quinta-feira, 24 de março de 2022

Pandemias, guerras e CGV: há como conciliar?

Semana de 14 a 20 de março de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Em meados dos anos 1970, o capitalismo passou por uma profunda crise. Ela foi deflagrada pelo “Choque do petróleo”, que teve seus preços elevados de US$ 3 para US$ 12 em alguns meses. Mas, para além do preço do petróleo, outros custos se elevaram e novos problemas se manifestaram, reduzindo o padrão de lucratividade que o ocidente capitalista se acostumou a ter após a 2ª Guerra Mundial.

Em quase todo o século XX, o capitalismo esteve fundado no que a literatura chama de lógica fordista de produção em massa. A característica básica deste período era a criação de produtos padronizados, produzidos em áreas que centralizavam grande parte da estrutura produtiva (produção concentrada em regiões tradicionais) e que pudessem alcançar o máximo possível de mercados consumidores (produção empurrada). A indústria era predominantemente baseada no paradigma metal-mecânica-químico e, diante de fatores de ordem técnica, tecnológica e financeira, os países centrais eram os polos exportadores de manufaturados. Já os países da periferia do capitalismo compunham os polos exportadores de matérias-primas.

Nos anos de 1960, após a reconstrução das potências destruídas na 2ª Guerra e com a retomada da “normalidade” na concorrência entre as empresas transnacionais, tudo isto foi posto em xeque. O motivo foi o exemplar sucesso da indústria japonesa no mercado mundial, em especial, o setor automobilístico.

De uma forma geral, foi “inaugurada” a lógica de acumulação flexível, que se caracteriza pela criação de produtos diferenciados, voltados para frações e nichos de mercados previamente estabelecidos (produção puxada). Além disso, foram se enfraquecendo (ou mesmo desaparecendo) alguns grandes centros industriais. O motivo foi a busca por locais onde a produção ocorresse com baixos custos. Junto com as possibilidades abertas pelo paradigma das tecnologias da informação e comunicação, isto ocorreu através do processo de fragmentação e redistribuição espacial do processo produtivo. Naturalmente, como característica essencial, a produção foi direcionada para países que fornecessem mão de obra barata, mas qualificada.

Esse é o contexto do surgimento do que chamamos hoje de cadeias globais de valor (CGV), um dos elementos econômicos estruturantes de um processo maior e mais complexo, a Globalização. As CGV, por exemplo, foram as responsáveis pelo surgimento de novos polos exportadores de manufaturados na periferia, em especial, na Ásia. Empresas multinacionais ou levaram suas fábricas ou contrataram empresas locais em países como Vietnã e Tailândia, que se tornaram grandes fornecedores para os mercados dessas multinacionais. Com isto, elas (as empresas) ganharam duplamente. Houve o ganho individual, pois elas reduziram seus custos ao produzir nos países onde se instalaram. Houve o ganho coletivo, sobretudo, nos países avançados, que tiveram seus produtos barateados e os preços gerais controlados, inclusive os salários.

Porém, a situação de dependência dessa estrutura é tal que, como tem mostrado a pandemia, sobretudo os lockdowns que ainda são impostos na China, não é possível à indústria do ocidente funcionar sem os insumos vindos do oriente. Além disso, a guerra entre Rússia e Ucrânia mostra que a produção agrícola do segundo maior exportador de grãos do mundo, o Brasil, está ameaçada pela falta de insumos vindos de lá. Soma-se a isso a pressão especulativa que o desregulamentado sistema financeiro internacional, outro fator estruturante da Globalização, exerce sobre os preços das commodities.

Como vimos, a grande vantagem da (não tão) nova divisão internacional do trabalho (via CGV) é a produção e entrega dos insumos e produtos em qualquer lugar do planeta a baixo custo. Mas, parece que esta forma como o capitalismo se estruturou para produzir riqueza está em xeque. Fiquemos atentos, essa pode ser uma janela de oportunidade para melhorar a inserção internacional brasileira. Nada poderá nos deter, apenas a subalternidade da nossa elite, representada pelo atual governo federal.


[i] Professor do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Polianna Almeida, Nertan Gonçalves e Ana Isadora Meneguetti.

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