quarta-feira, 26 de abril de 2023

A função pró-cíclica da guerra

Semana 17 a 23 de abril de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Apesar das promessas do presidente Lula, e como havíamos previsto, a situação econômica continua a agravar-se. A divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado como prévia do crescimento do PIB, mostrou uma queda de 0,04% em janeiro. O BC aponta como responsável o declínio do setor de serviços. Isto é consequência da queda da confiança, da desaceleração do mercado de trabalho, do endividamento, da demanda fraca e das taxas de juros elevadas. Em fevereiro a indústria teve uma queda de 0,2%, sendo a terceira queda sucessiva depois de recuar 0,1% em dezembro e 0,3% em janeiro. Rafael Cagnin do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) considera que a indústria vem patinando e que não há sinais de crescimento. Economistas e analistas consideram que há uma conjuntura adversa para a indústria com a política monetária apertada, o endividamento das famílias, o investimento fraco e o cenário internacional difícil. Confirma-se assim a continuação da entrada na fase de crise do ciclo.

A nível internacional os dados também apontam na direção da crise. Em entrevista concedida a Edward Luce do Financial Times, o ex-secretário do Tesouro dos EUA Hank Paulson mostrou sua preocupação com a crise financeira e com a política de restrições à China feita pelos EUA. Teme ele que o resultado desta política seja o crescente isolamento americano, o perigo da guerra e a recessão. “... acho provável que veremos uma recessão se você olhar para tudo que está acontecendo com o crédito”. E complementou sua afirmação: “Ela vai demorar um pouco para se manifestar”. Ele afirmou que a falência dos bancos Silvergate Bank, Silicon Valley Bank, Signature Bank e do Crédit Suisse “abalou a confiança” e que “jamais poderemos abolir as crises financeiras”. “Elas sempre acontecerão”.

O agravamento das condições de crédito, a desorganização do comércio mundial e das cadeias de valor e o aumento das tensões continuam a comprometer a reestruturação da globalização tão necessária ao avanço do capitalismo. O FMI preocupado com a situação, estima um crescimento de 3% para os próximos 5 anos, considerando o período mais fraco em 3 décadas e conclama os países para evitarem a “fragmentação econômica” que prejudicará a todos.

É com este quadro de fundo que ocorrem as visitas de Lula à China, Portugal e Espanha. As declarações sobre a guerra Rússia-Ucrânia, feitas na China eriçou os pelos das velhas hienas da OTAN. EUA e União Europeia berraram em uníssono ameaças ao Brasil condenando as declarações do presidente classificando-as como reprodução do discurso russo. A histeria belicista é de tal ordem que não podem tolerar qualquer posição independente. Ou entra na guerra com o bloco ou é aliado dos russos.

E o berreiro internacional encontra eco no Brasil. Não só entre os partidos da oposição, mas também na imprensa. É quando se manifesta a fragilidade da frente que forma o governo. Não se fala da política agressiva da Otan, organização que deveria ter desaparecido com o fim da URSS, pois era uma organização militar para conter o comunismo. Com o fim do comunismo ela perdeu a razão de existir. O que ocorreu foi o contrário. Não só não desapareceu como expandiu-se em direção às fronteiras da Rússia. Apesar de todos os avisos insistiu em integrar a Ucrânia depois de patrocinar um golpe de Estado que depôs o presidente e instalou um governo pró-ocidental. É evidente que a Rússia não iria tolerar. Estes antecedentes não são considerados quando se fala dos culpados pela guerra, resultado das provocações dos EUA e seus aliados da Otan.

Como consequências temos esta desorganização de toda a ordem mundial além das mortes e destruição. Usam como bucha de canhão o povo ucraniano lançado na fogueira por bandos de fascistas e mercenários que perambulam como lixo pelos países da Europa. É muito cômodo para os belicistas testar suas armas usando os outros e livrando-se do lixo mercenário que aumenta o quadro dos desempregados em seus países.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Valentine de Moura, Lucas Tiago de Santos e Miró Tosaka.

Share:

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Moeda comum: mero devaneio?

