quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Baderneiros nas estradas e nos quartéis

Semana de 14 a 20 de novembro de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Enquanto o novo presidente eleito é saudado e recebido com honras de chefe de Estado pelo mundo, mantendo encontro com autoridades de outros países e recuperando a imagem do país no exterior, por cá os baderneiros continuam suas ações provocativas, ocupando estradas e acampando em frente dos quarteis que se mantêm coniventes com os criminosos. Nossa previsão feita em Análise anterior confirma-se integralmente.  Teremos um resto de ano muito tumultuado. Vazaram até mensagens do ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, com uma pregação abertamente golpista, anunciando com entusiasmo o golpe que será dado pelas forças armadas muito em breve.

Apesar de todo este ruído as ações para a transição do governo continuam igualmente tumultuadas. A cada afirmação mais ousada do Lula em defesa das medidas sociais, salta o “mercado” babando sangue e provocando altas do dólar, queda nas bolsas de valores e alta nos juros futuros. É o maior berreiro chegando a provocar uma tosca carta dos três famosos economistas que apoiaram a campanha, Pedro Malan, Armínio Fraga e Pérsio Arida, com críticas ao novo presidente. É um primeiro sintoma do racha do frentão que se formou em torno do Lula para derrubar a aberração que se apossou do país e restaurar a democracia.

Enquanto o seu bando fascista urra nas ruas clamando agora por uma “intervenção federal” Bolsonaro estimula as ações mantendo-se silencioso, usando como justificativa uma “pereba na canela” que lhe dificulta os movimentos.  A milicada, segundo Augusto Nardes, segue conspirando nas trevas. Vivemos sob grande tensão alimentada pela nova ação do Valdemar da Costa Neto com um pedido de anulação de milhares de urnas que ele considera suspeitas. Por enquanto o STF e o TSE são os grandes guardiões da legalidade destacando-se o ministro Alexandre de Moraes. As figuras dos presidentes da Câmara e do Senado seguem com suas posições covardes e vacilantes no comando de um poder legislativo corrupto e reacionário, em sua maioria, e que deve piorar na nova legislatura. Torna-se difícil um acordo para a aprovação da PEC do orçamento capaz de criar as condições mínimas para o início do governo em 2023.

No mundo a Copa ofuscou todas as desgraças e mesmo as demências do fantoche Zelensky, travestido de presidente da Ucrânia, não despertam mais atenção. O caso do míssil caído na Polônia, que provocou acusações histéricas do palhaço e o pedido de convocação da OTAN em caráter de urgência para uma guerra total contra a Rússia, foi desmoralizado pelos próprios aliados que descobriram a fraude: o míssil era ucraniano. Também não causou surpresa a descoberta que as explosões nos gasodutos russos Nord Stream 1 e 2 foram atos de sabotagem, ainda não se sabe de quem. Enquanto isso, a recessão avança na União Europeia preocupando as populações, o que já é admitido por todos. Aumenta a inflação, desorganizam-se as cadeias de valor e o comércio, e paradoxalmente, os Bancos Centrais sobem dos juros, o que contribui para aprofundar a crise. Aqui nesta coluna temos seguidamente alertado para estes fenômenos que agravam as nossas próprias dificuldades.

Nos países desenvolvidos os governos continuam com sua política suicida de esconder a realidade e mantêm os gastos de milhões de dólares na aventura belicista patrocinada pelos EUA e apoiada pela culta Europa. No entanto, na COP 27 escusam-se dos compromissos de contribuir para o fundo de indenização dos países mais vulneráveis que mais sofrem com a poluição ambiental. E se não bastassem as consequências da guerra da Ucrânia, as tensões entre os EUA e a China aumentaram, com a nova política americana que considera a China uma importante ameaça aos EUA e pretende estrangular a economia chinesa para impedir seu desenvolvimento tecnológico.

Com este quadro internacional tão adverso não é de se esperar qualquer recuperação da economia nacional. Some-se a isto a crescente instabilidade que vem sendo provocada pela ação do bolsonarismo que tenta criar as maiores dificuldades para a instalação do novo governo. Teremos tempos difíceis certamente.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Alves.

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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

O Deus Mercado?

