sábado, 11 de outubro de 2025

JUSTIÇA SOCIAL, AJUSTE FISCAL E INTERESSES ESCUSOS: QUE COMECE A QUEDA DE BRAÇOS!

Semana de 29 de setembro a 05 de outubro de 2025

    

Rosângela Palhano Ramalho[1]

 

Uma semana depois de o povo brasileiro ter ido às ruas contra a investida inconstitucional da Câmara dos Deputados, os desfechos daquela atrocidade pelo país continuam. Aprovada na Câmara com 344 votos favoráveis e 134 contrários, a PEC 03/2021 apelidada “carinhosamente” pela população brasileira de PEC da Impunidade, PEC da Blindagem e PEC da Bandidagem, foi enterrada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal por 26 votos a 0. O povo venceu. A Câmara dos Deputados está exposta. A repercussão negativa foi tão grande que alguns parlamentares vieram a público se desculpar pelo “equívoco” do voto em favor das suas próprias impunidades.

Sob pressão popular, o “Congresso, inimigo do povo” pautou o Projeto de Lei 1.087/2025. O texto, que prevê a isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas com renda mensal de até R$ 5 mil e descontos para quem recebe até R$ 7.350 mensais, foi a plenário e recebeu 493 votos favoráveis e nenhum contra. Desnudos e acuados, os deputados federais foram obrigados a se curvar à promessa de campanha do presidente da República de garantir uma tributação mais justa sobre a renda. Ao contrário da PEC da Bandidagem, que visava proteger previamente os crimes dos parlamentares, esta beneficiará cerca de 26,6 milhões de contribuintes a partir de 2026, trazendo alguma justiça tributária e estimulando a renda interna.

Mas não nos iludamos. Estejamos vigilantes. O Congresso Nacional mais reacionário que o Brasil já teve já demonstrou que não se envergonha das pautas que defende, e que, na primeira oportunidade investirá novamente contra o povo. O Centrão e a extrema-direita, que têm a maioria, por exemplo, continuam insistindo na impunidade dos golpistas condenados ao maquiar e ainda tentar pautar o projeto de anistia, agora camuflado de PL (Projeto de Lei) da dosimetria.

Em relação à conjuntura econômica, seu principal indicador foi divulgado esta semana. O PIB brasileiro cresceu 0,4% no segundo trimestre do ano, quando comparado ao primeiro. Os serviços apresentaram alta de 0,6%, a indústria crescimento de 0,5%, enquanto a agropecuária decresceu 0,1%. O indicador apresentou significativa desaceleração, frente ao 1,4% de alta do primeiro trimestre. O fato é que, como já demonstramos anteriormente nesta coluna, a desaceleração da economia é objetivo central da política monetária.

Estamos pagando um alto custo social e financeiro pela desaceleração econômica. A taxa de juros, ainda em 15%, impõe elevadíssimos gastos ao setor público. Em 12 meses, os gastos com juros já chegaram a R$ 941,2 bilhões até julho. O pagamento de juros inflará o déficit nominal de 2025, deixando-o na casa de 8,5% do PIB. Deste percentual, 8% do PIB referem-se ao pagamento de juros, e o restante e 0,5% apenas corresponde ao resultado primário, que não reúne as despesas financeiras. Mas, este resultado não parece impressionar a autoridade monetária e os parlamentares brasileiros, que se deleitam em propor medidas antipopulares com certo ar de responsabilidade, difíceis de digerir. Ambos acusam o governo de ser esbanjador, e recomendam o corte dos gastos públicos, velho remédio que só parece fazer efeito se for medicado aos pobres, lógico! Corte-se os programas sociais e a renda do povo, dizem eles.

Por fim, as estatísticas do mercado de força de trabalho, completam o cenário econômico semanal. Houve, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego, abertura líquida de 147,4 mil vagas com carteira assinada em agosto. O número ficou aquém da estimativa mediana do “mercado”, que previa a criação de 184 mil vagas. Corajoso, Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), assumiu: “...isso é uma notícia boa, sugerindo que o necessário ajuste do mercado de trabalho já começou.” E completou: “Resta saber se a política não tentará conter esse processo.”

