quarta-feira, 29 de março de 2023

Carcará ... pega mata e come

Semana 20 a 26 de março de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Este foi o simbolismo criado pelo jornalista Reinaldo Azevedo para o Banco Central (BC) do Brasil: o carcará. Lembramos os anos 60 e a música do João do Vale com este nome, que se tornou conhecida por fazer parte do roteiro do “Show Opinião”, espetáculo teatral de grande sucesso em 1965. O carcará, gavião muito comum no Nordeste, era apresentado como símbolo de combatividade e que, para não morrer de fome, “os borrego que nasce na baixada”, “carcará pega, mata e come”.  Com efeito, o BC, assumindo o papel do carcará, ao continuar inflexível em sua marcha contra os interesses do país, mantendo os juros de referência Selic em 13,75%, ameaça matar a própria economia. (Selic é a taxa que o país paga pelos seus títulos lançados no mercado). Na sua última reunião, como já se esperava, o BC manteve a Selic nos 13,75% em que estava. Esta é a maior taxa do mundo, em torno de 8% em termos reais.

Ora, já vimos em análises anteriores o que significam, para as atividades econômicas, taxas de jutos elevadas, ao dificultar os investimentos, o financiamento da atividade produtiva e do consumo. Isto no momento em que o país atravessa um período de dificuldades e tenta articular uma retomada no seu crescimento depois do tsunami da política econômica do desgoverno anterior. Para não falar nas dificuldades de reestruturar o próprio Estado quase destruído pela incompetência e fanatismo de uma horda de fanáticos que infelizmente ainda ronda por aí a ranger os dentes.

A intransigência do BC em manter a Selic no atual nível, tem provocado muita polêmica entre os economistas e com a equipe econômica do governo. E o número de vozes condenando a decisão vem aumentando. A mais recente condenação veio dos participantes de um seminário no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), promovido em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O Professor Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia nos EUA, condenou as taxas de juros elevadas afirmando: “O Brasil é punido por taxas de juros altíssimas, por políticas de juros altos do Banco Central, que acho muito difíceis de explicar.” “A situação fiscal do Brasil é totalmente distorcida através de juros extraordinariamente altos.” Acrescentou ainda que “Não é o momento para austeridade fiscal, mas de aumento dos investimentos públicos, ...”. O prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz também afirmou: “A taxa de juros de vocês é realmente chocante. Os números de 13,75% (taxa Selic nominal) e 8% (juros reais) são o que vai matar qualquer economia”. O economista André Lara Resende, também participante do seminário, destacou que a combinação de juros e impostos altos é “profundamente recessiva e impede o crescimento da economia”. O presidente da Fiesp, Josué Gomes considerou que a taxa vigente é “pornográfica”. O tom de condenação foi o mesmo de vários outros economistas presentes.

Diante de tão ilustres condenações as críticas feitas pelo presidente Lula tornam-se apenas politicamente simbólicas. Só há uma coisa a reparar nas observações por ele feitas. Não são os livros de economia que estão superados. É a própria teoria econômica que é professada oficialmente e que é ensinada nas escolas de economia que não é científica e sim uma crença ideológica. Os diretores do BC, bem como todos os economistas ortodoxos, são os fanáticos propagadores destas teorias. Quando têm poderes para aplicá-las, ao assumir funções de Estado, as consequências são as que estamos observando.

Em relação à diretoria do BC a coisa é ainda pior. A “independência” do BC que foi aprovada no congresso é uma manobra suja para entregar a direção do banco ao setor financeiro. Puseram a raposa para tomar conta do galinheiro. Um grupo de cientistas da UFPR publicou um estudo “Os mandarins da economia” demonstrando que existe uma “porta giratória” entre o BC e o mercado financeiro. A maioria esmagadora dos diretores do BC são recrutados no setor financeiro e quando saem da diretoria voltam para suas empresas novamente. A “independência” é a dependência do capital financeiro.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Marília Cecília Fernandes e Nertan Gonçalves.

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