Semana de 10 a 16 de abril de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

O caro leitor certamente acompanha a enxurrada de críticas que o presidente Lula vem recebendo por seus posicionamentos sobre o cenário internacional. Desde a visita à China aos comentários sobre a guerra da Ucrânia, não faltam “especialistas” para criticar o que ele tem dito. Dentre todos os temas que chamaram a atenção na última semana, abordaremos a “proposta” do uso de uma moeda comum nas relações comerciais entre os BRICS (o que já foi aventado para a Argentina).

Hoje, a única moeda que é aceita pelos países em suas transações internacionais é o dólar. Por isso, todos precisam encontrar formas de obtê-lo para pagar aquilo que adquiriram de outros países, sejam bens, serviços ou mesmo pagar pelo uso do capital estrangeiro investido ali (remessa de lucro, juros, dividendos etc.). Sabemos que os EUA podem, em última instância, imprimir esse dinheiro (como fizeram no pós-2ª Guerra). O resto do mundo, não. Mas, mesmo para eles, a principal maneira de se obter dólares é através das exportações de bens e serviços. A segunda maneira é com os investimentos estrangeiros, que entram nos países em busca de ganhos de curto, médio e longo prazos. Outro meio para obter dólares surge quando as empresas multinacionais repatriam, para suas matrizes, os ganhos obtidos em suas filiais ao redor do mundo.

Os países centrais, aqueles que são grandes exportadores, que sediam grande quantidade de empresas multinacionais e que são muito atrativos para os investimentos estrangeiros, não enfrentam dificuldades em obter os dólares que precisam para suas transações internacionais. Já os países periféricos não têm essas três características ao mesmo tempo (principalmente a primeira e a segunda) e sofrem daquilo que chamamos de vulnerabilidade externa estrutural: sua estrutura econômica interna é tão débil que eles dependem do capital estrangeiro para funcionar, mas não têm fontes seguras de dólares para manterem-se nos trilhos.

É justamente neste ponto que entra a proposta de utilizar outra moeda na realização das transações comerciais entre países atrasados, como é o caso de quase todos dos BRICS (no caso da China, sua participação numa moeda comum está mais para uma disputa de hegemonia com os EUA do que uma necessidade). Isto facilitaria muito o comércio entre os países periféricos, já que eles têm dificuldade de obter dólares. Por meio de uma moeda emitida através de acordos bi ou multilaterais, dos quais seriam parte ativa, um país periférico não precisaria mais de dólares para suas transações com os demais países do acordo.

A questão é que um país periférico, a exemplo do Brasil, não se relaciona apenas com Rússia, Índia, China e África do Sul. Por exemplo, compramos muitos produtos do Mercosul, dos EUA e da Europa. Para essas transações precisaríamos de dólares, pois a moeda comum só serviria entre os BRICS. Por exemplo, nosso saldo comercial com a China em 2021 foi de quase US$ 35 bilhões. Se fosse na moeda comum, o Brasil não teria esse valor imediatamente. Teria que utilizar a “autoridade monetária” que resguardaria a moeda comum e, através dela, converter o saldo para o dólar. Essa instituição provavelmente seria o Banco dos BRICS.

E é aí que está o problema. Para execução desta ideia, seria necessário um desenho monetário e financeiro robusto e com papel ativo (até mesmo generoso) das economias mais fortes dos BRICS. Assim, surge a questão: esse desenho iria reproduzir as características dos atuais sistemas monetário e financeiro internacionais, principalmente sua lógica de ganhos especulativos, de curto prazo e de cooptação do orçamento estatal? Esse padrão de ordem neoliberal já se mostrou perverso para o Brasil. Porém, será que um novo arranjo seria proposto, que pudesse mesclar elementos do controle chinês do setor financeiro com as necessidades de financiamento dos demais países, objetivando reduzir a vulnerabilidade externa dos parceiros? Mesmo neste cenário, certamente ainda teríamos uma potência hegemônica liderando o processo. Resta saber se vale a pena brigar por uma nova e melhor realidade (mero devaneio) ou se devemos ficar no mais do mesmo.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Helen Tomaz, Thomaz Cisneros, Letícia Rocha e Raquel Lima.

