quarta-feira, 5 de abril de 2023

Novo “arcabouço fiscal”: piso, forro e laje

Semana de 27 de março a 02 de abril de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como o caro leitor deve ter percebido, o tema mais falado no momento é a proposta de novo regime de gastos do governo federal, elaborada sob o comando do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A proposta tem sido chamada de novo arcabouço fiscal e nada mais é do que a proposição de regras para limitar o total dos gastos do governo. Com isso, o Banco Central e os credores (os famosos rentistas) teriam seu tão desejado superávit primário.

Atualmente, o que vigora no Brasil é o chamado Teto de Gastos, proposto por Michel Temer. Este regime fiscal se mostrou um desastre, que foi piorado sob a gestão de Bolsonaro e Paulo Guedes. De acordo com a regra do Teto, as despesas do governo não podem crescer acima da inflação. Porém, elas poderiam cair. Com isso, aconteceu um verdadeiro salve-se quem puder.

Imaginemos um bolo (o total das despesas). O tamanho dele é o mesmo ao longo dos anos (a despesa, descontada a inflação, não pode aumentar). Porém, aumenta a quantidade de pessoas que vão comer o bolo (a população cresce e demanda novos serviços do Estado, como saúde, educação, infraestrutura etc.). Como o tamanho do bolo é sempre o mesmo, mas a quantidade de pessoas na festa cresceu, temos três possibilidades: 1) todos recebem uma fatia menor do bolo, na mesma proporção; 2) alguns perdem mais para que outros percam menos; ou 3) alguns recebem fatias ainda menores para que outros tenham sua fatia aumentada. Como a decisão de como se gasta o orçamento público é uma decisão econômica travestida de decisão política (ou seja, está sujeita a disputas de interesses de classes e frações de classes por mais recursos), prevalece quem tem maior poder. Este foi o motivo para várias despesas importantes apresentarem drástica redução, tais como educação, habitação, investimentos, saúde etc.

Um dos pontos positivos da nova proposta é que as despesas não podem ser reduzidas de um ano para o outro. Pelo contrário. Mesmo que a economia desacelere e a arrecadação caia, as despesas totais poderiam crescer 0,6% acima da inflação. E isto é o que está causando a maior choradeira dentre os críticos da proposta. Para eles, isto é um absurdo. Em meio a uma crise que gere desemprego, queda na produção e redução na renda, não é possível que o Estado aumente seus gastos. Absurdo, mesmo que sejam míseros 0,6%. Para se ter uma ideia, a taxa média de crescimento da população brasileira entre 2010 e 2019 (antes da pandemia) foi de 0,85%.

Por outro lado, a nova proposta não impõe um simples teto aos gastos, mas um forro móvel de gesso e uma laje rígida de cimento. O pior é que esses tetos podem inverter a lógica primária da construção civil: o gesso pode ser colocado por cima da laje...

O forro de gesso funciona da seguinte maneira: as despesas em um ano só podem subir o equivalente a 70% do crescimento das receitas do ano anterior. Em números: se a arrecadação subir 5% em um ano, o governo só poderia subir suas despesas em 3,5% (que equivale a 70% de 5%). O restante do caixa (1,5%) seria utilizado como reserva ou para abater dívida. Isto já considerando que o governo fez um bom superávit primário...

Porém, como eu disse anteriormente, a nova proposta tem dois tetos. E o teto mais rígido é o seguinte: independente de quanto cresça a economia e a arrecadação, o limite para o aumento das despesas é de 2,5% acima da inflação. Isso mesmo, no melhor dos mundos, o governo federal só poderá subir em 2,5% suas despesas. Isto significa que, no exemplo anterior de crescimento de 5% na arrecadação em um ano, o crescimento máximo das despesas no ano seguinte seria de 2,5%. Esta é a laje intransponível que vigora como teto dos gastos.

Naturalmente, esse novo teto duplo é incomparavelmente melhor do que o anterior. Porém, fica claro que o orçamento público continua cooptado pelos interesses dos rentistas: mesmo cumprindo um bom superávit primário, o governo tem um limite para gastar o que arrecadou. Resta saber se essa sobra será bem utilizada, quando a economia entrar em crise, ou se mais esse dinheiro irá para os credores. Estamos de olho.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Maria Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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