quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

A barbárie deu sua primeira obrada

Semana de 02 a 08 de janeiro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como não começar falando do absurdo ocorrido em Brasília no último fim de semana!? As cenas são as mais lamentáveis e contraditórias já vistas na história recente do país.

Quem diria que os defensores de Deus arrancariam símbolos religiosos (que nem deveriam estar ali, já que o Estado é laico) das paredes dos palácios dos três poderes? Quem diria que os patriotas arrancariam o Brasão de Armas do Brasil (brasão símbolo da nossa república) e o exibiriam como troféu, simbolizando, talvez, a cabeça de um inimigo (a própria democracia). Quem diria que veríamos as nádegas de um exemplar cidadão de bem, integrante da tradicional família brasileira, defecando em móveis oficiais?

Apesar da forma absolutamente peculiar desses fatos, a contradição fundamental das manifestações está em seu conteúdo. Como é possível pedir intervenção militar em favor da liberdade? Nem Freud explicaria a (in)consciência de um bolsominion. Não é nenhum exagero dizer que eles estão se comportando como gado, seguindo direitinho o berrante do seu algoz e indo em manada para o abate.

Porém, Jair Bolsonaro já abandonou o rebanho que reuniu para as eleições de 2018 e que se manteve fiel em 2022. Não são poucas as figuras públicas e/ou midiáticas que passaram rechaçá-lo após o Dia do Fujo (para o Orlando). Por isso mesmo, algumas questões precisam ser levantadas.

Por que há dois meses existem acampamentos que mais parecem Cracolândias diante de quarteis? Por que eles estavam recebendo o apoio das próprias Forças Armadas? Por que essa escória da democracia não dispersou com a fuga do Jair? Por que os integrantes das Forças Armadas (e seus familiares) passaram a compactuar, discursar e até ocupar esses ambientes? Seria o Capitão apenas a figura pública de algo maior e hierarquicamente superior? Não resta dúvidas de que há militares tentando trazer de volta os velhos tempos da Ditadura.

Contudo, o poder militar está subordinado ao poder econômico. Certamente, há muitos empresários financiando as manifestações desde seu início. Mas esta fração da burguesia brasileira (que, espero, será revelada em breve) não apresentou poder suficiente para financiar um efetivo golpe. Nesse contexto, a frente amplíssima costurada por Lula, até aqui, foi capaz de dar um esteio à nossa democracia. Claro, quanto mais diferentes forem os tecidos, mais difícil será manter essa colcha de retalhos. As linhas precisam ser devidamente ajustadas. Mesmo assim, a burguesia que efetivamente manda no país parece estar com Lula, mas, principalmente, com Alckmin e Tebet.

Além disso, mostrando que falta poder econômico aos golpistas, não se viu parlamentares ou grandes políticos defendendo a invasão de 08 de janeiro de 2023. Caso houvesse grandes garantias de que os ganhos (econômicos e políticos) com um possível golpe fossem maiores do que os ganhos segundo o cenário atual, certamente veríamos grandes figuras públicas contemporizando e justificando os atos.

Isto significa que tudo está tranquilo? É só esperar que as instituições façam sua parte? É achar que Xandão vai nos salvar sempre? Obviamente que não. Como temos visto, a democracia burguesa é um processo em permanente transformação. A disputa pelo poder é uma característica do capitalismo e da formação social que dele deriva. A história já mostrou que a burguesia é capaz de todo e qualquer expediente para ter seus interesses atendidos (vide Hitler, Mussolini, Pinochet, Franco, Salazar e muitos outros).

Se hoje a situação política está muito melhor do que no ano passado, isto é resultado da luta política travada por todos e pelo voto das massas. Claro que dará muito trabalho lavar toda a sujeira bolsonarista. E aí está o nosso papel nisso tudo: engrossar o caldo e fazê-lo entornar em cima daqueles que querem destruir nossa frágil democracia.

A barbárie bolsonarista deu sua primeira obrada. Preparemo-nos para a próxima, que, cedo ou tarde, certamente virá. É só alguma fração relevante da burguesia desejar. Os militares já mostraram que ainda estão dispostos a embarcar nesse tipo de aventura.


[i] Professor do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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