quinta-feira, 4 de julho de 2024

Decisão do Copom: derrota ou vitória?

Semana de 24 a 29 de junho de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

A publicação da ata da reunião do Copom veio tentar reforçar os argumentos que sustentaram as decisões de interromper a redução da Selic. Em nada reforçaram, porém, a justeza da decisão. Não é necessária muita teoria para se concluir que uma taxa de juros elevada em nada afeta as “incertezas econômicas externas”, ou seja, para esta causa o remédio apontado é inútil. Outro argumento usado pelo Boletim Focus, as “perspectivas desancoradas” do mercado também não sofrem qualquer alteração. Melhor seria se proibissem o próprio presidente, Campos Neto, de falar as bobagens que influem nas “expectativas”. Como os jornais noticiaram, ele andou por aí discursando e difamando o BC futuro, que será constituído com nomes indicados pelo presidente Lula.

Nos jantares e cerimônias de que participou, como a promovida pelo governador de São Paulo, fez questão de levantar suspeitas sobre o novo Banco Central (BC), no que tem sido ajudado pelo coro dos grandes jornais. O outro argumento usado, sobre a elevação das projeções de inflação, igualmente não se justifica, pois o próprio BC calculou que o IPCA teve uma elevação de apenas 0,06%. O último argumento é o da “resiliência da atividade econômica”. Aí fica clara a verdadeira intenção do BC: dificultar o crescimento da economia. Quanto pior, melhor!

É a confirmação das denúncias feitas aqui nesta coluna: para o BC, a desgraça do país é o crescimento da economia, a queda do desemprego, que está no patamar mais baixo dos últimos 10 anos, a elevação dos salários, que provoca o aumento do consumo etc. Muita razão tem o presidente Lula ao denunciar o Roberto Campos Neto como agente do atraso. É lamentável que os partidos e as forças sociais não façam esta denúncia e as próprias entidades empresariais, que começaram a se pronunciar, não aumentem o coro dos protestos.

 O papel nefasto da elevação dos juros para a atividade econômica é reconhecido por várias teorias. Não é preciso recorrer a Marx para se chegar a esta conclusão. O jornalista Pedro Cafardo, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, cita alguns exemplos. No Brasil, depois de 2005, com juros reais médios de 6,5%, um rentista aplicando seus recursos, dobraria seu capital em 11 anos. No mesmo período, nos EUA, com juros reais de 0,4%, o capital empregado só dobraria em 173 anos. Os altos rendimentos resultantes das elevadas taxas de juros contaminam toda a sociedade e contaminaram o próprio setor industrial, que começou a desviar parte de seu capital produtivo para “aplicações financeiras”, são os tais “ativos financeiros”.

Isso serviu de base para a aliança estre estes capitais e o setor financeiro-rentista, formando um poderoso bloco financeiro-rentista-industrial, que atualmente domina o congresso nacional e influencia todos os poderes da república. Cafardo baseia-se no livro “Financeirização, Crise, Estagnação e Desigualdade”, do cientista social da USP Bruno Mader. Bruno utiliza as teorias do economista polonês Michael Kalecki (1899-1970). Não é necessário, portanto, recorrer a Marx para se chegar a esta conclusão. Kalecki não é marxista, e desenvolve uma teoria com grande semelhança ao keynesianismo.

Temos, assim, mesmo sem recorrer a Marx, uma base teórica capaz de explicar a atual aliança de forças que dominam a política e as instituições no país. É contra este poderoso grupo que temos de lutar.

Para nossa felicidade, temos como timoneiro do barco o hábil negociador que é o presidente Lula. Como explicar o resultado do último Copom que aparentou uma grande derrota do governo? O resultado é tão aberrante que nos leva a pensar em uma grande manobra do presidente para tentar reduzir o ruído atualmente existente e viabilizar a futura indicação do possível candidato para a presidência do BC, o Galípolo, Lula teria orientado os diretores por ele indicados para votar com os demais.  Parecendo ter sofrido uma grande derrota o timoneiro manobrou o barco para desviá-lo dos recifes e prosseguir navegando no rumo programado. A situação permanece muito tensa, mas a colisão imediata com os recifes foi evitada. O prosseguimento dependerá da correlação de forças que se está alterando. O frentão, que ganhou as eleições, está se rachando, como era previsível. O resultado dependerá das lutas que se aproximam.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Brenda Tiburtino e Paulo Vitor.

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