Semana de 11 a 17 de março de 2024
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Na
análise da semana passada, destacamos que grandes montadoras (estrangeiras) de
automóveis anunciaram vultuosos investimentos no Brasil. Juntando todas elas,
que vão das tradicionais Volkswagen, GM e Fiat, até as “novatas” chinesas GWM e
BYD, os projetos têm o potencial de chegar a R$ 100 bilhões em investimentos.
Por um lado, isto é importante e necessário para o desenvolvimento industrial
brasileiro. Por outro, pode ser uma nova amarra a limitar as possibilidades de
desenvolvimento de outros modais viários no país.
A
relação entre o Brasil e o setor automobilístico é muito forte. Desde o início
da industrialização, especificamente a partir dos anos 1950, a atividade esteve
dentre as maiores geradoras de emprego e renda por aqui. No começo, ainda
tínhamos algumas empresas de capital nacional, como a Fábrica Nacional de
Motores (FNM) e a Gurgel. Mas, como a tecnologia aqui se desenvolvia muito
lentamente e lá fora muito rapidamente, nosso mercado foi logo dominado pelas
estrangeiras.
O
motivo é que tanto os automóveis, quanto as plantas industriais, requeriam um
conjunto de elementos tecnológicos avançados para nossos padrões. À época,
vivia-se a industrialização liderada pelo paradigma tecnológico da indústria
metal-mecânica-química. As atividades ligadas a essas tecnologias
(eletrodomésticos, siderurgia, maquinários, motores, etc.) traziam o que havia
de melhor, em termos de difusão de inovação e produção de valor agregado.
Contudo,
o Brasil pagou um preço alto por ceder a liderança do setor ao capital
estrangeiro: deixamos em segundo plano o desenvolvimento de outros modais de
transporte, em especial o ferroviário e o aquaviário. Isto se deu por conta de
vários fatores, que resultaram na priorização da construção de rodovias e no
uso de caminhões e carros para o transporte terrestre. Por um lado, as rodovias
exigiam (até hoje é assim) menores investimentos e tecnologia que as ferrovias
e hidrovias e, por outro, beneficiava a indústria nacional ligada à construção
civil e a outros setores industriais.
Mesmo
com o enfraquecimento da atividade industrial (a desindustrialização), ocorrida
a partir dos anos 1990, a atividade automobilística continuou sendo um dos
carros-chefes da nossa economia. A diferença é que o domínio estrangeiro se
espalhou para os fornecedores de autopeças, onde, em certa medida, prevaleciam
as empresas de capital nacional.
O auge
do setor foi na década de 2000, quando o Brasil passou a bater recordes de
produção e emplacamento. Porém, a chave virou com a crise de 2015/2016, momento
em que a capacidade produtiva se mostrou excessiva e as políticas neoliberais
passaram a predominar nos ministérios de Temer e Bolsonaro. Assim, tanto a
desaceleração da economia, quanto a falta de incentivos fizeram essa atividade
regredir por aqui.
Na
atualidade, como disse a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea), o que tem possibilitado o renascimento do setor no
Brasil são os incentivos governamentais. Na esteira da “neoindustrialização”,
foi lançado em dezembro de 2023 o programa nacional de Mobilidade Verde e
Inovação (Mover), que não se limita ao setor automobilístico, mas tem ele como
centro. Como estímulo, o principal mecanismo de apoio se dará no campo fiscal,
desde que as empresas se adequem a um conjunto de requisitos. Como o nome do
programa sugere, o objetivo central é desenvolver “tecnologias verdes” nas
áreas de logística e mobilidade.
E é
justamente esse o problema: se o objetivo é desenvolver novas tecnologias e
transformar a maneira como o Brasil realiza o transporte de cargas e pessoas,
por que não mudar a relação que tem com o setor automobilístico? Aqui vão
alguns caminhos, uns mais, outros menos óbvios, mas que não são excludentes.
Primeiramente,
não seria esse o momento de o capital nacional participar de forma mais ativa
neste processo, através de “joint ventures” e do compartilhamento de
tecnologia? O empresariado brasileiro não deveria assumir parte dos altos
riscos? Além disso, não seria também o momento de diversificar o modal viário,
criando condições melhores para o renascimento dos transportes ferroviário e
aquaviário?
Já sabendo que o capital privado nacional não vai embarcar nessa, resta ao Estado brasileiro assumir a responsabilidade, inclusive, utilizando estatais como parceiras das empresas estrangeiras (Petrobrás e BNDES, por exemplo). Esse seria um passo necessário para reduzirmos nosso atraso em relação ao resto do mundo e tomarmos as rédeas do nosso desenvolvimento.
[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB;
Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Ryann Felix, Paola Arruda, Valentine de
Moura, Maria Vitória Freitas e Gustavo Figueiredo.
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