quinta-feira, 19 de setembro de 2024

AS “SURPRESAS” E OS “NOVOS PERIGOS” QUE RONDAM A ECONOMIA

Semana de 09 a 15 de setembro de 2024

 

Rosângela Palhano Ramalho [i] 

           

Caro leitor, esta foi a semana das surpresas! Após a divulgação do PIB trimestral de 1,4% no segundo trimestre do ano, que cresceu acima do 0,9% esperado, novas informações reforçam o bom momento econômico. O volume de vendas do varejo restrito, por exemplo, subiu 0,6% em julho quando comparado a junho. De novo, surpresa! A expectativa mediana coletada pelo Jornal Valor Econômico era de aumento de 0,5%. E o varejo ampliado, que inclui veículos, material de construção e atacarejo, cresceu 0,1%. Surpresa, de novo! A expectativa mediana para este indicador era de queda de 0,4%. No que diz respeito aos serviços transacionados internamente, o volume cresceu 1,2% em julho, segundo a Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE. Novamente, surpresa! Esperava-se pela mediana das estimativas, estabilidade e não crescimento.

Para desespero de alguns e contrariando a expectativa dos “mercados”, este aquecimento da economia não está gerando “pressões” inflacionárias. O último dado sobre a inflação reforça a tendência de o IPCA finalizar dentro dos parâmetros estabelecidos. Em agosto, foi registrada pela primeira vez, em quase dois anos, uma deflação, ou seja, redução generalizada dos preços internos. O IPCA caiu 0,02% e também este resultado surpreendeu, tanto o mercado, que esperava uma alta de 0,01%, quanto o Banco Central, que projetava alta de 0,07%! No acumulado do ano, a inflação segue evoluindo no centro da meta e até agosto o índice acumulado é de 2,82%.

Em relação à inflação, o leitor assíduo de nossa coluna deve ter notado que, ao longo deste ano, vários sinais de alerta foram levantados. Associados, nem sempre pelos mesmos motivos, rentistas e economistas ortodoxos, apresentaram os mais diversos cenários, sempre alarmistas, nos quais eram listados os mais diversos riscos inflacionários. A redefinição das metas fiscais, a aceleração pontual do câmbio, a tragédia do Rio Grande do Sul, a “contaminação política” do Copom a corroer a credibilidade do da autoridade monetária, a inflação dos serviços, o crescimento do PIB e do emprego foram elencados como “riscos” para o aumento dos preços, em virtude da desancoragem das expectativas inflacionárias... do mercado! Tal cenário catastrófico gerou uma pressão sem precedentes para que o Banco Central volte a adotar uma política monetária austera. O que se conseguiu até agora foi a interrupção do ciclo de corte da taxa de juros em maio, que permanece em 10,5% até hoje.

Mas, ao acessar as últimas manchetes econômicas, percebe-se que a pressão pela alta continua. “Novos perigos” já estão apresentados! Basta olhar como a deflação de agosto foi noticiada. Segue alguns exemplos: “Deflação de 0,02% em agosto surpreende BC e mercado” (Jornal do Brasil, 10/09/2024); “Deflação em agosto é pontual, e queda dos preços está longe de trazer conforto para o Banco Central” (Estadão, 10/09/2024); “Deflação é boa notícia em agosto, mas não deve durar ou impactar decisão do BC” (Globonews, 10/09/2024); “Com deflação, IPCA tem alívio pontual, mas seca já pressiona” (Valor Econômico, 11/09/2024); “Brasil registra deflação em agosto, mas o cenário ainda exige cautela” (Capital News, 14/09/2024). Surpresas, cautela, riscos... O aumento do preço da energia elétrica e a seca que se abate sobre o país são as novas desculpas para o aumento dos juros.

Enfim, a intervenção promovida pelo governo Lula tem produzido resultados, que não deveriam ser recebidos como surpresas já que em sua maioria, vêm seguindo uma tendência desde o final do ano passado. Já temos quase dois anos de gestão e não, o Brasil não se tornou uma Venezuela (na previsão de Paulo Guedes, seja lá o que isso for em sua cabeça sequelada de ideologia), nem a catástrofe inflacionária está a caminho. Entretanto, a alta da taxa de juros já está “contratada” pelo mercado. Nos dias 17 e 18 de setembro, o Copom volta a se reunir. E de novo, teremos a infelicidade de acompanhar a autoridade monetária curvando-se aos anseios do intangível ente, mesmo que isto custe ignorar os dados econômicos objetivos e eliminar as conquistas sociais derivadas do crescimento econômico. Neste ínterim, nenhuma surpresa!


[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Guilherme de Paula, Ryann Félix e Gustavo Figueiredo.

