sábado, 16 de março de 2024

Petrobrás vai à falência. Investidores fogem do país

Semana 04 a 10 de março de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Alerta! Atenção, povo brasileiro! A Petrobrás desvalorizou-se em R$ 55 bilhões! Atenção! O prejuízo acaba de aumentar em meio bilhão! (segundo a Globo). Houve uma queda de 33,8% nos lucros. Corram todos. Vendam suas ações! Pânico nas bolsas. O “mercado” está em polvorosa.

Mas, por que todo o berreiro? Que fatos provocaram tanto pânico?

Esta semana foram divulgados alguns dados sobre os lucros da Petrobrás. A empresa teve um lucro de R$ 124,6 bilhões. Não foi prejuízo, foi lucro. Viva! Resolveram distribuir dividendos aos acionistas. Tudo normal. Foram distribuídos R$14,2 bilhões de dividendos ordinários. Durante todo o ano de 2023 a empresa distribuiu R$72,4 bilhões aos acionistas. Ótimo! Este é o segundo maior lucro da história da empresa, é o terceiro maior lucro de todas as empresas de capital aberto do Brasil e o terceiro maior lucro entre todas as petroleiras do mundo. Isto ninguém diz.

Apurados os resultados, o Conselho de Administração decidiu distribuir os dividendos ordinários, mas não os dividendos extraordinários. Estes foram reservados para novos investimentos e aumento das reservas, o que é absolutamente normal. Aí começou o berreiro. Convém lembrar que a Petrobrás é uma Sociedade Anônima de Capital Aberto e, como tal, é dirigida por órgãos constituídos pelos acionistas, segundo o número de ações. Deste modo, em uma sociedade deste tipo, os acionistas que possuem a maioria das ações comandam a sociedade. Na Petrobrás, o governo possui 50,26% das ações ordinárias. O segundo grupo de acionistas são os estrangeiros com 14,02% e o terceiro são os institucionais com 3,46%. Assim, o governo tem o controle absoluto da Petrobrás e por isto deve indicar os membros dos órgãos dirigentes. É claro que as decisões do Conselho de Administração, como em qualquer S.A., seguem as determinações dos acionistas majoritários. Não é nenhuma surpresa nem absurdo que o governo, que tem a maioria das ações, influencie as decisões da empresa, como qualquer capitalista faria, em qualquer lugar do mundo. Por que o berreiro então?

Outro aspecto do problema: o valor de mercado caiu. A empresa perdeu R$55 bilhões. Que horror! Quantos petroleiros perdeu? Quantos poços de petróleo foram tomados? Quantos oleodutos, refinarias, veículos, plataformas foram perdidos?

Nenhum.

Tudo continua como antes. O tal valor de mercado é um número. Como as ações da empresa são negociadas nas bolsas de valores e como nestas bolsas os preços variam segundo os humores do “mercado”, ou seja, são os especuladores que determinam as variações da oferta e procura, são os proprietários destas ações que perdem ou ganham. A empresa em nada é afetada. Continua como está com o seu patrimônio e instalações intactos. Os especuladores e jogadores das bolsas é que perderam ou ganharam. Eis o problema. Os comentários na mídia obedecem aos interesses dos especuladores e não das empresas e muito menos aos interesses do povo e da nação. No caso atual, há a intenção de atacar o governo Lula pensando que podem fazer com ele o que fizeram com a Dilma. A conspiração para dar um golpe não terminou. Para nossa felicidade, não conseguiram pelo modo tradicional, pois desta vez os militares criaram um pouco de juízo (com uma ajudinha dos americanos, claro), apesar da fúria de alguns generais novos e velhos. Mas não desistiram. Continuarão por outros meios, via congresso, via judicial, via desgaste do governo se não conseguir apresentar resultados etc. Vão quebrar a cara. Em relação à Petrobrás, nada de pânico. Dentro de mais algum tempo, os especuladores voltarão a comprar e as ações voltarão a subir de preço e, tão milagrosamente quanto perdeu o valor, a Petrobrás voltará a ganhar.

Há outro assunto que gostaria ainda de abordar nesta Análise: a fuga dos capitais

estrangeiros, em pânico, com o comunismo do governo Lula. Lamentamos dar informações contrárias. A semana foi rica em notícias.

Um cortejo de montadoras desfilou no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio para falar com o ministro Alckmin. Todos estão apressados em fazer grandes investimentos no Brasil. Estiveram em entendimentos a BYD, a Toyota, a GWM, a Stellantis (que reúne a Volks, a GM e a Fiat), a Renault, a Mercedes, a Nissan. Somadas, as intenções de investimento atingem o total de R$87,8 bilhões, sendo que R$67,2 bilhões teriam início nos próximos 3 meses.

Se os planos forem concretizados teremos, nos próximos tempos, um grande crescimento do PIB, do emprego, da massa salarial e, consequentemente, da demanda. E o Brasil voltará ao seleto time dos maiores produtores de veículos do mundo.

Que se cuidem as carpideiras do caos. Os golpistas precisam agir rápido.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Paola Arruda, Dulce Emile, Brenda Tiburtino, Maria Vitória Freitas, Lara Souza e Maria Fernanda Vieira.

