quarta-feira, 10 de julho de 2024

Desvalorização cambial: um olhar além da responsabilidade fiscal

Semana de 01 a 07 de julho de 2024

 

Paola Teotônio Cavalcanti de Arruda[i]

Lucas Milanez de Lima Almeida [ii]

 

A contínua desvalorização do real nas últimas semanas tem gerado um intenso debate sobre o fenômeno monetário-financeiro internacional. Muitas opiniões apontam a irresponsabilidade fiscal como a principal culpada pelos sucessivos declínios do valor do real frente ao dólar, a moeda de referência do sistema monetário global.

Para entender a situação, é preciso ir além da justificativa de que o déficit fiscal ou mesmo as falas do Presidente Lula seriam os culpados por todas as mazelas econômicas no país. Precisamos compreender que as instabilidades cambiais que se apresentam estão mais relacionadas à forma como o sistema monetário internacional se constitui, que a problemas internos à nossa economia. Isso ocorre porque as economias emergentes, como o Brasil, enfrentam movimentos recorrentes de fluxos de capitais (especulativos), alternando entre períodos de abundância e escassez de moeda estrangeira.

O que acontece é que, durante os períodos de abundância, essas economias atraem grandes volumes de investimentos externos, resultando na apreciação de suas moedas e na expansão do crédito doméstico. No entanto, esses influxos são frequentemente seguidos por saídas súbitas de capital, desencadeando desvalorizações cambiais ou até mesmo crises financeiras. Esse movimento alternado, que algumas vezes destoa do ciclo típico das economias capitalistas, tende a ser impulsionado por fatores externos. Os maiores exemplos são a política monetária dos Estados Unidos e a liberalização das contas de capital, que tornam as economias emergentes vulneráveis às especulações dos mercados globais. A interação entre a globalização financeira e as políticas monetárias de influência internacional amplifica a instabilidade, dificultando a manutenção de um equilíbrio entre crescimento econômico e estabilidade cambial nessas regiões.

Assim, para conter os efeitos da globalização e manter a liquidez financeira, cada país tem adotado uma estratégia. No caso do Brasil, adotamos uma política de juro hostil desde a década de 1990, que prejudica o crescimento da indústria e atinge negativamente nossa capacidade exportadora, ao mesmo tempo em que torna a manufatura dependente das importações. Por exemplo, de acordo com estudo da Cefeb-Fipe, confirmadas as projeções nos juros para o fim de 2024, as despesas financeiras das empresas nacionais teriam um aumento de 73%. Ainda segundo o estudo, isto tornaria insuficiente a geração de caixa para essas empresas pagarem suas dívidas.

Ao ter que assumir a responsabilidade pelos efeitos das dinâmicas financeiras globais, o país enrijece sua política monetária ainda sob a lógica do que chamamos de tripé macroeconômico. Isso limita o leque de possibilidades na solução dos seus problemas econômicos internos. Se a questão é inflacionária, a resposta deve ser uma nova “meta contínua de inflação”, de 3% ao ano. A justificativa: gerar “maior previsibilidade para investimentos de longo prazo”. Somando-se a isso vem a proposta de um “arrocho” fiscal, que corta em R$ 25,9 milhões as despesas obrigatórias para 2025, conforme anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ao mesmo tempo, se há deterioração no câmbio, o remédio “óbvio” é o aumento da taxa Selic e a manutenção de uma política de juro agressiva, para manter a “credibilidade” do Banco Central.

Cortam-se os gastos fazendo um “pente-fino” nos cadastros de beneficiários de programas sociais. Nos grandes meios de comunicação, uma nova reforma para o INSS passa a ser defendida e veiculada como necessária. Mal se fala sobre onerar os mais ricos, ou suprimir as emendas parlamentares. Também pouco se comenta sobre os impactos da política de juros nos setores da indústria brasileira e sobre como isso afeta negativamente a geração de renda, emprego e desenvolvimento no país. Nem mesmo se menciona as muitas centenas de bilhões de reais que saem do orçamento direto para o pagamento dos juros da dívida pública (cada 1% da Selic custa em torno de R$ 30 bilhões). E a corda segue arrebentando para o lado mais fraco: o do povo.

Portanto, atribuir a desvalorização do real exclusivamente a fatores internos, como a “irresponsabilidade fiscal”, é adotar uma visão simplista e negligente das verdadeiras causas dessas variações na economia brasileira. A resposta do Brasil a essas pressões externas tem sido uma política monetária rígida e uma abordagem fiscal austera, que, por trás do discurso de estabilidade econômica, prejudica o crescimento industrial e a balança comercial do país. A solução para as crises cambiais e inflacionárias precisa considerar a complexidade das interações globais, para promover um crescimento adequado e um desenvolvimento socioeconômico inclusivo no país.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com).

[ii] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Ryann Félix, Guilherme de Paula, Lara Souza, Valentine de Moura e Paola Arruda.

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