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quinta-feira, 12 de setembro de 2024

NÓS ESTÁVAMOS CERTOS...

Semana de 02 a 08 de setembro de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida[i]

           

Ainda em 2022, nós, redatores desta coluna, previmos que, em 2023, o Brasil sairia do atoleiro que entrou no longínquo ano de 2014. Não foi bola de cristal, mas a teoria que embasa nossas análises. Detalhe, ela vem dos ensinamentos de Karl Marx...

O contexto das nossas previsões era bastante tenebroso, sobretudo porque os “analistas do mercado” anunciavam uma catástrofe causada pela terceira eleição de Lula. Recentemente, virou meme a fala de Paulo Guedes ao (des)influenciador digital conhecido como “Primo Rico”. O Brasil viraria uma Argentina e, depois, logo seria uma Venezuela. Hoje risível, esta frase retrata muito bem o espírito (de porco) do “mercado” à época. Contudo, quem estuda de forma séria um fenômeno conhecido como ciclo econômico sabe que esse mal agouro só aconteceria se uma catástrofe se abatesse sobre o país.

É da natureza do capitalismo oscilar entre momentos de maior e menor intensidade do crescimento econômico. Além disso, esse movimento é periódico e regular, por isso chamamos de movimento cíclico. Por fim, não adianta tentar acabar com as crises que o capitalismo produz, o máximo que se consegue é adiá-la ou mesmo prolongá-la.

Em 2014, o Brasil entrou numa fase de desaceleração cíclica. Contudo, desde o Golpe de 2016, ainda sem termos iniciado nossa recuperação, as políticas adotadas por Temer e Bolsonaro puxaram o freio de mão da nossa economia. A austeridade fiscal imperou, enquanto partes importantes da nossa sociedade (e não apenas da economia) ficaram à míngua. Por isso, até a pandemia de covid-19, o crescimento do PIB sequer chegou a 2%. No contexto da pandemia, a economia até cresceu, mas como resultado das medidas emergenciais de redução de danos. Em 2020, a queda foi de 3,3%, seguido de um crescimento de 4,8%, em 2021. Em 2022, devido ao desespero para se reeleger e, por isso, abrir alopradamente os cofres do governo, Bolsonaro conseguiu “produzir” um crescimento de quase 3%.

Porém, os dados de 2023 e, principalmente, do primeiro semestre de 2024 têm mostrado que a economia entrou em uma recuperação cíclica consistente (na medida do possível). As informações referentes aos meses entre abril e junho de 2024 mostram que foram os componentes domésticos que puxaram o crescimento de 1,4% em relação aos meses de janeiro a março, quando já crescemos 1%. Dentre os componentes domésticos que melhoraram, o destaque vai para os investimentos (aumento de 2,1%), gastos do governo (1,3%) e consumo das famílias (1,3%). Por sua vez, os componentes externos não puxaram nosso crescimento, pelo contrário, se dependesse deles, o PIB teria caído. As exportações cresceram 1,4%, mas as importações se elevaram em 7,6%.

Essa pressão externa “contra” o PIB é melhor entendida quando olhamos os setores da economia. A agropecuária, nossa grande exportadora, recuou 2,3% no segundo trimestre de 2024. Por sua vez, mesmo a indústria crescendo 1,8% neste mesmo período, isso está longe de atender às necessidades brasileiras de produtos manufaturados. Como já tratamos anteriormente, dada a nossa desindustrialização, uma parte importante dos bens mais elaborados que usamos chega via importações.

Com isso, podemos ver que os bons ventos que geraram nosso crescimento, via demanda doméstica, também geraram parte das pressões externas para conter esse mesmo crescimento. E a grande causa do problema está na nossa própria economia. Se passaram mais de 10 anos desde os últimos projetos de desenvolvimento da estrutura produtiva brasileira. Ou seja, de lá pra cá foram inúmeras políticas restritivas e (quase) nenhuma em prol da melhoria efetiva das condições de oferta.

E é aí que repito o que já foi dito em nossas primeiras previsões: sabendo aproveitar o movimento cíclico, a adoção de políticas econômicas que visam melhorar as condições de produção serão o combustível do nosso crescimento. O que é preciso, porém, é mudar o motor. Atualmente, estamos subindo uma ladeira íngreme com um carro 1.0, movido a gás natural. Ou os projetos do PAC e da Nova Indústria Brasil saem do papel ou outra previsão nossa se realizará: se nada mudar, essa decolagem da economia brasileira tem tudo para ser mais um curto voo de galinha.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Raquel Lima, Maria Vitória Freitas, Lara Souza, Maria Fernanda Vieira, Brenda Tiburtino e Paola Arruda.

