terça-feira, 19 de março de 2024

Brasil e transporte rodoviário: por que não mudar esta relação?

Semana de 11 a 17 de março de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Na análise da semana passada, destacamos que grandes montadoras (estrangeiras) de automóveis anunciaram vultuosos investimentos no Brasil. Juntando todas elas, que vão das tradicionais Volkswagen, GM e Fiat, até as “novatas” chinesas GWM e BYD, os projetos têm o potencial de chegar a R$ 100 bilhões em investimentos. Por um lado, isto é importante e necessário para o desenvolvimento industrial brasileiro. Por outro, pode ser uma nova amarra a limitar as possibilidades de desenvolvimento de outros modais viários no país.

A relação entre o Brasil e o setor automobilístico é muito forte. Desde o início da industrialização, especificamente a partir dos anos 1950, a atividade esteve dentre as maiores geradoras de emprego e renda por aqui. No começo, ainda tínhamos algumas empresas de capital nacional, como a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a Gurgel. Mas, como a tecnologia aqui se desenvolvia muito lentamente e lá fora muito rapidamente, nosso mercado foi logo dominado pelas estrangeiras.

O motivo é que tanto os automóveis, quanto as plantas industriais, requeriam um conjunto de elementos tecnológicos avançados para nossos padrões. À época, vivia-se a industrialização liderada pelo paradigma tecnológico da indústria metal-mecânica-química. As atividades ligadas a essas tecnologias (eletrodomésticos, siderurgia, maquinários, motores, etc.) traziam o que havia de melhor, em termos de difusão de inovação e produção de valor agregado.

Contudo, o Brasil pagou um preço alto por ceder a liderança do setor ao capital estrangeiro: deixamos em segundo plano o desenvolvimento de outros modais de transporte, em especial o ferroviário e o aquaviário. Isto se deu por conta de vários fatores, que resultaram na priorização da construção de rodovias e no uso de caminhões e carros para o transporte terrestre. Por um lado, as rodovias exigiam (até hoje é assim) menores investimentos e tecnologia que as ferrovias e hidrovias e, por outro, beneficiava a indústria nacional ligada à construção civil e a outros setores industriais.

Mesmo com o enfraquecimento da atividade industrial (a desindustrialização), ocorrida a partir dos anos 1990, a atividade automobilística continuou sendo um dos carros-chefes da nossa economia. A diferença é que o domínio estrangeiro se espalhou para os fornecedores de autopeças, onde, em certa medida, prevaleciam as empresas de capital nacional.

O auge do setor foi na década de 2000, quando o Brasil passou a bater recordes de produção e emplacamento. Porém, a chave virou com a crise de 2015/2016, momento em que a capacidade produtiva se mostrou excessiva e as políticas neoliberais passaram a predominar nos ministérios de Temer e Bolsonaro. Assim, tanto a desaceleração da economia, quanto a falta de incentivos fizeram essa atividade regredir por aqui.

Na atualidade, como disse a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o que tem possibilitado o renascimento do setor no Brasil são os incentivos governamentais. Na esteira da “neoindustrialização”, foi lançado em dezembro de 2023 o programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que não se limita ao setor automobilístico, mas tem ele como centro. Como estímulo, o principal mecanismo de apoio se dará no campo fiscal, desde que as empresas se adequem a um conjunto de requisitos. Como o nome do programa sugere, o objetivo central é desenvolver “tecnologias verdes” nas áreas de logística e mobilidade.

E é justamente esse o problema: se o objetivo é desenvolver novas tecnologias e transformar a maneira como o Brasil realiza o transporte de cargas e pessoas, por que não mudar a relação que tem com o setor automobilístico? Aqui vão alguns caminhos, uns mais, outros menos óbvios, mas que não são excludentes.

Primeiramente, não seria esse o momento de o capital nacional participar de forma mais ativa neste processo, através de “joint ventures” e do compartilhamento de tecnologia? O empresariado brasileiro não deveria assumir parte dos altos riscos? Além disso, não seria também o momento de diversificar o modal viário, criando condições melhores para o renascimento dos transportes ferroviário e aquaviário?

Já sabendo que o capital privado nacional não vai embarcar nessa, resta ao Estado brasileiro assumir a responsabilidade, inclusive, utilizando estatais como parceiras das empresas estrangeiras (Petrobrás e BNDES, por exemplo). Esse seria um passo necessário para reduzirmos nosso atraso em relação ao resto do mundo e tomarmos as rédeas do nosso desenvolvimento.


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Ryann Felix, Paola Arruda, Valentine de Moura, Maria Vitória Freitas e Gustavo Figueiredo.

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