Semana de 26 de fevereiro a 03 de março de 2024
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
A economia brasileira
cresceu, em 2023, mais do que os “analistas de mercado” previram. A subida de
2,9% foi ótima e manteve o (leve) aquecimento econômico do imediato
pós-pandemia. Isto foi devidamente publicizado nas mídias pró-governo,
incluindo as redes sociais. Por outro lado, essas mesmas redes “denunciaram” a
grande mídia por criarem manchetes que relativizavam o feito. Já adianto que o
texto de hoje deve desagradar essa claque. Vamos ver que há motivos para o
alerta, mas a situação não é tão grave quanto fizeram parecer.
Primeiramente, devemos
lembrar que, no capitalismo, só consumimos coisas que são produzidas por
terceiros, não por nós mesmos. Cada um de nós acessa esses produtos através do
mercado, comprando as mercadorias que necessitamos. Como consequência, temos a chamada
lei da oferta e da procura: se a demanda sobe mais rápido que a oferta, o preço
do produto aumenta; se a oferta sobe mais rápido que a demanda, o preço cai.
Com base nisso, construíram-se os argumentos das análises da grande mídia.
Pois bem, o Consumo da
Famílias no Brasi
Rendimento
médio mensal real das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana
de referência com rendimento de trabalho, efetivamente recebido no trabalho
principal (Reais) |
|||||||||
Brasil |
|||||||||
Ano |
Posição
na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal |
||||||||
Total |
Empregado |
Empre-gador |
Conta
própria |
||||||
Setor
privado com carteira |
Setor
privado sem carteira |
Domés-tico |
Setor
público com carteira |
Setor
público sem carteira |
Setor
público - militar e funcio-nário público estatutário |
||||
Média 2022 |
R$ 2.864 |
R$ 2.937 |
R$ 1.841 |
R$ 1.116 |
R$ 4.626 |
R$ 2.455 |
R$ 5.447 |
R$ 6.757 |
R$ 2.196 |
Média 2023 |
R$ 3.012 |
R$ 3.028 |
R$ 2.012 |
R$ 1.168 |
R$ 4.722 |
R$ 2.567 |
R$ 5.718 |
R$ 7.469 |
R$ 2.330 |
Variação |
5,2% |
3,1% |
9,3% |
4,7% |
2,1% |
4,6% |
5,0% |
10,5% |
6,1% |
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE - PNAD Contínua trimestral
Assim, tendo em vista que
o consumo e a renda internos cresceram, é preciso que a produção local e/ou as
importações também cresçam. Caso contrário, com o aumento da demanda e
estagnação da oferta, haverá séria pressão para o aumento dos preços. E os dados
de 2023 alertam para isso.
Primeiramente, a produção
industrial brasileira cresceu apenas 1,6% entre 2022 e 2023, enquanto a
produção de serviços subiu 2,4%. Já os investimentos caíram 3% e as
importações, 1,2%. Este é o grande ponto levantado pelos “relativizadores” do
bom desempenho do PIB. O consumo e a renda estão em alta, mas a oferta interna
não está crescendo na mesma velocidade, muito menos os investimentos.
Contudo, isto ainda não é
um desastre. Diante da estagnação que o Brasil vive desde 2017 e da Pandemia de
Covid-19, a estrutura produtiva brasileira tem apresentado elevado grau de
ociosidade. Ou seja, há capacidade instalada na indústria nacional, mas ela não
está sendo utilizada plenamente em muitos dos setores.
Segundo estatísticas da CNI (apresentados na tabela a seguir), a Indústria de transformação brasileira apresentou uma média de 78,7% no uso da sua capacidade instalada (UCI) ao longo dos 12 meses de 2023, uma queda em relação ao observado em 2022. A situação mais crítica está nas atividades de Celulose e papel (média de 92,4% de UCI ao longo de 2023); Outros equipamentos de transporte (90,5%); e Coque, derivados do petróleo e biocombustíveis (90,4%). Para suprir as necessidades internas, essas atividades precisam urgentemente ampliar seus investimentos. Por sua vez, dos 21 setores analisados, seis estão com UCI entre 80% e 90%. A maior parte das atividades (12 delas) tem UCI abaixo de 80%, com destaque negativo para Metalurgia (64,7%) e Bebidas (56,4%).
Média do Uso da Capacidade Instalada (em %) por
atividade industrial |
2022 |
2023 |
Diferença |
|
Alimentos |
82,0 |
79,9 |
-2,1 |
|
Bebidas |
57,4 |
56,4 |
-1,0 |
|
Borracha e material plástico |
73,5 |
73,4 |
-0,1 |
|
Celulose e papel |
91,2 |
92,4 |
1,2 |
|
Coque, produtos derivados do
petróleo e biocombustíveis |
86,1 |
90,4 |
4,3 |
|
Couro e calçados |
87,0 |
86,2 |
-0,8 |
|
Farmoquímicos e
farmacêuticos |
77,8 |
74,5 |
-3,3 |
|
Impressão e reprodução |
80,6 |
80,9 |
0,3 |
|
Madeira |
79,9 |
73,6 |
-6,3 |
|
Máquinas e equipamentos |
75,4 |
74,3 |
-1,1 |
|
Máquinas e materiais
elétricos |
84,0 |
76,8 |
-7,2 |
|
Metalurgia |
72,0 |
64,7 |
-7,3 |
|
Móveis |
80,4 |
81,0 |
0,6 |
|
Outros equipamentos de
transporte |
91,7 |
90,5 |
-1,2 |
|
Produtos de metal |
78,6 |
76,6 |
-2,0 |
|
Produtos de minerais não
metálicos |
83,5 |
77,5 |
-6,0 |
|
Produtos diversos |
75,3 |
75,7 |
0,4 |
|
Químicos (Exceto Perfumaria,
Sabões, Detergentes e Produtos de Limpeza e de Higiene Pessoal) |
74,0 |
72,6 |
-1,4 |
|
Têxteis |
83,9 |
82,2 |
-1,7 |
|
Veículos automotores |
85,8 |
82,4 |
-3,4 |
|
Vestuário e acessórios |
82,0 |
81,4 |
-0,6 |
|
Indústria de Transformação |
80,6 |
78,7 |
-1,9 |
|
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Indicadores CNI
Os dados mostram que, no
curto prazo, é possível que a produção do país cresça sem criar grandes
pressões inflacionárias domésticas. Mas, reforçam também a necessidade de
ampliação dos grandes investimentos no país, tanto público quanto privado.
Isso, associado à renovação da estrutura produtiva que incorpora as tecnologias
mais modernas, tende a criar um ciclo virtuoso de crescimento para os próximos
anos (aqui entram o papel do Novo PAC e da Nova Indústria Brasil).
A questão que sempre se coloca é: será que burguesia brasileira vai aderir aos projetos? Pelo histórico, as chances de isto dar certo não são muito grandes. Mas é isso, a esperança é a última que morre...
[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB;
Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Guilherme Gomes, Valentine de Moura,
Gustavo Figueiredo, Raquel Lima e Paola Arruda.
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