Semana de 27 de março a 02 de abril de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Como o
caro leitor deve ter percebido, o tema mais falado no momento é a proposta de
novo regime de gastos do governo federal, elaborada sob o comando do ministro
da Fazenda, Fernando Haddad. A proposta tem sido chamada de novo arcabouço
fiscal e nada mais é do que a proposição de regras para limitar o total dos
gastos do governo. Com isso, o Banco Central e os credores (os famosos
rentistas) teriam seu tão desejado superávit primário.
Atualmente,
o que vigora no Brasil é o chamado Teto de Gastos, proposto por Michel Temer.
Este regime fiscal se mostrou um desastre, que foi piorado sob a gestão de
Bolsonaro e Paulo Guedes. De acordo com a regra do Teto, as despesas do governo
não podem crescer acima da inflação. Porém, elas poderiam cair. Com isso,
aconteceu um verdadeiro salve-se quem puder.
Imaginemos
um bolo (o total das despesas). O tamanho dele é o mesmo ao longo dos anos (a
despesa, descontada a inflação, não pode aumentar). Porém, aumenta a quantidade
de pessoas que vão comer o bolo (a população cresce e demanda novos serviços do
Estado, como saúde, educação, infraestrutura etc.). Como o tamanho do bolo é
sempre o mesmo, mas a quantidade de pessoas na festa cresceu, temos três
possibilidades: 1) todos recebem uma fatia menor do bolo, na mesma proporção;
2) alguns perdem mais para que outros percam menos; ou 3) alguns recebem fatias
ainda menores para que outros tenham sua fatia aumentada. Como a decisão de
como se gasta o orçamento público é uma decisão econômica travestida de decisão
política (ou seja, está sujeita a disputas de interesses de classes e frações
de classes por mais recursos), prevalece quem tem maior poder. Este foi o
motivo para várias despesas importantes apresentarem drástica redução, tais
como educação, habitação, investimentos, saúde etc.
Um dos
pontos positivos da nova proposta é que as despesas não podem ser reduzidas de
um ano para o outro. Pelo contrário. Mesmo que a economia desacelere e a
arrecadação caia, as despesas totais poderiam crescer 0,6% acima da inflação. E
isto é o que está causando a maior choradeira dentre os críticos da proposta.
Para eles, isto é um absurdo. Em meio a uma crise que gere desemprego, queda na
produção e redução na renda, não é possível que o Estado aumente seus gastos.
Absurdo, mesmo que sejam míseros 0,6%. Para se ter uma ideia, a taxa média de
crescimento da população brasileira entre 2010 e 2019 (antes da pandemia) foi
de 0,85%.
Por
outro lado, a nova proposta não impõe um simples teto aos gastos, mas um forro
móvel de gesso e uma laje rígida de cimento. O pior é que esses tetos podem
inverter a lógica primária da construção civil: o gesso pode ser colocado por
cima da laje...
O
forro de gesso funciona da seguinte maneira: as despesas em um ano só podem
subir o equivalente a 70% do crescimento das receitas do ano anterior. Em
números: se a arrecadação subir 5% em um ano, o governo só poderia subir suas
despesas em 3,5% (que equivale a 70% de 5%). O restante do caixa (1,5%) seria
utilizado como reserva ou para abater dívida. Isto já considerando que o governo
fez um bom superávit primário...
Porém,
como eu disse anteriormente, a nova proposta tem dois tetos. E o teto mais
rígido é o seguinte: independente de quanto cresça a economia e a arrecadação,
o limite para o aumento das despesas é de 2,5% acima da inflação. Isso mesmo,
no melhor dos mundos, o governo federal só poderá subir em 2,5% suas despesas.
Isto significa que, no exemplo anterior de crescimento de 5% na arrecadação em
um ano, o crescimento máximo das despesas no ano seguinte seria de 2,5%. Esta é
a laje intransponível que vigora como teto dos gastos.
Naturalmente, esse novo teto duplo é incomparavelmente melhor do que o anterior. Porém, fica claro que o orçamento público continua cooptado pelos interesses dos rentistas: mesmo cumprindo um bom superávit primário, o governo tem um limite para gastar o que arrecadou. Resta saber se essa sobra será bem utilizada, quando a economia entrar em crise, ou se mais esse dinheiro irá para os credores. Estamos de olho.
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Maria Cecília Fernandes e
Nertan Gonçalves.
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