Share:

sexta-feira, 14 de abril de 2023

As limitações teóricas da equipe econômica

Semana 03 a 09 de abril de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Os desafios que se apresentam ao governo Lula e que deverão ser enfrentados são incalculáveis. Até o próprio Estado tem de ser reconstruído e restaurados os aparelhos que permitem manter a economia e os serviços em funcionamento. Podem servir como exemplo as decisões de recriar o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Mais Médicos, atos criticados pela oposição como “mais do mesmo”.

Como temos visto em Análises anteriores parte-se do zero, ou melhor, de uma cota negativa. E tudo tem de ser feito enfrentando a sabotagem e a hostilidade dos que foram derrotados, mas não se conformam com o resultado das urnas. Lamentavelmente o congresso eleito é dos piores que já tivemos. Basta citar parlamentares como Moro, Mourão, Damares, Dallagnol e dezenas de ex-auxiliares do governo anterior e dos partidos que o apoiaram, além de muitos militares. Isto para não falar no orçamento inexequível e no rombo das contas públicas.

A oposição, mesmo acéfala, faz a única coisa que sabe fazer: criar confusão, destruir e sabotar o funcionamento das atividades dificultando de todas as maneiras a execução das ações do governo, mesmo sem ter qualquer proposta alternativa. Apenas destruir e tentar imobilizar a administração.

Mas isto não é o pior. Já devia ter sido previsto. O pior, e que não foi previsto, é a situação econômica. Lula e seus economistas continuam a raciocinar como se estivéssemos nos anos do primeiro governo. Infelizmente, não estão levando em consideração a teoria marxiana dos ciclos econômicos e por isto não conseguem ver o tsunami que está se armando na economia internacional e internamente. Temos alertado para isto em Análises anteriores. A economia mundial está entrando na fase de crise do ciclo econômico. A pandemia do Covid e a guerra da Ucrânia deformaram a trajetória do ciclo e criaram novas perturbações, mas a lei do ciclo voltou a determinar a evolução econômica e o movimento foi restaurado, começando com a sua fase de crise.

Causa preocupação quando o presidente faz declarações otimistas sobre o crescimento da economia que virá. Mostra ignorância das leis que regem os fenômenos econômicos e qual a influência que a política econômica pode ter sobre elas. Com certeza as medidas que estão sendo adotadas terão um papel anticíclico e poderão amenizar os efeitos da fase de crise. Melhor seria se o Bob Fields Neto, do BC, tivesse um comportamento mais inteligente e deixasse de bancar o traidor da pátria revelando aos especuladores, no exterior, a política de manutenção de juros altos, que o BC vai adotar nos próximos tempos, como ele fez nesta semana. Todos os economistas sabem que juros altos prejudicam a recuperação ao criar dificuldades às vendas, ao consumo e aos investimentos. Já falamos muito sobre isto em análises anteriores e citamos algumas autoridades como Jeffrey Sachs, Stiglitz, Lara Resende etc. A ação do BC, neste momento é pro-cíclica e vai contra as intenções do governo. Aliás, nas próprias atas das reuniões o BC revela que sua intenção é derrubar a economia para combater a inflação (eles continuam a pensar que a inflação é causada pelo excesso de procura). O governo tem uma difícil situação a enfrentar e não está preparado para isto. Será surpreendido.

Os dados da semana já apontam para a recessão. O IBGE divulgou estatísticas mostrando que o emprego industrial caiu 2,7% entre dezembro e fevereiro e a ocupação total 1,5% como consequência da desaceleração da economia. Rafael Cagnin, economista do Iedi prevê que “2023 será mais um ano de baixo crescimento... “. Levantamento feito pelo jornal Valor Econômico mostra que, a queda dos investimentos fará o varejo voltar ao “voo de galinha”.

A nível internacional o mundo continua a mergulhar na crise. A situação é agravada pela guerra comercial entre EUA e China, pelos reflexos da pandemia de covid-19, pela guerra da Ucrânia, a inflação e os juros elevados. Muitos analistas preveem que o ambiente externo ainda vai piorar. Com a sede de sangue dos generais da OTAN não se espera nenhuma ação para uma solução pacífica do conflito Rússia Ucrânia.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Maria Cecília Neres e Gustavo Figueiredo.

