quarta-feira, 30 de agosto de 2023

A decadência do império

Semana 21 a 27 de agosto de 2023

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Temos analisado os movimentos da economia brasileira sempre à luz da teoria dos ciclos econômicos. Temos falado nas dificuldades que atualmente existem para tal análise, em virtude da ação de fatores não econômicos que têm alterado a ação das leis que regem a economia, como a guerra na Ucrânia e a pandemia do covid-19. Antes de começar a ação do vírus, o ciclo econômico estava entrando em sua fase de crise. A pandemia acelerou este movimento e levou a economia em direção ao fundo do poço. Seguiram-se, então, os fenômenos conhecidos de desorganização do comércio mundial, das cadeias de valor, dos transportes marítimos e terrestres com sérias consequências para a produção e fornecimento de matérias primas, componentes etc.

Mal começava o controle da pandemia e estoura a guerra na Ucrânia provocando a necessidade de nova reestruturação das redes mundiais e uma reorientação do processo de globalização. Atualmente, embora se tenha conseguido um certo controle da pandemia, a guerra continua provocando um grande esgotamento das forças em choque, exceto dos setores produtores de armamento, ou seja, do complexo industrial militar, que está nadando em ouro. Somente o desespero e a demência dos setores mais reacionários e belicistas da burguesia americana e europeia podem justificar tamanha insanidade que é contra os interesses do capitalismo em sua totalidade.

Toda a pregação pseudo liberal de livre empresa, de Estado mínimo e de desregulamentação do mercado foi por terra, diante das intervenções de todos os Estados e mesmo de organizações internacionais como a OTAN, organização militar sob o controle dos EUA. Os americanos ditam as ordens e, através da OTAN e da União Europeia (UE), impõem sua vontade às nações mais desenvolvidas, com a intenção de bloquear a Rússia e exaurir sua economia. Por conta disso, eles têm violado todos os princípios das relações entre capitalistas com os bloqueios comerciais e financeiros às empresas russas e aos recursos do país depositados nos bancos internacionais.

O resultado tem sido desastroso. Os russos reagiram pagando na mesma moeda. Abriram suas relações para o resto do mundo, aproximando-se da China, Índia, Oriente Médio, África etc. encontrando aí consumidores para seus produtos. As relações sul-sul se intensificaram e a suspeita contra os bancos americanos, europeus e internacionais aumentaram. O movimento de fuga ao dólar americano, como moeda de referência, que, desde o início dos anos 2000, já se vinha intensificando, fortaleceu-se.

As restrições impostas pelos EUA prejudicam os interesses das próprias empresas do país e, particularmente, das empresas europeias, obrigadas a pagar mais caro pelos combustíveis e energia. A proibição da venda de chips para a China, por exemplo, provocou, em julho, o protesto da Associação da Indústria de Semicondutores, com sede nos EUA, afirmando que estas medidas “...correm o risco de diminuir a competitividade da indústria de semicondutores dos Estados Unidos, ... causando incerteza significativa no mercado e provocando retaliação crescente e contínua por parte da China, ...”. A estupidez das tais medidas torna-se evidente, pois quase um terço da venda de semicondutores no mundo saiu da China. Diante dos protestos, os americanos suspenderam a proibição para Taiwan e Coreia do Sul.

Outra consequência das ações ocidentais ocorreu na recente reunião dos BRICS, realizada na África do Sul. Além do seu fortalecimento o grupo foi ampliado com a admissão de mais seis novos membros: Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia. E existe uma fila de quase 40 outros desejosos de entrar no grupo. Outra prova evidente da ampliação das relações sul-sul é o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (banco dos BRICS), que se apresenta como alternativa ao FMI e Banco Mundial. Além disso, a perda da confiança no dólar tem levado à busca de alternativas para a criação de outra moeda de referência para as relações comerciais internacionais. A decadência do império continua.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Helen Tomaz, Letícia Rocha, Raquel Lima e Valentine Moura.

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