Semana de 07 a 13 de novembro de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No sincretismo religioso, há diversas combinações de teísmos. Os politeístas acreditam na existência simultânea de várias divindades diferentes, cada qual com seus poderes, características e peculiaridades. Já para os monoteístas, há apenas uma divindade, que reúne todo o poder supremo. Em comum a todas elas, está o fato de que o(s) deus(es) deve(m) ser agradado(s) e seus ensinamentos praticados, caso contrário, alguém vai sofrer (seja com o mau humor da divindade, seja com o castigo ao pecador).

Normalmente, os rituais de conexão entre o divino e o secular ocorrem nos templos e são guiados por indivíduos que detêm conexão direta com a divindade em questão. Frequentemente, eles são os representantes do(s) deus(es) no plano terrestre, sua personificação. Eles são os sacerdotes. Por sua vez, esta conexão é adquirida a partir de uma estrutura complexa de tradições, o que forma a base de uma determinada religião.

Pois bem. É possível traçar um paralelo entre economia e a crença na existência de um poder supremo, um paralelo entre o capitalismo e a religião, apesar de serem coisas diferentes, e o primeiro ser mais poderoso que o segundo.

Muito se fala na existência de um “Deus Mercado”, que não deve ser contrariado. Porém, o mercado é apenas o “templo”, um local onde os indivíduos manifestam os anseios de algo que lhes é superior. Como todo templo, as vozes que mais ecoam são as dos sacerdotes, os quais personificam as vontades da divindade. De uma forma geral, as pessoas não precisam saber da existência desta entidade suprema que dita a forma como todos devem se comportar em sociedade. Na realidade, muitos de nós seguem suas leis sem sequer ter consciência disso.

Esse ser supremo que atualmente nos guia é o capital. Por isso que o sistema econômico atual é chamado de capitalismo (para mais detalhes sobre ele: link). A sua lei fundamental é a obtenção de lucro. Sem a apropriação privada do excedente alheio, não há capitalismo que funcione. Por sua vez, quem personifica o capital são os capitalistas, que chegaram a tal posto por mérito (a exceção) ou por herança (a regra).

Nesse contexto, correndo o risco de ser ainda mais simplista, podemos afirmar que o capitalismo se enquadraria no monoteísmo religioso. Mesmo assim, o capital é múltiplo, assume várias facetas e, por isso, tem sacerdotes das mais variadas ordens. Há aqueles que pregam que o capital só terá seus anseios atendidos se a economia for aberta ao mundo. Há quem defenda a produção local como o melhor para o capital. Há os que apelam para o aumento dos juros e para a carestia do Estado como formas de agradar a divindade suprema. Enfim, sejam industriais, comerciantes, banqueiros, financistas ou especuladores, os capitalistas encontram um meio de cumprir sua função.

O que vimos na semana passada, após a fala de Lula sobre a necessidade de incluir os pobres no orçamento, nada mais foi do que o capital dando sinais. Como toda a população do Brasil não cabe no orçamento público, o capital avisou que não quer abrir mão da sua parte. Por isso seus sacerdotes logo se apressaram em levar o recado aos leigos, demonstrando que o governo eleito e o povo não devem ousar lhe peitar.

Contudo, parece que o movimento ocorrido na semana passada não foi muito bem recebido pela opinião pública. Isto pode ser visto naquele que tem sido o maior instrumento de comunicação no Brasil atual. Não faltaram memes para manifestar a insatisfação popular com esse movimento feito no “mercado”, se bem que alguns analistas sérios também expressaram sua insatisfação publicamente.

O pior, porém, é que não há muito o que fazer. Como vimos nessa campanha de 2022, foi muito ampla a aliança para acabar com o melhor representante do diabo na história do Brasil. Claro, este apoio não viria de graça, pois o capital se parece com o deus cristão do velho testamento. A equipe de transição já está recheada de pessoas que vão garantir a paz capitalista, desde as pastas da área econômica até a da educação.

E nem adianta rezar, na economia não tem milagre. Só a luta nossa de cada dia poderá nos salvar.


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Gonçalves.

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quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Uma batalha foi ganha. E a guerra?

