sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Milei e o dólar: um drama argentino

Semana de 09 a 15 de outubro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

A proximidade das eleições presidenciais da Argentina torna necessário entender uma das estratégias adotadas pelo candidato da extrema direita, Javier Milei, para atingir seu principal concorrente e atual Ministro da Economia, Sergio Massa. O objetivo de Milei é desmoralizar a moeda nacional e forçar o início do processo de substituição do peso pela moeda americana, nas principais transações dentro do país, impondo aquilo que chamamos de dolarização da economia. Nesse meio tempo, a desvalorização do peso vai contribuindo para o estouro da inflação, pois os produtos importados vão ficando mais caros. Isto, mais uma vez, desmoraliza ainda mais o peso argentino e o atual ministro.

Mas, qual a origem dessa vulnerabilidade da economia argentina?

Para responder essa questão, precisamos saber que a economia dos vizinhos, tal como a nossa, é uma economia capitalista dependente. Isto significa que precisamos recorrer ao uso de capital estrangeiro para pôr em funcionamento nossas economias. Esse capital se materializa de diversas formas: máquinas e equipamentos, matérias-primas, tecnologias patenteadas, bens de consumo, etc.

O problema é que tudo isso custa dinheiro. E não é qualquer dinheiro: não dá para, simplesmente, os argentinos usarem o peso para pagar suas contas externas. As transações internacionais são realizadas em uma moeda que deve ser forte o suficiente para cumprir as funções do dinheiro em escala mundial. Isso é o que chamamos de padrão monetário internacional, papel que já foi cumprido pela libra esterlina e hoje é do dólar americano.

Portanto, para a Argentina obter o capital estrangeiro que precisa para fazer sua economia funcionar, ela precisa ter dólares em seu caixa. Esse dinheiro pode ser obtido de diversas formas, as quais têm papéis diferentes na dinamização da economia como um todo. Basicamente, os fluxos são categorizados em diferentes “balanças”, que registram as formas de entrada e saída de dólares.

O primeiro canal de entrada de dólares é através da venda de bens e serviços para outros países, as famosas exportações. O problema é que, em 2023, as importações (compras externas) da Argentina estão maiores que as exportações (vendas externas), fato que não ocorria desde 2018. Ou seja, o saldo negativo da balança comercial, de US$ 6,3 bilhões, é uma das fontes de escassez de dólares por lá.

Outra forma de obter dólares é através da renda obtida por empresas nacionais atuantes no exterior. O problema é que as economias dependentes não sediam muitas empresas de atuação internacional. Pelo contrário, são países que recebem investimentos de empresas vindas de fora. Por isso, como característica típica de países atrasados, o saldo da balança de rendas é sempre negativo, pois há maior volume de renda saindo para remunerar o capital estrangeiro em suas matrizes, que renda entrando no país. Isto é fato na Argentina desde sempre, mas o saldo negativo do primeiro semestre de 2023, de US$ 6,7 bilhões, é pior do que o observado no mesmo período de 2022.

Diante desse cenário, o que resta ao país? Obter dólares pelo canal mais perverso que existe: através do endividamento externo. Assim, governos ou empresas que necessitem realizar transações com o resto do mundo pegam empréstimos com instituições financeiras internacionais e realizam suas compras ou pagamentos. O problema é que, para receber esse dinheiro, o tomador do empréstimo precisa ter alguma credibilidade e dar garantias de que vai pagar a conta, o que não é o forte na história recente argentina e tem piorado com as eleições de 2023. O resultado é que essa balança (conta) financeira também está negativa, e não é pouco: em 2023 a “fuga” de capitais da Argentina, de US$ 14,7 bilhões, já é quase o dobro da observada em todo o ano de 2022.

É justamente aqui que as palavras de Milei reverberam: o caos que ele prega aprofunda a desconfiança estrangeira em relação ao país, o que reduz a entrada de dólares, dificulta a quitação dos débitos internacionais e piora a economia nacional. A situação é tão ruim que as palavras de um tresloucado têm esse efeito, forçando os argentinos a buscarem uma moeda sobre a qual o país não tem qualquer poder de gestão.

O Milei parece trazer uma versão da nossa velha e conhecida política do quanto pior melhor. E sem querer ser catastrófico, mas já sendo, vai ser difícil para Massa lidar com essa realidade já ruim, mas piorada pelo discurso caótico. Como ministro da Economia, ele também tem sua parcela de culpa.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Valentine de Moura, Helen Tomaz, Gustavo Figueiredo e Raquel Lima.

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