e novos problemas se manifestaram, reduzindo o padrão de
lucratividade que o ocidente capitalista se acostumou a ter após a 2ª Guerra
Mundial.
Em
quase todo o século XX, o capitalismo esteve fundado no que a literatura chama
de lógica fordista de produção em massa. A característica básica deste período
era a criação de produtos padronizados, produzidos em áreas que centralizavam
grande parte da estrutura produtiva (produção concentrada em regiões
tradicionais) e que pudessem alcançar o máximo possível de mercados
consumidores (produção empurrada). A indústria era predominantemente baseada no
paradigma metal-mecânica-químico e, diante de fatores de ordem técnica,
tecnológica e financeira, os países centrais eram os polos exportadores de
manufaturados. Já os países da periferia do capitalismo compunham os polos
exportadores de matérias-primas.
Nos
anos de 1960, após a reconstrução das potências destruídas na 2ª Guerra e com a
retomada da “normalidade” na concorrência entre as empresas transnacionais,
tudo isto foi posto em xeque. O motivo foi o exemplar sucesso da indústria
japonesa no mercado mundial, em especial, o setor automobilístico.
De uma
forma geral, foi “inaugurada” a lógica de acumulação flexível, que se
caracteriza pela criação de produtos diferenciados, voltados para frações e
nichos de mercados previamente estabelecidos (produção puxada). Além disso,
foram se enfraquecendo (ou mesmo desaparecendo) alguns grandes centros
industriais. O motivo foi a busca por locais onde a produção ocorresse com
baixos custos. Junto com as possibilidades abertas pelo paradigma das
tecnologias da informação e comunicação, isto ocorreu através do processo de fragmentação
e redistribuição espacial do processo produtivo. Naturalmente, como
característica essencial, a produção foi direcionada para países que
fornecessem mão de obra barata, mas qualificada.
Esse é
o contexto do surgimento do que chamamos hoje de cadeias globais de valor
(CGV), um dos elementos econômicos estruturantes de um processo maior e mais
complexo, a Globalização. As CGV, por exemplo, foram as responsáveis pelo
surgimento de novos polos exportadores de manufaturados na periferia, em
especial, na Ásia. Empresas multinacionais ou levaram suas fábricas ou
contrataram empresas locais em países como Vietnã e Tailândia, que se tornaram
grandes fornecedores para os mercados dessas multinacionais. Com isto, elas (as
empresas) ganharam duplamente. Houve o ganho individual, pois elas reduziram
seus custos ao produzir nos países onde se instalaram. Houve o ganho coletivo,
sobretudo, nos países avançados, que tiveram seus produtos barateados e os
preços gerais controlados, inclusive os salários.
Porém,
a situação de dependência dessa estrutura é tal que, como tem mostrado a
pandemia, sobretudo os lockdowns que ainda são impostos na China, não é
possível à indústria do ocidente funcionar sem os insumos vindos do oriente.
Além disso, a guerra entre Rússia e Ucrânia mostra que a produção agrícola do
segundo maior exportador de grãos do mundo, o Brasil, está ameaçada pela falta
de insumos vindos de lá. Soma-se a isso a pressão especulativa que o
desregulamentado sistema financeiro internacional, outro fator estruturante da
Globalização, exerce sobre os preços das commodities.
Como vimos, a grande vantagem da (não tão) nova divisão internacional do trabalho (via CGV) é a produção e entrega dos insumos e produtos em qualquer lugar do planeta a baixo custo. Mas, parece que esta forma como o capitalismo se estruturou para produzir riqueza está em xeque. Fiquemos atentos, essa pode ser uma janela de oportunidade para melhorar a inserção internacional brasileira. Nada poderá nos deter, apenas a subalternidade da nossa elite, representada pelo atual governo federal.
[i] Professor
do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB –
Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Polianna Almeida, Nertan
Gonçalves e Ana Isadora Meneguetti.
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