Semana de 31 de outubro a 06 de novembro de 2022

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

A eleição passou e ganhamos a batalha, mas não a guerra. Ela mal começou e vai continuar cada vez mais acirrada. E não é entre direita e esquerda, mas entre barbárie e civilização, entre democracia e ditadura. É difícil encontrar algum outro momento da história em que se tenha concentrado em um polo tanta maldade e iniquidade. Além disso o fenômeno é universal, a batalha é planetária. O que assistimos aqui dentro é um pequeno reflexo do que se processa em todo o mundo. A tecnologia, a internet, a globalização tornaram tudo universal. Dementes mercenários como Steve Bannon criaram mecanismos globais de divulgação e massificação de todo tipo de barbaridades, que envergonham a humanidade e a ciência, mas entranham-se no primarismo e na mediocridade das mentes treinadas e exercitadas para o comportamento irracional de rebanho. O comportamento de manada interessa ao capitalismo pois leva ao consumo em massa dos mesmos produtos o que viabiliza a produção capitalista em grande escala. E nisso o sistema é muito criativo e competente. Qualquer que seja o movimento que surja o sistema logo produz um pacote completo para atender o novo costume. Daí surgiram o kit skate, o kit surfista, o kit retrô, o kit hippie, o kit gótico etc., que alimentam qualquer fantasia de acordo com a moda.

 O comportamento é do mesmo tipo quer seja em um show, um estádio de futebol, um culto religioso, um comício, um bloco de carnaval, um programa de televisão, uma reunião política etc. Sob comando todos levantam, todos gritam, todos agitam os braços, todos requebram os corpos, todos saltam, todos andam para um lado e outro, todos dançam a mesma coisa (coreografias estudadas e encomendadas), todos se comportam como um bando de irracionais. Onde levará esta loucura? Ninguém se dá conta do perigo que isto representa? E quando vier o comando para que matem o preto, o homossexual, o petista, o comunista e por que não o judeu, o capitalista o bolsominion? E preciso não esquecer que o pau que bate em Chico bate em Francisco.

Por enquanto a pregação do ódio vem de um lado só e o resultado já é visível. Vejam-se os casos do Roberto Jefferson, que envergonha as corporações policiais e particularmente a Polícia Federal, e o caso do desbloqueio das estradas onde a Polícia Rodoviária Federal é quem faz o papel ridículo. Tudo comandado pelo ministro Anderson Torres, obedecendo as ordens do “capitão”. As manifestações criminosas absurdas, que já causam prejuízos aos negócios, continuam a ser toleradas.

E enquanto a quadrilha continua a agir, com a conivência de algumas autoridades, as forças políticas movem-se e o novo presidente mantém suas atividades preparando o seu governo como se nada estivesse acontecendo. A cada dia surge uma novidade.

Esperamos que desta vez os criminosos sejam punidos e não se repita o grande erro do fim do golpe militar com a anistia dos torturadores e militares assassinos. Ou se desarticula o centro produtor de golpista e torturadores ou tudo se repetirá. Bolsonaro não perdeu a guerra e precisa ser punido pelos seus crimes juntamente com sua família de débeis mentais e demais fanáticos do bando. Cadeia ou manicômio judicial.

Com certeza teremos um resto de ano muito tumultuado. O que ainda nos vale é a cobertura internacional, o reconhecimento da comunidade mundial, do salto para a civilização que foi dado no Brasil. Infelizmente, do ponto de vista econômico, não teremos nenhuma ajuda e a economia do país continua a afundar lentamente à medida em que se esgotam os estímulos dados pelos pacotes eleitoreiros do governo atual. Já em setembro a economia encolheu -0,8% e em outubro a produção industrial caiu -0,7%.

Com efeito, apesar de não desejarem admitir, as instituições internacionais e os analistas cada vez mais reconhecem que a situação internacional aponta para uma recessão generalizada. Tanto os países da União Europeia como os EUA apresentam sinais de desaceleração. A própria China também desacelera. Mas as loucuras continuam. Milhões de dólares são queimados na estúpida guerra na Ucrânia em apoio ao fantoche dos americanos, o comediante Zelensky que lucra com o sangue de seu próprio povo.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Alves.

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quinta-feira, 3 de novembro de 2022

A esperança venceu a barbárie. Mas, foi por pouco?