Tal declaração ilustra bem o jogo de forças existente no país. Enquanto o governo tenta executar políticas e programas públicos que reduzam os problemas sociais, a oposição, a autoridade monetária e o mercado financeiro, não se cansam de defender que não existe ajuste fiscal sem punição ao povo.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Jéssica Brito, Paola Arruda, Julia Bomfim, Nelson Rosas, Lara Souza e Raquel Lima.

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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

E O POVO FOI ÀS RUAS

Semana de 22 a 28 de setembro de 2025

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

O leitor certamente acompanhou – senão presencialmente, ao menos pelos meios de comunicação – as manifestações que tomaram conta das ruas brasileiras no dia 21 de setembro de 2025. Convocadas por partidos de esquerda, artistas populares e movimentos sociais, as mobilizações ocorreram em todas as capitais e no Distrito Federal, em resposta direta à aprovação da chamada “PEC da Blindagem” na Câmara dos Deputados. O teor da proposta, ao tentar alterar a Constituição para condicionar o início de processos criminais contra parlamentares à autorização prévia e secreta das Casas Legislativas, acendeu um alerta vermelho na sociedade civil.

A forte reação popular não foi ignorada pelo Senado. Já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a PEC foi rejeitada, refletindo não apenas a pressão das ruas, mas também o desgaste institucional que o tema produziu. É preciso lembrar que o ordenamento jurídico brasileiro já prevê garantias suficientes ao exercício do mandato parlamentar, com a imunidade material para opiniões, palavras e votos, além da prerrogativa das Casas Legislativas de sustar processos que considerem abusivos. Nesse sentido, a tentativa de ampliar ainda mais a blindagem soou como um mecanismo de autoproteção da classe política contra crimes graves como corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, abrindo brechas inclusive para a infiltração de milícias e facções na política.

Fato interessante, caro leitor, é o de que esse episódio conecta-se diretamente a uma discussão global sobre confiança nas instituições. O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), amparado na Pesquisa Mundial sobre Valores (WVS), indica que a confiança nos parlamentos foi a que mais se deteriorou em quase quatro décadas. Entre 1984 e 2022, o índice mundial caiu de 55,2% para 31,3%, praticamente pela metade. A confiança nos governos também apresentou retração, passando de 50% para 39% no mesmo período. Ainda que os dados não detalhem países específicos, o diagnóstico ajuda a compreender o que se passa no Brasil.

De fato, a “PEC da Blindagem” simboliza, para muitos brasileiros, a institucionalização da impunidade. A percepção de que o sistema político cria mecanismos para proteger os seus próprios representantes alimenta um sentimento de injustiça e desigualdade, corroendo o chamado contrato social. A OIT alerta que, sem o fortalecimento desse contrato, a erosão da confiança ameaça a legitimidade das democracias e enfraquece a cooperação internacional. Em outras palavras, quando as pessoas percebem que seus esforços individuais não resultam em recompensas justas, a disposição para colaborar com a coletividade diminui. Esse quadro, no longo prazo, compromete a capacidade de adaptação às transformações sociais e torna o progresso em justiça social ainda mais difícil de ser alcançado.

Por outro lado, as manifestações de setembro de 2025 revelam a vitalidade da democracia brasileira. A mobilização popular mostrou-se capaz de influenciar decisões institucionais e de frear uma proposta que, se aprovada, agravaria a crise de confiança entre sociedade e parlamento. O Senado, ao rejeitar a PEC já na CCJ, sinalizou sensibilidade ao clamor social, reconhecendo que a desconexão entre representantes e representados tem custos políticos cada vez mais altos.

Em síntese, a conjuntura atual traduz a tensão entre duas forças: de um lado, a persistência de práticas políticas que reforçam o distanciamento da sociedade; de outro, a pressão popular que busca resgatar a centralidade do interesse público nas decisões do Estado. O episódio da “PEC da Blindagem” deve, portanto, ser entendido não apenas como uma disputa pontual entre Congresso e sociedade, mas como um marco de inflexão: ou o Brasil enfrenta sua crise de representatividade com reformas institucionais que resgatem a legitimidade democrática, ou continuará aprisionado em ciclos de descrença e instabilidade.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduanda em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Antonio Queirós, Bruno Lins, Camylla Martins, Maria Júlia, Nelson Rosas, Icaro Moisés e Victoria Rodrigues.

   

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