quinta-feira, 7 de março de 2024

Disputa de narrativas sobre o PIB: o que é bom e o que é ruim nos dados de 2023?

Semana de 26 de fevereiro a 03 de março de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

A economia brasileira cresceu, em 2023, mais do que os “analistas de mercado” previram. A subida de 2,9% foi ótima e manteve o (leve) aquecimento econômico do imediato pós-pandemia. Isto foi devidamente publicizado nas mídias pró-governo, incluindo as redes sociais. Por outro lado, essas mesmas redes “denunciaram” a grande mídia por criarem manchetes que relativizavam o feito. Já adianto que o texto de hoje deve desagradar essa claque. Vamos ver que há motivos para o alerta, mas a situação não é tão grave quanto fizeram parecer.

Primeiramente, devemos lembrar que, no capitalismo, só consumimos coisas que são produzidas por terceiros, não por nós mesmos. Cada um de nós acessa esses produtos através do mercado, comprando as mercadorias que necessitamos. Como consequência, temos a chamada lei da oferta e da procura: se a demanda sobe mais rápido que a oferta, o preço do produto aumenta; se a oferta sobe mais rápido que a demanda, o preço cai. Com base nisso, construíram-se os argumentos das análises da grande mídia.

Pois bem, o Consumo da Famílias no Brasil cresceu 3,1% entre 2022 e 2023. Isto significa que aumentou a demanda por mercadorias dentro do país. Isto é um reflexo direto do aumento na renda real da população brasileira. De acordo com dados da PNAD Contínua (apresentados na tabela a seguir), o rendimento dos brasileiros cresceu em torno de 5,2% entre os anos de 2022 e 2023. Por sua vez, a renda cresceu mais para os Empregadores (10,5%), Empregados no setor privado sem carteira assinada (9,3%) e Trabalhadores por conta própria (6,1%). O pior desempenho ficou para os trabalhadores com carteira assinada, seja Empregado no setor público (aumento de 2,1% no rendimento), seja Empregado no setor privado (3,1% de aumento).

Rendimento médio mensal real das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho, efetivamente recebido no trabalho principal (Reais)

Brasil

Ano

Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal

Total

Empregado

Empre-gador

Conta própria

Setor privado com carteira

Setor privado sem carteira

Domés-tico

Setor público com carteira

Setor público sem carteira

Setor público - militar e funcio-nário público estatutário

Média 2022

R$ 2.864

R$ 2.937

R$ 1.841

R$ 1.116

R$ 4.626

R$ 2.455

R$ 5.447

R$ 6.757

R$ 2.196

Média 2023

R$ 3.012

R$ 3.028

R$ 2.012

R$ 1.168

R$ 4.722

R$ 2.567

R$ 5.718

R$ 7.469

R$ 2.330

Variação

5,2%

3,1%

9,3%

4,7%

2,1%

4,6%

5,0%

10,5%

6,1%

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE - PNAD Contínua trimestral

Assim, tendo em vista que o consumo e a renda internos cresceram, é preciso que a produção local e/ou as importações também cresçam. Caso contrário, com o aumento da demanda e estagnação da oferta, haverá séria pressão para o aumento dos preços. E os dados de 2023 alertam para isso.

Primeiramente, a produção industrial brasileira cresceu apenas 1,6% entre 2022 e 2023, enquanto a produção de serviços subiu 2,4%. Já os investimentos caíram 3% e as importações, 1,2%. Este é o grande ponto levantado pelos “relativizadores” do bom desempenho do PIB. O consumo e a renda estão em alta, mas a oferta interna não está crescendo na mesma velocidade, muito menos os investimentos.

Contudo, isto ainda não é um desastre. Diante da estagnação que o Brasil vive desde 2017 e da Pandemia de Covid-19, a estrutura produtiva brasileira tem apresentado elevado grau de ociosidade. Ou seja, há capacidade instalada na indústria nacional, mas ela não está sendo utilizada plenamente em muitos dos setores.

Segundo estatísticas da CNI (apresentados na tabela a seguir), a Indústria de transformação brasileira apresentou uma média de 78,7% no uso da sua capacidade instalada (UCI) ao longo dos 12 meses de 2023, uma queda em relação ao observado em 2022. A situação mais crítica está nas atividades de Celulose e papel (média de 92,4% de UCI ao longo de 2023); Outros equipamentos de transporte (90,5%); e Coque, derivados do petróleo e biocombustíveis (90,4%). Para suprir as necessidades internas, essas atividades precisam urgentemente ampliar seus investimentos. Por sua vez, dos 21 setores analisados, seis estão com UCI entre 80% e 90%. A maior parte das atividades (12 delas) tem UCI abaixo de 80%, com destaque negativo para Metalurgia (64,7%) e Bebidas (56,4%).

Média do Uso da Capacidade Instalada (em %) por atividade industrial

2022

2023

Diferença

Alimentos

82,0

79,9

-2,1

Bebidas

57,4

56,4

-1,0

Borracha e material plástico

73,5

73,4

-0,1

Celulose e papel

91,2

92,4

1,2

Coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis

86,1

90,4

4,3

Couro e calçados

87,0

86,2

-0,8

Farmoquímicos e farmacêuticos

77,8

74,5

-3,3

Impressão e reprodução

80,6

80,9

0,3

Madeira

79,9

73,6

-6,3

Máquinas e equipamentos

75,4

74,3

-1,1

Máquinas e materiais elétricos

84,0

76,8

-7,2

Metalurgia

72,0

64,7

-7,3

Móveis

80,4

81,0

0,6

Outros equipamentos de transporte

91,7

90,5

-1,2

Produtos de metal

78,6

76,6

-2,0

Produtos de minerais não metálicos

83,5

77,5

-6,0

Produtos diversos

75,3

75,7

0,4

Químicos (Exceto Perfumaria, Sabões, Detergentes e Produtos de Limpeza e de Higiene Pessoal)

74,0

72,6

-1,4

Têxteis

83,9

82,2

-1,7

Veículos automotores

85,8

82,4

-3,4

Vestuário e acessórios

82,0

81,4

-0,6

Indústria de Transformação

80,6

78,7

-1,9

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Indicadores CNI

Os dados mostram que, no curto prazo, é possível que a produção do país cresça sem criar grandes pressões inflacionárias domésticas. Mas, reforçam também a necessidade de ampliação dos grandes investimentos no país, tanto público quanto privado. Isso, associado à renovação da estrutura produtiva que incorpora as tecnologias mais modernas, tende a criar um ciclo virtuoso de crescimento para os próximos anos (aqui entram o papel do Novo PAC e da Nova Indústria Brasil).

A questão que sempre se coloca é: será que burguesia brasileira vai aderir aos projetos? Pelo histórico, as chances de isto dar certo não são muito grandes. Mas é isso, a esperança é a última que morre...


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Guilherme Gomes, Valentine de Moura, Gustavo Figueiredo, Raquel Lima e Paola Arruda.

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