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quinta-feira, 7 de março de 2024

Disputa de narrativas sobre o PIB: o que é bom e o que é ruim nos dados de 2023?

Semana de 26 de fevereiro a 03 de março de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

A economia brasileira cresceu, em 2023, mais do que os “analistas de mercado” previram. A subida de 2,9% foi ótima e manteve o (leve) aquecimento econômico do imediato pós-pandemia. Isto foi devidamente publicizado nas mídias pró-governo, incluindo as redes sociais. Por outro lado, essas mesmas redes “denunciaram” a grande mídia por criarem manchetes que relativizavam o feito. Já adianto que o texto de hoje deve desagradar essa claque. Vamos ver que há motivos para o alerta, mas a situação não é tão grave quanto fizeram parecer.

Primeiramente, devemos lembrar que, no capitalismo, só consumimos coisas que são produzidas por terceiros, não por nós mesmos. Cada um de nós acessa esses produtos através do mercado, comprando as mercadorias que necessitamos. Como consequência, temos a chamada lei da oferta e da procura: se a demanda sobe mais rápido que a oferta, o preço do produto aumenta; se a oferta sobe mais rápido que a demanda, o preço cai. Com base nisso, construíram-se os argumentos das análises da grande mídia.

Pois bem, o Consumo da Famílias no Brasil cresceu 3,1% entre 2022 e 2023. Isto significa que aumentou a demanda por mercadorias dentro do país. Isto é um reflexo direto do aumento na renda real da população brasileira. De acordo com dados da PNAD Contínua (apresentados na tabela a seguir), o rendimento dos brasileiros cresceu em torno de 5,2% entre os anos de 2022 e 2023. Por sua vez, a renda cresceu mais para os Empregadores (10,5%), Empregados no setor privado sem carteira assinada (9,3%) e Trabalhadores por conta própria (6,1%). O pior desempenho ficou para os trabalhadores com carteira assinada, seja Empregado no setor público (aumento de 2,1% no rendimento), seja Empregado no setor privado (3,1% de aumento).

Rendimento médio mensal real das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho, efetivamente recebido no trabalho principal (Reais)

Brasil

Ano

Posição na ocupação e categoria do emprego no trabalho principal

Total

Empregado

Empre-gador

Conta própria

Setor privado com carteira

Setor privado sem carteira

Domés-tico

Setor público com carteira

Setor público sem carteira

Setor público - militar e funcio-nário público estatutário

Média 2022

R$ 2.864

R$ 2.937

R$ 1.841

R$ 1.116

R$ 4.626

R$ 2.455

R$ 5.447

R$ 6.757

R$ 2.196

Média 2023

R$ 3.012

R$ 3.028

R$ 2.012

R$ 1.168

R$ 4.722

R$ 2.567

R$ 5.718

R$ 7.469

R$ 2.330

Variação

5,2%

3,1%

9,3%

4,7%

2,1%

4,6%

5,0%

10,5%

6,1%

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE - PNAD Contínua trimestral

Assim, tendo em vista que o consumo e a renda internos cresceram, é preciso que a produção local e/ou as importações também cresçam. Caso contrário, com o aumento da demanda e estagnação da oferta, haverá séria pressão para o aumento dos preços. E os dados de 2023 alertam para isso.

Primeiramente, a produção industrial brasileira cresceu apenas 1,6% entre 2022 e 2023, enquanto a produção de serviços subiu 2,4%. Já os investimentos caíram 3% e as importações, 1,2%. Este é o grande ponto levantado pelos “relativizadores” do bom desempenho do PIB. O consumo e a renda estão em alta, mas a oferta interna não está crescendo na mesma velocidade, muito menos os investimentos.

Contudo, isto ainda não é um desastre. Diante da estagnação que o Brasil vive desde 2017 e da Pandemia de Covid-19, a estrutura produtiva brasileira tem apresentado elevado grau de ociosidade. Ou seja, há capacidade instalada na indústria nacional, mas ela não está sendo utilizada plenamente em muitos dos setores.

Segundo estatísticas da CNI (apresentados na tabela a seguir), a Indústria de transformação brasileira apresentou uma média de 78,7% no uso da sua capacidade instalada (UCI) ao longo dos 12 meses de 2023, uma queda em relação ao observado em 2022. A situação mais crítica está nas atividades de Celulose e papel (média de 92,4% de UCI ao longo de 2023); Outros equipamentos de transporte (90,5%); e Coque, derivados do petróleo e biocombustíveis (90,4%). Para suprir as necessidades internas, essas atividades precisam urgentemente ampliar seus investimentos. Por sua vez, dos 21 setores analisados, seis estão com UCI entre 80% e 90%. A maior parte das atividades (12 delas) tem UCI abaixo de 80%, com destaque negativo para Metalurgia (64,7%) e Bebidas (56,4%).

