Semana de 29 de janeiro a 04 de fevereiro de 2024
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Para
quem se interessa por economia e se preocupa com o Brasil, a política
industrial lançada pelo governo Lula no fim de janeiro ainda tem muito o que
render. Como vimos nas duas últimas semanas, a “Nova Indústria Brasil” tem dado
o que falar. De um lado, seus apoiadores: economistas heterodoxos, a CNI, a
Fiesp e demais associações patronais do setor industrial, além das principais
Centrais Sindicais do país. Do outro, seus críticos: economistas ortodoxos,
rentistas e colunistas zumbis (aqueles que fingem ter opinião própria, mas só
reproduzem os burburinhos do “mercado”).
Para
entender essa “disputa de narrativas”, é necessário entender de onde elas se
originam. Como foi discutido em outro momento (leia neste link), a luta de classes nos campos
político e ideológico reflete toda uma estrutura econômica, a qual é rodeada de
interesses. Cada classe social é classificada e fracionada de acordo com a
forma como seus integrantes se relacionam com os meios de produção (se são
proprietários ou não), como participam da organização social do trabalho (como
contribuem para a geração da riqueza social) e, por fim, como e do quanto se
apropriam daquilo que é produzido (a forma e o montante da renda que obtém).
Os
proprietários do capital se diferenciam pela forma como participam da divisão
social do trabalho: industriais, comerciantes, latifundiários, banqueiros,
especuladores ou aqueles que têm dinheiro suficiente para aplicar em tudo ao
mesmo tempo. A política industrial, claro, beneficia diretamente os empresários
e gera empregos na indústria. Contudo, o benefício não necessariamente se
estende para as outras frações da burguesia.
Por
exemplo, para os comerciantes, aqueles que apenas compram e revendem as
mercadorias, uma política industrial pode não ser de seu interesse. O motivo é
que o lucro que eles obtêm não depende da origem do produto, mas da diferença
entre o preço que ele compra e o preço que ele vende. Por exemplo, se um
smartfone vindo da China é mais barato do que o produzido no Brasil, claro que
o comerciante revenderá o produto chinês.
O que
o Estado brasileiro pode fazer? A primeira opção é: nada! Fechamos o parque
industrial nacional, demitimos os trabalhadores do setor e passamos a importar
todos os celulares (imagine se isso fosse aplicado a todas as atividades
industriais). A segunda opção poderia ser: criar subsídios para os empresários
ou então barreiras contra as importações, para que o produto nacional fique
competitivo (com preços iguais aos importados). O ideal (e parece que isto será
levado em consideração na “Nova Indústria Brasil”) é que essa ajuda dure até o
momento em que a produção brasileira consiga evoluir e se tornar competitiva
perante os produtos estrangeiros.
Para
melhorar a competitividade, por sua vez, as empresas industriais precisam
investir em capital produtivo e modelos de gestão mais modernos e eficientes.
Isso tudo custa muito dinheiro e aí entram em cena os financiadores da
industrialização. Para falar sobre isso, recorro a uma figura que sempre foi
popular pelo seu pensar e jeito de se expressar: Maria da Conceição Tavares.
Bem antes de os vídeos das suas aulas viralizarem nas redes sociais, a
professora escreveu teses e livros mostrando como no Brasil nunca houve um
sistema financeiro privado capaz de financiar a industrialização nacional. Ou
seja, os bancos privados brasileiros nunca participaram de forma efetiva nos
investimentos industriais, do século passado até hoje.
Este é
o motivo pelo qual o BNDES sempre foi o grande financiador dos projetos
industriais no Brasil. E agora vemos uma choradeira enorme por conta do retorno
desse banco ao protagonismo no desenvolvimento. Mas aí a culpa não é do Estado.
Caso a fração da burguesia que tem dinheiro suficiente para financiar e apostar
nos projetos industriais quisesse, o BNDES nem seria acionado. Mas, como
convencer nossos bilionários (“véio da Havan”, donos dos grupos Madero e
Riachuelo, banqueiros do Itaú e Safra, agroexportadores, etc.) de que é melhor
produzir semicondutores, painéis solares, carros elétricos, que fazer aquilo
que os tornaram muito ricos?
Na
prática, por si só, eles não tomarão essa decisão. Se não for por meio do
Estado, nada acontecerá de diferente. O motivo é o senso de sobrevivência dos
empresários: para que concorrer em setores de alta tecnologia dominados por
grandes empresas multinacionais, se seus negócios estão indo muito bem? Por que
se arriscar enfrentando o capital internacional, se é mais rentável se
subordinar a eles?
Essas questões serão abordadas em outro momento. Agora, resta ver se nossa burguesia adere ao projeto. Caso contrário, nada feito...
[i] Professor
do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula,
Valentine de Moura, Gustavo Figueiredo, Raquel Lima e Paola Arruda.
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