Semana de 24 a 30 de outubro de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como é bem sabido por todos, incluindo o gado derrotado e solto nas estradas do Brasil, Lula foi eleito com mais de 60 milhões de votos. A diferença percentual foi a menor da história: 50,9% para Lula, o futuro Presidente, contra 49,1% para Bolsonaro, o futuro ex-Presidente. Mas, será que a diferença foi mesmo tão pequena? Para responder a essa pergunta, o resultado das urnas deve ser lido com atenção.

Como vem sendo destacado por alguns analistas, o pleito foi o mais injusto desde a redemocratização (quiçá de todos os tempos). Os motivos são diversos, uns mais e outros menos flagrantes. Em outra ocasião (link), já havíamos mostrado como Jair Bolsonaro cercou o Supremo Tribunal Federal e cooptou o Congresso Nacional. Isto começou desde que assumiu o Executivo, em 2019. O fato é que, premeditadamente ou não, com isso ele teve condições de fazer o que fez antes e durante essas eleições.

Nos dois primeiros meses de 2022, os institutos de pesquisa apontavam uma grande rejeição à Bolsonaro (mais de 60%). Entre março e abril, houve uma redução dessa rejeição. Até então, o principal instrumento utilizado para garantir sua reeleição foi o orçamento secreto (criado anteriormente para barrar um provável impeachment). Porém, como nada de diferente dos anos anteriores foi feito, entre maio e junho houve uma manutenção da rejeição ao Presidente. Foi quando anunciaram o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 e o aumento do Vale Gás. Em julho o Congresso aprovou tais benefícios, junto com os auxílios a taxistas e caminhoneiros. Além disso, foi aprovada a PEC que reduziu o ICMS sobre alguns produtos básicos. Os benefícios começaram a ser pagos entre julho e agosto. Por sua vez, a inflação caiu por conta da redução dos tributos sobre os combustíveis. Nesse meio tempo, a rejeição a Bolsonaro caiu de novo.

Esses foram os fatores que deram a Bolsonaro uma chance de competir contra Lula e evitaram uma derrota já no 1º turno. Porém, o segundo lugar mostrou que essas e outras medidas, implementadas de um jeito jamais visto na história da República, foram insuficientes. Era preciso ainda mais para fazer alguns milhões de brasileiros esquecerem o que ocorreu entre 2019 e 2021: os quase 700 mil mortos pela covid-19, a fila do osso, a bandeja de pé de galinha, a inflação, a desmoralização internacional, enfim... Por isso, entraram em cena mais fake news, bem como a participação de celebridades evangélicas, sertanejas, esportistas, ex-BBBs e todo o resto. Além disso, mais medidas de ordem econômica foram adotadas: crédito e renegociação de dívidas via Caixa Econômica Federal; aumento do salário-mínimo; pagamento de 13º para beneficiárias do Auxílio Brasil; liberação de FGTS futuro etc.

Esse é o contexto que gerou a diferença de 2.139.645 votos entre Lula e Bolsonaro: uma parte da população votou nele porque suas condições materiais melhoraram, mesmo que temporariamente. Mas, não podemos deixar de reconhecer que há uma parcela significativa da população que apresenta elementos fascistóides. No entanto, ela é uma parcela bem menor do que os 58 milhões de votos em Bolsonaro. Isso pode ser visto nas patéticas manifestações iniciadas após o anúncio do resultado de domingo, com o fechamento de estradas em quase todo o país. Isto só “prosperou” por conta das milícias fardadas infiltradas nas forças de segurança federais e estaduais. Os metalúrgicos de Angra dos Reis, as torcidas organizadas Gaviões da Fiel e Galoucura e os moradores de São Mateus (ES) já mostraram que esses movimentos golpistas são apenas “mimimi” e “frescura” de quem vai chorar até sei lá quando.

De uma forma geral, o que tomou conta de parte não desprezível dos eleitores de Bolsonaro foi o medo do “Brasil virar uma Venezuela”. Os anos de 2003 a 2010 mostram que Lula está bem longe disso. O máximo que podemos esperar, infelizmente, é um desenvolvimento capitalista nos moldes de um modelo liberal e periférico, nada mais. Sem dúvida, isto será muito melhor do que o que vivemos desde 2019. Por isso, podemos dizer: a esperança venceu a barbárie. Vamos aprender novamente o que é a democracia.


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Gonçalves.

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