quinta-feira, 3 de novembro de 2022

A esperança venceu a barbárie. Mas, foi por pouco?

Semana de 24 a 30 de outubro de 2022

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como é bem sabido por todos, incluindo o gado derrotado e solto nas estradas do Brasil, Lula foi eleito com mais de 60 milhões de votos. A diferença percentual foi a menor da história: 50,9% para Lula, o futuro Presidente, contra 49,1% para Bolsonaro, o futuro ex-Presidente. Mas, será que a diferença foi mesmo tão pequena? Para responder a essa pergunta, o resultado das urnas deve ser lido com atenção.

Como vem sendo destacado por alguns analistas, o pleito foi o mais injusto desde a redemocratização (quiçá de todos os tempos). Os motivos são diversos, uns mais e outros menos flagrantes. Em outra ocasião (link), já havíamos mostrado como Jair Bolsonaro cercou o Supremo Tribunal Federal e cooptou o Congresso Nacional. Isto começou desde que assumiu o Executivo, em 2019. O fato é que, premeditadamente ou não, com isso ele teve condições de fazer o que fez antes e durante essas eleições.

Nos dois primeiros meses de 2022, os institutos de pesquisa apontavam uma grande rejeição à Bolsonaro (mais de 60%). Entre março e abril, houve uma redução dessa rejeição. Até então, o principal instrumento utilizado para garantir sua reeleição foi o orçamento secreto (criado anteriormente para barrar um provável impeachment). Porém, como nada de diferente dos anos anteriores foi feito, entre maio e junho houve uma manutenção da rejeição ao Presidente. Foi quando anunciaram o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 e o aumento do Vale Gás. Em julho o Congresso aprovou tais benefícios, junto com os auxílios a taxistas e caminhoneiros. Além disso, foi aprovada a PEC que reduziu o ICMS sobre alguns produtos básicos. Os benefícios começaram a ser pagos entre julho e agosto. Por sua vez, a inflação caiu por conta da redução dos tributos sobre os combustíveis. Nesse meio tempo, a rejeição a Bolsonaro caiu de novo.

Esses foram os fatores que deram a Bolsonaro uma chance de competir contra Lula e evitaram uma derrota já no 1º turno. Porém, o segundo lugar mostrou que essas e outras medidas, implementadas de um jeito jamais visto na história da República, foram insuficientes. Era preciso ainda mais para fazer alguns milhões de brasileiros esquecerem o que ocorreu entre 2019 e 2021: os quase 700 mil mortos pela covid-19, a fila do osso, a bandeja de pé de galinha, a inflação, a desmoralização internacional, enfim... Por isso, entraram em cena mais fake news, bem como a participação de celebridades evangélicas, sertanejas, esportistas, ex-BBBs e todo o resto. Além disso, mais medidas de ordem econômica foram adotadas: crédito e renegociação de dívidas via Caixa Econômica Federal; aumento do salário-mínimo; pagamento de 13º para beneficiárias do Auxílio Brasil; liberação de FGTS futuro etc.

Esse é o contexto que gerou a diferença de 2.139.645 votos entre Lula e Bolsonaro: uma parte da população votou nele porque suas condições materiais melhoraram, mesmo que temporariamente. Mas, não podemos deixar de reconhecer que há uma parcela significativa da população que apresenta elementos fascistóides. No entanto, ela é uma parcela bem menor do que os 58 milhões de votos em Bolsonaro. Isso pode ser visto nas patéticas manifestações iniciadas após o anúncio do resultado de domingo, com o fechamento de estradas em quase todo o país. Isto só “prosperou” por conta das milícias fardadas infiltradas nas forças de segurança federais e estaduais. Os metalúrgicos de Angra dos Reis, as torcidas organizadas Gaviões da Fiel e Galoucura e os moradores de São Mateus (ES) já mostraram que esses movimentos golpistas são apenas “mimimi” e “frescura” de quem vai chorar até sei lá quando.

De uma forma geral, o que tomou conta de parte não desprezível dos eleitores de Bolsonaro foi o medo do “Brasil virar uma Venezuela”. Os anos de 2003 a 2010 mostram que Lula está bem longe disso. O máximo que podemos esperar, infelizmente, é um desenvolvimento capitalista nos moldes de um modelo liberal e periférico, nada mais. Sem dúvida, isto será muito melhor do que o que vivemos desde 2019. Por isso, podemos dizer: a esperança venceu a barbárie. Vamos aprender novamente o que é a democracia.


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares e Nertan Gonçalves.

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