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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Tensões políticas e econômicas: o panorama atual do Brasil

Semana de 26 de agosto a 01 de setembro de 2024

 

Paola Teotônio Cavalcanti de Arruda[i] 

           

O avanço de Pablo Marçal (PRTB) na corrida pela Prefeitura de São Paulo reflete um fenômeno que vai além de Jair Bolsonaro: o fortalecimento do "bolsonarismo" como movimento político. Com a inelegibilidade de Bolsonaro, muitos aliados temiam que esse movimento, baseado em uma agenda conservadora, antipetista e populista, ganhasse vida própria. Como demonstrado pela ascensão de Marçal nas pesquisas, esse cenário se tornou uma realidade, evidenciando que o "bolsonarismo" se estabeleceu com um piso de 20% do eleitorado, que não deve ser subestimado.

Embora inicialmente visto como um oponente e atacado pela família Bolsonaro, Marçal capitalizou o bolsonarismo em São Paulo, adotando uma estratégia “antissistema” similar à de Bolsonaro. O embate entre Marçal e a família Bolsonaro ilustra a tensão interna e a disputa por espaço dentro desse segmento político, revelando que o bolsonarismo, como força política, pode continuar a influenciar as eleições, mesmo sem a presença direta de seu criador. O bolsonarismo se configura, portanto, não como um fenômeno isolado, mas como um sintoma maior da crise da crise político-democrática brasileira, da deslegitimação das instituições e do descrédito popular nos processos políticos.

Mas não é apenas na disputa entre Pablo Marçal e a família Bolsonaro que se estabelecem tensões e disputas por poder. A discussão do COPOM, sobre o aumento da taxa de juros no país, evidencia outro embate político nacional, que tem ganhado destaque nas manchetes dos jornais nos últimos meses. A recente indicação de Galípolo para a Presidência do Banco Central intensificou o debate sobre a necessidade de que ele se mantenha no campo técnico ao tomar decisões monetárias.

No entanto, há uma contradição nesse discurso, que revela embates por influência: as decisões do Banco Central são consideradas técnicas apenas quando coincidem com o interesse do mercado financeiro. Se as deliberações forem contrárias a esses interesses, como é o caso da redução da taxa de juros, são imediatamente classificadas como "políticas" e, portanto, vistas como menos válidas. Essa lógica revela um viés que questiona a imparcialidade atribuída ao campo técnico, expondo a influência dos interesses do mercado financeiro sobre o que é considerado uma decisão legítima.

Como já trazido em outras análises, a justificativa para a manutenção de uma Selic elevada está na suposição de o Brasil sofrer com elevado risco inflacionário do país. Todavia, dados divulgados pelo IBGE revelam que, desde maio, tem ocorrido um processo de desinflação, com queda no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15). De 0,44%, em maio, o IPCA-15 caiu para 0,39% em junho, seguindo para 0,30% em julho e findando em 0,19% no mês de agosto. Nesse sentido, o argumento para o aumento da taxa de juros não se mantém, pois os dados sustentam o contrário. O que está em jogo, na verdade, é o interesse do mercado financeiro em reter as taxas elevadas, visto que isso significa maior retorno sobre investimentos em títulos de dívida a investidores e instituições financeiras.

Paralelamente, a manutenção de uma Selic elevada faz com que o custo do crédito suba, desincentivando o consumo e o investimento. Essa estratégia pode gerar efeitos colaterais significativos, visto que uma alta nos juros tende a fazer com que empresas e consumidores reduzam seus gastos. A retração da atividade econômica dificulta a geração de empregos e facilita a diminuição da renda disponível, afetando a demanda. Esses fatores, por sua vez, podem alimentar um ciclo de estagnação, dificultando a recuperação econômica no médio e longo prazo.

Assim, o avanço de Pablo Marçal na corrida pela Prefeitura de São Paulo e a persistente manutenção de uma Selic elevada ilustram como as disputas políticas e econômicas estão interligadas no Brasil. Infelizmente, a ascensão de Marçal demonstra que o bolsonarismo é maior que o próprio Bolsonaro, graças a uma parte da população brasileira que facilmente aderiu a seus discursos vazios e truculentos. Simultaneamente, a decisão do Banco Central de manter taxas de juros altas, sob pressão do mercado financeiro, destaca o impacto de interesses econômicos na formulação de políticas públicas. Essa dinâmica revela como interesses políticos e financeiros moldam o país, frequentemente em prejuízo da recuperação econômica e do desenvolvimento sustentável.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Lara Souza, Ryan Félix, Guilherme de Paula e Gustavo.

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