Semana de 16 a 22 de janeiro de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Normalmente,
os presidentes eleitos gozam de um período de bonança nos primeiros meses de
governo. As urnas lhes conferem legitimidade suficiente para tocar uma parte
das promessas feitas na campanha. Por outro lado, é mais comum ainda atribuir
ao presidente anterior as dificuldades em colocar tais promessas em prática.
Quando há a troca de governo, sempre se diz que ficou uma herança maldita.
Uma
das formas de amenizar esse problema é escolher uma boa equipe de transição.
Com ela é possível identificar as discordâncias e preparar medidas que coloquem
as políticas de acordo com a nova orientação. E, sob a liderança de Geraldo
Alckmin, isto foi muito bem-feito pela então equipe de transição do atual
governo Lula. Tanto que inúmeras medidas ideologicamente orientadas pelo
bolsonarismo foram imediatamente revogadas. Dentre tantas coisas que foram
feitas no período, o que já sabemos é que o Orçamento de 2023 foi a que deu
mais trabalho. Lula até precisou andar por Brasília e negociar com o Centrão
antes mesmo de assumir seu terceiro mandato.
Entretanto,
como temos visto nesses primeiros dias de 2023, o governo Bolsonaro não poderia
ter sido pior. A primeira herança deixada resultou no ato de 8 de janeiro, não
apenas pela destruição das sedes dos três poderes da república, mas pela
(in)ação das forças militares. Não é de hoje que, formal ou informalmente, as
forças armadas tutelam o poder civil no Brasil. Isto não vem do Golpe de 1964.
Isto já está na raiz do Brasil Império e, mais ainda, na Proclamação da República
(1889). Inclusive, em 1930, o fim da Velha República (do Café com Leite) se deu
por meio de um golpe militar. Bolsonaro serviu para reativar esse estúpido e
errôneo “sentimento” nas forças armadas brasileiras.
Por
isso, nada melhor do que aproveitar o momento para realizarmos uma profunda
mudança na formação do nosso oficialato. Aqui, não se trata apenas de mudar a
forma como as Forças Armadas se organizam internamente. Problemas de hierarquia
interna são facilmente resolvidos por eles mesmos, sendo, assim, os
funcionários públicos mais corporativistas que existem. O problema da formação
dos oficiais está no conteúdo do que aprendem, pois o que estamos vendo (ainda)
é uma claríssima demonstração de insubordinação ao seu Comandante Supremo. Ou
seja, há um grupo considerável de oficiais que não compreendem que estão
subordinados aos desígnios da população e que é o povo quem os comanda,
indiretamente, através de um presidente eleito.
Sem
fugir do assunto, mas indo em outra direção, uma das funções dos militares
brasileiros é proteger e contribuir para o desenvolvimento dos povos que vivem
na Amazônia. Aqui entra uma segunda herança maldita do governo Bolsonaro, já
vista em janeiro 2023. Não há palavras que possam descrever o sentimento gerado
pelas imagens de indígenas Yanomamis desnutridos (no estado de Roraima). Ao
longo dos anos, foram mais de duas dezenas de ofícios enviados e ignorados pela
gestão Bolsonaro/Damares. Especificamente nesta região, o que motivou essa
calamidade foi a invasão das terras Yanomamis por garimpeiros ilegais, os quais
foram porcamente combatidos pelas forças militares brasileiras na gestão
Bolsonaro/Ricardo Salles. De uma forma ou de outra, isto se reproduziu em
outros territórios indígenas e, entre 2018 e 2021, triplicou as invasões e a
exploração ilegal de terras indígenas.
Novamente,
o momento atual é propício para o Brasil estabelecer políticas efetivas de
ocupação do território. De um lado, é preciso que haja a devida demarcação e o
respeito aos povos originários. Mas, por outro, precisamos de uma reforma
agrária e uma justa distribuição de terras em prol de famílias que possam
alimentar nossa população, que ainda passa fome e convive com a insegurança
alimentar (terceira herança).
Infelizmente, outras heranças malditas devem aparecer ao longo de 2023. A esperança é que a desgraça já em curso sirva, ao menos, para se efetivar mudanças profundas na sociedade brasileira. Sei que é querer demais, mas são os ideais que transformam o que deixamos em herança bendita. Lutemos por eles!
[i] Professor
do DRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Mariana Tavares, Cecília Fernandes
e Nertan Gonçalves.
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