quarta-feira, 4 de outubro de 2023

A produção mundial já está se reconfigurando

Semana de 25 de setembro a 01 de outubro de 2023

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Tem sido recorrente a nossa discussão sobre as mudanças na forma como os países se inserem no comércio mundial. Temos dito que a atual divisão internacional do trabalho, aquela que caracterizou o capitalismo a partir dos anos 1970, está mudando de cara. Desde esta década, aumentou a participação de países asiáticos nas exportações mundiais de manufaturados. Para isso, esses países receberam volumosos investimentos originados nos países mais avançados. Foi nesse contexto que surgiu o termo “Tigres Asiáticos”, os de velha e os de nova geração.

O ponto alto desse movimento aconteceu nos anos 2010, quando a Ásia se tornou o continente que mais recebeu investimento estrangeiro direto (IED), superando a Europa ou mesmo as Américas do Norte e do Sul juntas. Contudo, nos primeiros anos de 2020, ocorreu uma mudança no lado de cá do Atlântico.

Em 2020, os países em desenvolvimento da Ásia receberam 53,7% dos fluxos de investimentos estrangeiros que circularam no mundo, valor que ficou em 51,1% em 2022. Nas Américas, o percentual de entrada do IED mundial em 2020 foi de 22,1%, sendo 12,8% nos EUA e Canadá e 9,3% na América Latina e Caribe. Por sua vez, em 2022 a entrada de IED nas Américas correspondeu a 42,2% do total mundial, sendo que 26,1% foram para os EUA e Canadá e 16,1% vieram para a América Latina e Caribe.

Isto é reflexo de um movimento que tem sido chamado de “desglobalização”. Ele é liderado pelos EUA e tem como objetivo trazer para perto do seu território aquilo que hoje é produzido por países sobre os quais as potências ocidentais não têm controle, em especial os asiáticos. Uma parte da produção é repatriada, a outra vai para países vizinhos.

Mais do que “teorizar” sobre o assunto, hoje o objetivo é mostrar como o comércio está mudando e como o Brasil ainda não entrou nesse movimento.

É de conhecimento geral que nosso país se destaca no comércio mundial como fornecedor de produtos primários. Com base nessa pauta, nosso saldo na balança comercial já está batendo recordes históricos: entre janeiro e agosto de 2023, as exportações superaram as importações em US$ 62,4 bilhões. A expectativa menos otimista é a de que esse saldo encerre o ano em US$ 70 bi.

Contudo, levando em consideração que o IED está mudando nas Américas, vemos que isto não se tem refletido no destino das nossas exportações. Nos primeiros oito meses de 2023, 30,2% das vendas externas brasileiras foram para China. No ano passado, o percentual foi de 26,8%. As vendas para os EUA correspondiam a 11,2% do total brasileiro em 2022, sendo que neste ano o percentual está em 10,5%. Por aqui, aumentou um pouco a participação da Argentina nas nossas exportações. Já o percentual vendido para México, Canadá, Chile, Colômbia, Peru e Bolívia ficou praticamente estável entre 2022 e 2023.

 Enquanto isso, vemos os EUA reduzir (um pouco) sua exposição à China. No ano passado, o país asiático foi o principal vendedor aos EUA, seguido de México e Canadá. No acumulado entre janeiro e julho de 2023, a China caiu para terceiro lugar, enquanto o México foi para primeiro e o Canadá para o segundo. Em 2022 o Brasil era o 17º no ranque e, atualmente, ocupa a 18ª posição.

Como a realidade sempre se impõe, isso tem se refletido na opinião de economistas e da mídia nacionais. Em 25/09/2023, o jornal Valor Econômico trouxe um editorial que reconhece as mudanças que já estão ocorrendo no mundo e fez um tímido aceno à possibilidade de o governo brasileiro adotar políticas que estimulem a vinda do IED para cá. Por sua vez, em 01/10/2023, Samuel Pessôa, um notório liberal e defensor do fim dos “privilégios” dados pelo Estado, escreveu um texto na Folha de São Paulo, no qual defende a adoção de políticas que beneficiem determinadas atividades industriais no Brasil.

Longe de querer que o Brasil se integre mais aos EUA, a coluna de hoje só veio para reforçar o que temos dito: como economia inserida no capitalismo mundial, vamos jogar esse jogo e buscar o melhor possível em cada janela de oportunidade. O importante é reduzir nossa vulnerabilidade e aumentar a soberania do país em benefício do povo. Sem esse passo, outros jamais serão possíveis.


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Valentine de Moura, Helen Tomaz, Gustavo Figueiredo e Raquel Lima.

Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog