Semana de 09 a 15 de outubro de 2023
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
A
proximidade das eleições presidenciais da Argentina torna necessário entender
uma das estratégias adotadas pelo candidato da extrema direita, Javier Milei,
para atingir seu principal concorrente e atual Ministro da Economia, Sergio
Massa. O objetivo de Milei é desmoralizar a moeda nacional e forçar o início do
processo de substituição do peso pela moeda americana, nas principais
transações dentro do país, impondo aquilo que chamamos de dolarização da
economia. Nesse meio tempo, a desvalorização do peso vai contribuindo para o
estouro da inflação, pois os produtos importados vão ficando mais caros. Isto,
mais uma vez, desmoraliza ainda mais o peso argentino e o atual ministro.
Mas,
qual a origem dessa vulnerabilidade da economia argentina?
Para
responder essa questão, precisamos saber que a economia dos vizinhos, tal como
a nossa, é uma economia capitalista dependente. Isto significa que precisamos
recorrer ao uso de capital estrangeiro para pôr em funcionamento nossas
economias. Esse capital se materializa de diversas formas: máquinas e
equipamentos, matérias-primas, tecnologias patenteadas, bens de consumo, etc.
O
problema é que tudo isso custa dinheiro. E não é qualquer dinheiro: não dá
para, simplesmente, os argentinos usarem o peso para pagar suas contas
externas. As transações internacionais são realizadas em uma moeda que deve ser
forte o suficiente para cumprir as funções do dinheiro em escala mundial. Isso
é o que chamamos de padrão monetário internacional, papel que já foi cumprido
pela libra esterlina e hoje é do dólar americano.
Portanto,
para a Argentina obter o capital estrangeiro que precisa para fazer sua
economia funcionar, ela precisa ter dólares em seu caixa. Esse dinheiro pode
ser obtido de diversas formas, as quais têm papéis diferentes na dinamização da
economia como um todo. Basicamente, os fluxos são categorizados em diferentes
“balanças”, que registram as formas de entrada e saída de dólares.
O
primeiro canal de entrada de dólares é através da venda de bens e serviços para
outros países, as famosas exportações. O problema é que, em 2023, as
importações (compras externas) da Argentina estão maiores que as exportações
(vendas externas), fato que não ocorria desde 2018. Ou seja, o saldo negativo
da balança comercial, de US$ 6,3 bilhões, é uma das fontes de escassez de
dólares por lá.
Outra
forma de obter dólares é através da renda obtida por empresas nacionais
atuantes no exterior. O problema é que as economias dependentes não sediam
muitas empresas de atuação internacional. Pelo contrário, são países que
recebem investimentos de empresas vindas de fora. Por isso, como característica
típica de países atrasados, o saldo da balança de rendas é sempre negativo,
pois há maior volume de renda saindo para remunerar o capital estrangeiro em
suas matrizes, que renda entrando no país. Isto é fato na Argentina desde
sempre, mas o saldo negativo do primeiro semestre de 2023, de US$ 6,7 bilhões,
é pior do que o observado no mesmo período de 2022.
Diante
desse cenário, o que resta ao país? Obter dólares pelo canal mais perverso que
existe: através do endividamento externo. Assim, governos ou empresas que
necessitem realizar transações com o resto do mundo pegam empréstimos com
instituições financeiras internacionais e realizam suas compras ou pagamentos.
O problema é que, para receber esse dinheiro, o tomador do empréstimo precisa
ter alguma credibilidade e dar garantias de que vai pagar a conta, o que não é
o forte na história recente argentina e tem piorado com as eleições de 2023. O
resultado é que essa balança (conta) financeira também está negativa, e não é
pouco: em 2023 a “fuga” de capitais da Argentina, de US$ 14,7 bilhões, já é
quase o dobro da observada em todo o ano de 2022.
É
justamente aqui que as palavras de Milei reverberam: o caos que ele prega
aprofunda a desconfiança estrangeira em relação ao país, o que reduz a entrada
de dólares, dificulta a quitação dos débitos internacionais e piora a economia
nacional. A situação é tão ruim que as palavras de um tresloucado têm esse
efeito, forçando os argentinos a buscarem uma moeda sobre a qual o país não tem
qualquer poder de gestão.
O Milei parece trazer uma versão da nossa velha e conhecida política do quanto pior melhor. E sem querer ser catastrófico, mas já sendo, vai ser difícil para Massa lidar com essa realidade já ruim, mas piorada pelo discurso caótico. Como ministro da Economia, ele também tem sua parcela de culpa.
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula,
Valentine de Moura, Helen Tomaz, Gustavo Figueiredo e Raquel Lima.
0 comentários:
Postar um comentário