Semana de 31 de julho a 06 de agosto de 2023
Lucas Milanez de Lima Almeida [i]
Em meio ao noticiário da semana passada, um assunto importante não teve a devida repercussão: a indústria brasileira apresentou um decrescimento de 0,3% no primeiro semestre de 2023, comparando-se com o primeiro semestre de 2022. No acumulado dos últimos 12 meses, a indústria teve um crescimento pífio de 0,1%. Numa leitura mais superficial, poderíamos achar que isto é apenas uma questão de momento. Porém, o buraco é bem mais embaixo.
Ao longo do século passado, a economia brasileira passou por um intenso processo de transformação estrutural, onde a manufatura se transformou no carro-chefe do desenvolvimento brasileiro. Em termos mais simples, o Brasil passou por um grande processo de industrialização. Isto pode ser visto através da criação de importantes polos industriais, que reuniam inúmeras fábricas e empregavam dezenas de milhares de operários.
Porém, dado o atraso relativo no desenvolvimento brasileiro à época, quem liderou grande parte desse processo foram as empresas multinacionais. Junto a elas, o Estado também foi um grande protagonista, mas atuou de forma complementar às necessidades que iam surgindo aos poucos. Por exemplo, abriu rodovias, criou linhas de transmissão de energia e fundou novas estatais. Por sua vez, o empresariado brasileiro atuou como coadjuvante (quase figurante).
A partir desse contexto, nossa industrialização teve pouca conexão com grande parte da nossa sociedade e seus anseios. As fábricas eram abertas para satisfazer as necessidades dos mais ricos, aqueles que realmente podiam pagar. Já os manufaturados eram mera reprodução (às vezes pioradas) daquilo que se fazia nos países avançados. A tecnologia já vinha pronta, as máquinas eram instaladas e os trabalhadores treinados para operá-las. Quase nada de pesquisa, desenvolvimento e inovação eram realizados no Brasil.
A partir dos anos 1980, quando a indústria mundial passou a se basear em um novo paradigma tecnológico e organizacional, o nosso atraso no desenvolvimento cobrou seu preço. As forças produtivas passaram a operar com base nas tecnologias da informação e comunicação. Por sua vez, a produção passou a ocorrer de forma fragmentada e descentralizada, baseada nas cadeias globais de valor. O Brasil não tinha empresas liderando essas inovações. Quando chegaram por aqui, a partir da reestruturação produtiva iniciada nos anos 1990, elas novamente vieram de fora, seguindo a mesma lógica de antes: reprodução do padrão imposto pelas empresas multinacionais.
Contudo, uma das diferenças fundamentais é que esses novos paradigmas trouxeram um resultado oposto ao que foi visto no auge da nossa industrialização. Tais mudanças resultaram nos processos de desindustrialização e de reprimarização da nossa economia. Por um lado, a indústria perdeu espaço em seu papel de dinamizador da economia interna, sobretudo na geração de emprego e renda. Por outro, os setores exportadores de produtos primários (agrícolas, pecuários e extrativos) ganharam mais importância, pois são os únicos setores que (desde sempre) têm capacidade de competir internacionalmente.
Na última década isto piorou. Por exemplo, na indústria de bens de consumo não duráveis, o maior índice de produção registrado nos últimos 20 anos foi em junho de 2013 (hoje a produção está 14,8% abaixo desse máximo); para os bens de consumo duráveis, o máximo ocorreu em março de 2011 (hoje, 38,4% abaixo); para os bens intermediários, o maior índice registrado foi em maio de 2011 (hoje, 15,5% abaixo); e para os bens de capital, o índice máximo foi em abril de 2013 (hoje, 33,2% abaixo).
O PIB brasileiro foi muito bem no primeiro trimestre de 2023, mas a atividade desacelerou no segundo. Se tivéssemos uma indústria mais pujante, certamente esse crescimento seria mais robusto, pois a indústria sempre pagou melhores salários e ela tem um grande poder de estimular todos os setores da economia. Por isso, é uma necessidade ao Brasil adotar novamente um conjunto articulado de políticas públicas que busquem o desenvolvimento industrial, sobretudo se isto for na direção dos novos paradigmas tecnológicos. Esperamos que a “neoindustrialização” desenhe esse caminho.
[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha e Raquel Lima.
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