Share:

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Novo “arcabouço fiscal”: piso, forro e laje

Semana de 27 de março a 02 de abril de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como o caro leitor deve ter percebido, o tema mais falado no momento é a proposta de novo regime de gastos do governo federal, elaborada sob o comando do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A proposta tem sido chamada de novo arcabouço fiscal e nada mais é do que a proposição de regras para limitar o total dos gastos do governo. Com isso, o Banco Central e os credores (os famosos rentistas) teriam seu tão desejado superávit primário.

Atualmente, o que vigora no Brasil é o chamado Teto de Gastos, proposto por Michel Temer. Este regime fiscal se mostrou um desastre, que foi piorado sob a gestão de Bolsonaro e Paulo Guedes. De acordo com a regra do Teto, as despesas do governo não podem crescer acima da inflação. Porém, elas poderiam cair. Com isso, aconteceu um verdadeiro salve-se quem puder.

Imaginemos um bolo (o total das despesas). O tamanho dele é o mesmo ao longo dos anos (a despesa, descontada a inflação, não pode aumentar). Porém, aumenta a quantidade de pessoas que vão comer o bolo (a população cresce e demanda novos serviços do Estado, como saúde, educação, infraestrutura etc.). Como o tamanho do bolo é sempre o mesmo, mas a quantidade de pessoas na festa cresceu, temos três possibilidades: 1) todos recebem uma fatia menor do bolo, na mesma proporção; 2) alguns perdem mais para que outros percam menos; ou 3) alguns recebem fatias ainda menores para que outros tenham sua fatia aumentada. Como a decisão de como se gasta o orçamento público é uma decisão econômica travestida de decisão política (ou seja, está sujeita a disputas de interesses de classes e frações de classes por mais recursos), prevalece quem tem maior poder. Este foi o motivo para várias despesas importantes apresentarem drástica redução, tais como educação, habitação, investimentos, saúde etc.

Um dos pontos positivos da nova proposta é que as despesas não podem ser reduzidas de um ano para o outro. Pelo contrário. Mesmo que a economia desacelere e a arrecadação caia, as despesas totais poderiam crescer 0,6% acima da inflação. E isto é o que está causando a maior choradeira dentre os críticos da proposta. Para eles, isto é um absurdo. Em meio a uma crise que gere desemprego, queda na produção e redução na renda, não é possível que o Estado aumente seus gastos. Absurdo, mesmo que sejam míseros 0,6%. Para se ter uma ideia, a taxa média de crescimento da população brasileira entre 2010 e 2019 (antes da pandemia) foi de 0,85%.

Por outro lado, a nova proposta não impõe um simples teto aos gastos, mas um forro móvel de gesso e uma laje rígida de cimento. O pior é que esses tetos podem inverter a lógica primária da construção civil: o gesso pode ser colocado por cima da laje...

O forro de gesso funciona da seguinte maneira: as despesas em um ano só podem subir o equivalente a 70% do crescimento das receitas do ano anterior. Em números: se a arrecadação subir 5% em um ano, o governo só poderia subir suas despesas em 3,5% (que equivale a 70% de 5%). O restante do caixa (1,5%) seria utilizado como reserva ou para abater dívida. Isto já considerando que o governo fez um bom superávit primário...

Porém, como eu disse anteriormente, a nova proposta tem dois tetos. E o teto mais rígido é o seguinte: independente de quanto cresça a economia e a arrecadação, o limite para o aumento das despesas é de 2,5% acima da inflação. Isso mesmo, no melhor dos mundos, o governo federal só poderá subir em 2,5% suas despesas. Isto significa que, no exemplo anterior de crescimento de 5% na arrecadação em um ano, o crescimento máximo das despesas no ano seguinte seria de 2,5%. Esta é a laje intransponível que vigora como teto dos gastos.

Naturalmente, esse novo teto duplo é incomparavelmente melhor do que o anterior. Porém, fica claro que o orçamento público continua cooptado pelos interesses dos rentistas: mesmo cumprindo um bom superávit primário, o governo tem um limite para gastar o que arrecadou. Resta saber se essa sobra será bem utilizada, quando a economia entrar em crise, ou se mais esse dinheiro irá para os credores. Estamos de olho.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Maria Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

Share:

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog