sexta-feira, 31 de maio de 2024

Quanto pior, melhor

Semana de 20 a 26 de maio de 2024

  Nelson Rosas Ribeiro[i]  

Ainda repercute o desastre do Rio Grande do Sul, agora buscando-se o culpado. Denuncia-se a irresponsabilidade do governador que andou anulando leis ambientais e especialistas falam das arbitrariedades cometidas contas a natureza. Não se sabe quais medidas serão tomadas para prevenir futuros desastres, já que se espera que as mudanças climáticas provocarão cada vez mais situações extremas. Enquanto são lamentados os prejuízos e as mortes, o Conselho de Política Monetária (Copom) divulga a ata da sua última reunião. O Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) comenta a redução da Selic em apenas 0,25%. Apresenta os motivos para a redução da percentagem, contrariando a indicação anterior (forward guidance) de manutenção do ritmo de 0,50%. E, acreditem os leitores, os argumentos apresentados são: a piora dos cenários internos e externos.

Quanto ao cenário externo, não há muito a contestar. Continua o conflito na Ucrânia, que certamente durará até o último ucraniano, e o massacre em Gaza, que também continuará até o último palestino, objetivo central do “povo de deus”, sedento de sangue e desejoso de criar uma “terra sem povo” para “um povo sem terra”. Por circunstâncias diversas, há um povo na terra prometida e, portanto, é preciso eliminá-lo, para que as determinações divinas sejam cumpridas, mesmo à custa de bombardeios de barracas de lona, que abrigam refugiados com mulheres e crianças. Para os israelitas isso não é problema, pois há muitos decênios eles vivem cometendo tais crimes. Tudo com a conivência e o apoio do mundo ocidental e cristão e dos protestos formais dos civilizados países da União Europeia e os Estados Unidos que, com seus vetos, impedem a aplicação das decisões dos órgãos internacionais.

Mas, embora tudo isto seja tenebroso, o incrível está na resposta à questão: por que o cenário interno está se deteriorando? O Boletim Macro, órgão do IBGE Ibre, em pânico, constata o seguinte: Em março, a indústria cresceu 0,9%, o setor de serviços cresceu 0,4%, e o varejo, em 12 meses, cresceu 2,5%. Que horror! E as causas são apontadas: O “mercado de trabalho aquecido”, “aceleração no crescimento da renda disponível”, “aumento real do salário-mínimo”, “antecipação do 13º salário para beneficiários do INSS”, ou seja, o aumento do emprego, dos salários e dos rendimentos da população são as causas das desgraças que devem ser combatidas com juros mais elevados para todos, embora se saiba que isto prejudica os investimentos e, portanto, o crescimento da economia. Saudemos a independência do BC e o seu presidente Campos Neto que, seguindo a tradição de seu avô, o famoso Bob Fields, trabalha para impedir o crescimento do país. E não é por maldade. É por ideologia, seguindo fanaticamente a bíblia ensinada nas escolas de economia, que é fielmente aceita também pelos economistas da FGV Ibre.

O Boletim Macro continua: “No Brasil, a piora do cenário externo se combinou a fatores domésticos que corroboram a necessidade de manter a taxa de juros mais elevada e por tempo maior”.  Eis a razão da conversa fiada. Com o pretexto de combater a inflação, pois as expectativas já estão desancoradas, o que se pretende é manter elevada a taxa de juros, para dar maiores rendimentos aos investidores, ou melhor, especuladores. É o deus “mercado” comandando os seus súditos. O Boletim Macro sabe muito bem o que se pretende: “A manutenção de taxas de juros mais altas acaba prejudicando o investimento …”. É a política do quanto pior melhor. Se a isto somam-se as sabotagens do Congresso, aprovando todo tipo de despesas e exaurindo o orçamento, temos o resultado de toda uma política de paralisar o Governo e impedi-lo de governar.

A conspiração, visando depor o governo Lula se mantém. Uma vez derrotada a tentativa de golpe, as hienas continuam às espreitas, à espera de qualquer oportunidade para pôr em marcha uma nova ação. É notável a habilidade pessoal de Lula e de alguns de seus ministros para negociar e contornar cada nova manobra urdida pelos presidentes das duas casas, Pacheco e Lira.

Por isto, torna-se necessária muita vigilância e luta para impedir tais ações. E o teste está próximo com as eleições municipais que se aproximam.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Brenda Tiburtino, Maria Vitória Freitas, Raquel Lima, Valentine de Moura e Paulo Vitor Carneiro.

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quinta-feira, 23 de maio de 2024

Ruim para o Brasil, bom para a clientela do BC

Semana de 13 a 19 de maio de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Quem já teve a oportunidade de participar de qualquer curso introdutório sobre economia se deparou com a seguinte definição: o Banco Central (BC) é o banco dos bancos. Essa frase genérica expressa uma das funções exercidas pelo BC no sistema financeiro: o Banco Central obriga as instituições financeiras a manter contas em seus registros para monitorá-las, com vistas a garantir a fluidez e a solidez do sistema financeiro nacional. Além de atuar como banco dos bancos, o BC atua como banco do governo, pois mantém sob sua custódia as reservas internacionais (depósitos em moedas estrangeiras) e algumas contas do governo brasileiro.

As outras funções do BC são garantir a segurança e a eficiência do sistema financeiro (regulando suas atividades), bem como manter a inflação sob controle (a partir da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional – CMN). A função de regular as atividades financeiras age de forma estrutural, pois ela dita as regras de funcionamento das instituições que compõem o sistema financeiro nacional, função esta partilhada com o CMN e com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Por sua vez, a função de execução de políticas econômicas de controle da inflação age de forma conjuntural, ou seja, funciona de acordo com a realidade em cada momento.

A “interferência” do setor financeiro privado no órgão público fica evidente quando consideramos um estudo que avaliou a origem dos diretores de áreas ligadas à política econômica do Banco Central do Brasil, entre 1995 e 2014 (link). Segundo os pesquisadores, 50% dos diretores dessas áreas tem passagem por instituições financeiras privadas, 30% vêm de instituições de ensino e 20% de órgãos do Estado (incluindo o próprio BC). O atual presidente, Roberto Campos Neto, por exemplo, é um desses que veio do setor financeiro, especificamente, do Banco Santander.

Como sabem os nossos leitores mais assíduos, a inflação no Brasil só tem recebido o mesmo remédio: a elevação da taxa básica de juros, a Selic. O motivo é que, para eles, a economia aquecida leva as pessoas a comprarem mais, o que leva as empresas a aumentarem seus preços. Para evitar isto, deve-se limitar o dinamismo da economia. Pode parecer mentira ou exagero, mas não é. Basta ver o que diz a seção C da Ata da 262ª Reunião do Comitê de Política Monetária do BC (Copom), que retrata a “Discussão sobre a condução da política monetária” (link). Dentre os argumentos para manter a taxa Selic em níveis elevados está a interpretação de que “o cenário de mercado de trabalho e de atividade tem apresentado maior dinamismo do que o esperado”. Ou seja: economia subindo, taca juros nela.

O mais curioso (para não dizer cínico) é que o aquecimento da economia, a elevação dos salários, o aumento do crédito, o crescimento dos gastos públicos, nada disso precisa acontecer de verdade para que o Banco Central eleve a taxa de juros. Basta que os analistas do setor financeiro privado criem a expectativa de que isto tudo vai afetar a inflação. Esse “expectativômetro” é o Boletim Focus, relatório que reúne as “opiniões do mercado” sobre um conjunto de variáveis econômicas. O curioso (para evitar, novamente, o uso da palavra cínico) é que mais da metade do Copom atual é excessivamente sensível a essas expectativas (o que foi visto na última reunião). Com base numa possível alteração futura das expectativas, eles decidiram baixar os juros em ritmo menor do que haviam prometido na reunião anterior.

Entretanto, nossos leitores também sabem que essa mesma Selic “regula” o quanto custa o empréstimo no Brasil. Ou seja, por um lado, se ela serve de referência para o quanto pagamos pelo dinheiro que pegamos emprestado, por outro, serve de referência para o quanto os bancos ganham com os empréstimos que nos concedem. Portanto, aumentar a taxa de juros é, também, aumentar a receita das instituições financeiras.

Não bastassem as turbulências que o Brasil tem enfrentado, no começo de maio vieram os eventos climáticos extremos, agravados pela (in)ação humana, no Rio Grande do Sul. Apesar de ainda não ter sido explicitada na última reunião do Copom, a preocupação fiscalista com os gastos da reconstrução do estado certamente será vista em alguma ata ainda este ano. É só esperar os envolvidos darem uma de Eduardo Leite e explicitarem aquilo que tentam esconder do grande público: que se preocupam mais com o dinheiro do que com a vida. Para eles, deixa que o mercado regula a tragédia.


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Ryann Félix, Guilherme de Paula, Lara Souza, Valentine de Moura e Paola Arruda.

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quarta-feira, 15 de maio de 2024

Catástrofe gaúcha e redução no corte dos juros

Semana de 06 a 12 de maio de 2024

 

Rosângela Palhano Ramalho [i]

           

Caro leitor, enquanto esta análise estava sendo escrita, novas informações e imagens impressionantes vão dando a dimensão da tragédia climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Enquanto o nível da água do Lago Guaíba em Porto Alegre continua a subir (agora com ondas), o estado computa 148 mortes, mais de 120 desaparecidos, pouco mais de 600 mil desabrigados e ainda terá que enfrentar os dias mais frios do ano que estão por vir. A população brasileira continua a enviar donativos às regiões afetadas, e os governos se esforçam para apresentar soluções imediatas, abrigando a população e abrindo frentes para minorar os efeitos dos alagamentos. Por outro lado, a rede de desinformação alimentada pelo bolsonarismo continua a espalhar fake news que, de tão abjetas, apenas revelam o caráter desprezível de quem as dissemina.

A catástrofe do Rio Grande do Sul começa a ser contabilizada. Estima-se que os prejuízos municipais, públicos e privados, já alcancem R$ 6,3 bilhões, segundo a Confederação Nacional de Municípios. O estado tem o quarto maior PIB do país e atingirá negativamente o PIB nacional entre 0,2 e 0,3 ponto percentual. Mesmo com este impacto, a economia brasileira continuará se recuperar e provavelmente crescerá acima dos 2%. Nunca é demais lembrar que as estimativas iniciais do “mercado” para o crescimento do ano passado eram de apenas 1%. Consolidada a apuração anual, o IBGE registrou em 2023 um PIB de 2,9%! Ao que parece, foi computado na previsão o ranço que o “mercado” apresenta contra os governos de viés mais progressista.

Em termos da economia, a notícia que ganhou destaque esta semana foi o corte de 0,25% da taxa Selic. A taxa caiu de 10,75% para 10,5% ao ano. Com esta decisão, o Comitê de Política Monetária do Banco Central interrompeu o ciclo de seis quedas consecutivas de 0,5%. Buscam-se os motivos. Listam-se dois: os “possíveis impactos” da tragédia gaúcha sobre os preços e o ambiente externo que “mostra-se mais adverso”, em virtude incerteza sobre o início da flexibilização da política monetária nos Estados Unidos. Ou seja, não há nada de concreto que justifique tal decisão. Mas, é necessário lembrar que em meados de abril, conforme relatado aqui, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, do alto da sua inerente empáfia, já havia bradado aos quatro cantos, que não havia garantias de um novo corte de 0,5% na taxa de juros em razão da redefinição da meta fiscal de 2025 pelo governo federal. Resultado: dos nove votos do Copom, quatro foram para o corte de 0,5% da taxa de juros e quatro para o corte de 0,25%. Como o voto de minerva ficou nas mãos de Campos, imagine-se o seu regozijo em votar favorável ao menor corte!

Imediatamente, uma nova polêmica no espectro das decisões sobre a economia passou a ser alimentada. Resumindo a definição ao âmbito político, logo se relacionou que os quatro votos favoráveis ao corte de 0,5% foram de membros da diretoria indicados pelo governo Lula, enquanto os outros quatro que votaram pelo corte de 0,25% foram indicados pelo ex-presidente Bolsonaro. Esses “alinhamentos políticos”, dizem os “analistas”, trazem ainda mais incertezas sobre a política monetária.

Se é assim, onde está a independência, a autonomia da autoridade monetária, tão elogiada e endossada pelos mandatos fixos de 4 anos de seu presidente e diretores, não coincidentes com o mandato do Presidente da República?

O que se presencia no Copom não é uma disputa Lula-Bolsonaro mas uma rivalidade entre teorias econômicas. De um lado, considera-se que o país deve manter a austeridade fiscal e monetária para controlar a inflação. De outro, defende-se que a manutenção de uma taxa de juros baixa estimularia a economia via aumento do emprego, consumo e pagamento de impostos atenuando os efeitos inflacionários. É isso. No fim das contas ganha no Copom quem forma maioria. Simples assim.


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Brenda Tiburtino, Valentine de Moura, Raquel Lima e Paulo Victor.

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sexta-feira, 10 de maio de 2024

Mesmo remando contra a maré o Brasil vai para frente

Semana de 29 de abril a 05 de maio de 2024

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Continuamos sofrendo o impacto do desastre climático ocorrido no Rio Grande do Sul. Parece que será a maior tragédia ocorrida no país nos últimos tempos. E a destruição continua. Eis o preço que pagamos por agredir a natureza. As previsões são ainda mais terríveis. Desastres como este serão cada vez mais frequentes. Temos de fazer uma completa revisão dos nossos conceitos de urbanismo. Li um poema, muito significativo, dando voz ao rio, que pede desculpas, pois não era a sua intenção destruir nada. Ele só queria passar, mas obstruíram sua passagem e ocuparam seus vales de expansão. De fato, estamos assistindo a natureza retomar os espaços que lhe subtraíram. Vemos isto nos rios e no mar. Mais uma dificuldade para o governo Lula, que tem procurado dar todo o atendimento às populações atingidas, o que exige e exigirá grandes gastos para a reconstrução, sobrecarregando o orçamento, já tão apertado. Enquanto todos se desdobram para ajudar os gaúchos, a canalha bolsomínia se diverte em espalhar mais fakes e um grupo de parlamentares continua sua peregrinação pelos EUA, tentando difamar o governo e o país. Uma cena ridícula e cômica foi vista quando uma parlamentar americana fez um discurso defendendo a democracia no Brasil e desdizendo as acusações que os parlamentares brasileiros faziam.

Enquanto isso, no congresso, a gangue comandada pela dupla Pacheco – Lira mantém a tensão, procurando derrubar vários vetos de Lula a leis aprovadas, que aumentam irresponsavelmente as despesas, ou reduzem as receitas. A paciência do ministro Hadad parece não ter limites. Agora conseguiram negociar o veto à lei que prorrogava a desoneração da folha de pagamentos, o que tinha levado o governo a judicializar o problema, e já tinha conseguido uma primeira vitória, na liminar concedida no STF. Chegaram a uma solução conciliatória.

Mas a fúria gastadora do congresso continua com a aprovação das emendas parlamentares, que já atingem R$44,7 bilhões e que comprometem 22% da verba destinada aos gastos discricionários. A aprovação da “PEC do quinquênio” garante aumentos automáticos de salários para categorias do poder judiciário, a cada 5 anos. A intenção do congresso parece ser estourar o orçamento para impedir qualquer ação do governo, que possibilite a retomada da economia. É a política do quanto pior melhor, que é ajudada pela ação do Banco Central, dirigido pelo Roberto Campos Neto (com os dias contados para sair). Dado significativo vem da reunião do Copom, de quarta-feira passada. Reduziram a taxa Selic apenas em 0,25%, contrariando o que havia sido anunciado na ata da reunião anterior. E mais ainda, não estabeleceram nenhuma indicação para a próxima queda, deixando o ambiente favorável às especulações do “mercado”, o que poderá prejudicar a trajetória de redução da Selic e criar ainda mais problemas para os investimentos.

Enquanto o BC, com Campos Neto, cria problemas internos, em aliança com a dupla Pacheco-Lira, no exterior, os parlamentares bolsonaristas denigrem a imagem do país, associados a Elon Musk. Internamente, eles não cessam sua campanha de disseminação de fakes, prejudicando as ações de socorro às vítimas da tragédia no sul.

Para agravar a situação, o ambiente externo continua desfavorável, com os sionistas do Estado de Israel mantendo suas ações criminosas, em Gaza, apesar das ameaças de sanções dos EUA e das condenações advindas dos vários organismos das Nações Unidas. Com isso, as ameaças de perturbação no comércio mundial e no abastecimento das cadeias de produção continuam, e as dificuldades de restabelecimento do processo de globalização aumentam.

Por incrível que pareça, o governo ainda está conseguindo manter o processo de crescimento da economia. Os capitalistas internacionais continuam a confiar nas potencialidades da economia do país e os investimentos produtivos aumentam, garantindo mais emprego e renda. As empresas estatais voltam a investir e a Petrobrás pretende impulsionar a construção naval, novamente, com suas encomendas. Até a agência avaliadora de riscos Moodys mudou sua avaliação do Brasil para o campo positivo.

Apesar dos pesares, o país está indo para frente.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Dulce Emile, Brenda Tiburtino, Maria Vitória Freitas e Lara Souza.

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quarta-feira, 1 de maio de 2024

Pacheco e Lira: verdadeiro fogo inimigo

Semana de 22 a 28 de abril de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Como vimos nas últimas semanas, a economia brasileira já iniciou a fase de reanimação do seu ciclo econômico há algum tempo. Com maior ou menor intensidade, quase todos os dados têm apresentado melhoras seguidas. Contudo, também destacamos a necessidade de se iniciarem os grandes projetos de investimentos públicos. Assim, para além de melhorar nossa infraestrutura, seriam criados novos estímulos para fortalecer a recuperação econômica desta que tem se mostrado mais uma década perdida para a economia brasileira (de 2014 a 2023).

Por outro lado, como sempre fez desde seu primeiro mandato como Presidente da República, ao formar seu atual governo, Lula tratou de garantir que os gastos federais não extrapolariam as receitas obtidas em cada ano. Por incrível que pareça, o grande responsável por isso tem sido justamente Fernando Haddad, aquele a quem todos (na imprensa e nos “mercados”) acusavam de ser um irresponsável orçamentário. Como Ministro da Fazenda, os principais feitos fiscais de Haddad são o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária (sobre o consumo).

Ambos os projetos já foram debatidos no Congresso Nacional. Na ocasião, através dos Presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, as propostas foram amplamente elogiadas e devidamente moldadas aos interesses dos grupos que compõe cada casa legislativa. Porém, ao que parece, eles esqueceram que a função de propor e executar o Orçamento da União não lhes cabem. A prerrogativa, como o próprio nome sugere, é do Poder Executivo. Contudo, o que estamos vendo no momento é um intenso ataque do Poder Legislativo às verbas federais.

Para entender a dimensão do problema, precisamos recorrer a alguns dados sobre as despesas do governo federal. No orçamento, há um conjunto de gastos que são obrigatórios, pois são garantidos pela Constituição. São despesas com saúde, educação, salários, aposentadorias, etc. Só aí já vai cerca de 90% do gasto primário, que está em cerca de R$ 2 trilhões. Sobra apenas 10% do orçamento para as despesas discricionárias, aquelas em que o Poder Executivo pode gastar com projetos e propostas que atendam aos mais diversos interesses sociais (desde as elites até as camadas populares). É um valor em torno de R$ 200 bilhões que podem ser alocados em investimentos, pesquisa, aumento de salários, melhoria de serviços públicos, programas sociais, etc.

No caso de Arthur Lira, a cobiça pode ser vista nas pressões que ele tem exercido para aumentar em R$ 5,6 bilhões as emendas parlamentares de 2024. Esse valor até estava previsto no projeto orçamentário aprovado em 2023, porém Lula vetou o trecho da lei que garantia o recurso. Essa verba parece pequena, mas não é. O problema é que o Poder Legislativo já está autorizado a gastar, de acordo com os critérios que bem entender, um total de R$ 44,7 bilhões do orçamento de 2024. Este valor fica em torno de 22% das despesas discricionárias. Ou seja, Pacheco e Lira já tem uma grande soma de dinheiro que passa longe dos projetos propostos por Lula e sua equipe.

Por falar em Rodrigo Pacheco, na última semana foi a sua vez de sair para a briga pública com Lula e sua equipe. Para além da briga com o STF, por conta do fim das desonerações da folha de pagamento, e da derrubada dos vetos que reduzem as emendas parlamentares, outras ações do senador prometem comprometer o orçamento federal. A mais famosa é a PEC do Quinquênio, que dá aumento salarial automático de 5% a cada 5 anos para servidores públicos do Poder Judiciário e do Ministério Público (e, em cascata, TCU, AGU, PF e outros). O custo disso pode chegar a R$ 82 bilhões até 2026. Além disso, Pacheco articula um acordo de renegociação das dívidas dos estados com a União. Isto trará novas limitações orçamentárias nos próximos anos.

Enfim, longe de ser um fiscalista inveterado ou de momento, o que é procuro nesta análise é jogar luz sobre um problema que certamente vai interferir na recuperação da economia nacional na atual década: a falta de coordenação nos gastos discricionários. A experiência mundial mostrou no passado e tem mostrado no presente que, para superar os gargalos e limitações que caracterizam o atraso econômico, é preciso um amplo e articulado projeto de desenvolvimento.

Apesar de o governo Lula ainda não ter apresentado um plano desse tipo, mas medidas mais ou menos amplas, os presidentes das casas legislativas estão atuando para tornar as coisas um pouco mais difíceis. Nada de novo no front. É o fogo inimigo minando um governo progressista. Resta saber se haverá contra-ataque ou não...


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Maria Fernanda Vieira, Guilherme de Paula, Lara Souza, Valentine de Moura, Gustavo Figueiredo e Paola Arruda.

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