Média do Uso da Capacidade Instalada (em %) por atividade industrial

2022

2023

Diferença

Alimentos

82,0

79,9

-2,1

Bebidas

57,4

56,4

-1,0

Borracha e material plástico

73,5

73,4

-0,1

Celulose e papel

91,2

92,4

1,2

Coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis

86,1

90,4

4,3

Couro e calçados

87,0

86,2

-0,8

Farmoquímicos e farmacêuticos

77,8

74,5

-3,3

Impressão e reprodução

80,6

80,9

0,3

Madeira

79,9

73,6

-6,3

Máquinas e equipamentos

75,4

74,3

-1,1

Máquinas e materiais elétricos

84,0

76,8

-7,2

Metalurgia

72,0

64,7

-7,3

Móveis

80,4

81,0

0,6

Outros equipamentos de transporte

91,7

90,5

-1,2

Produtos de metal

78,6

76,6

-2,0

Produtos de minerais não metálicos

83,5

77,5

-6,0

Produtos diversos

75,3

75,7

0,4

Químicos (Exceto Perfumaria, Sabões, Detergentes e Produtos de Limpeza e de Higiene Pessoal)

74,0

72,6

-1,4

Têxteis

83,9

82,2

-1,7

Veículos automotores

85,8

82,4

-3,4

Vestuário e acessórios

82,0

81,4

-0,6

Indústria de Transformação

80,6

78,7

-1,9

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do Indicadores CNI

Os dados mostram que, no curto prazo, é possível que a produção do país cresça sem criar grandes pressões inflacionárias domésticas. Mas, reforçam também a necessidade de ampliação dos grandes investimentos no país, tanto público quanto privado. Isso, associado à renovação da estrutura produtiva que incorpora as tecnologias mais modernas, tende a criar um ciclo virtuoso de crescimento para os próximos anos (aqui entram o papel do Novo PAC e da Nova Indústria Brasil).

A questão que sempre se coloca é: será que burguesia brasileira vai aderir aos projetos? Pelo histórico, as chances de isto dar certo não são muito grandes. Mas é isso, a esperança é a última que morre...


[i] Professor do DRI/UFPB, do PPGCPRI/UFPB e do PPGRI/UEPB; Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Guilherme Gomes, Valentine de Moura, Gustavo Figueiredo, Raquel Lima e Paola Arruda.

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sexta-feira, 1 de março de 2024

Apesar de tudo o país vai para a frente

Semana 19 a 25 de fevereiro de 2024

  

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

As aves agourentas estão de crista baixa. O Banco Central (BC) divulgou os números do IBC-Br, Indice de Atividade Econômica do Banco Central, para o mês de dezembro, em relação a novembro, e para o ano todo. Mas o que é o IBC-Br?

Todos sabemos o que é o Produto Interno Bruto (PIB). Ele expressa a soma de tudo que foi produzido no país, ou seja, a produção industrial, agrícola e os serviços. Apesar das reservas que temos a este dado, devido à metodologia dos cálculos, ele é o melhor indicador do estado da economia de um país e serve de comparação entre os países, pois esta metodologia é utilizada por todos. No Brasil, temos um outro indicador, que serve de prévia para o PIB: o IBC-Br, que é calculado pelo Banco Central. Geralmente, há alguma diferença entre os dois indicadores, mas é sempre pequena e por isso este último serve de indicador antecedente. Para desgosto das aves agourentas, que previram o caos com o governo Lula, o IBC-Br, para dezembro, mostrou uma alta de 0,8% e, para o ano de 2023, uma alta de 2,45%. Agora, as consultorias começam a rever apressadamente suas estimativas. O Banco Inter, por exemplo, alterou a sua de 2,9%, para 3,1%. O UBS BB, de 2,9% para 3,0%. O mesmo tem ocorrido com as previsões para 2024. Para este ano, até o Instituto Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal, reviu suas estimativas de crescimento de 1,2% para 1,6%.

Por outro lado, o Boletim Macro da FGV-Ibre mostra-se mais cauteloso. Afirma que o mercado está prevendo “um pouso suave e relativamente rápido” atribuído ao processo de desinflação e ao cenário externo. A FGV também se mostra preocupada com a meta de déficit zero para as contas públicas, uma vez que a política fiscal tem sido “expansionista” e este ano é ano de eleição. Fala ainda em “cenário desafiador” e prevê um enfraquecimento generalizado da atividade econômica. No entanto, no comércio o número de estabelecimentos cresceu de 2,33 milhões para 2,52 milhões, crescimento considerado modesto.

Como se explica este crescimento da economia? Temos falado que estamos na fase de crise do ciclo econômico e que isto dificulta os planos do governo de fazer o país crescer. É aqui que temos de levar em consideração os efeitos da política econômica. A primeira coisa a destacar é o funcionamento do Estado. Estamos passando de um funcionamento zero para uma ação permanente dos órgãos do Estado. Isto significa mais compras, mais pagamentos, mais atividades que lançam dinheiro na economia. Temos ainda a queda dos juros, que facilita o crédito, e a queda da inadimplência. Os ritmos da inflação igualmente estão se reduzindo. Lembremos ainda a PEC da transição, que permitiu o início do governo e a cobertura dos rombos do orçamento deixados pelo governo anterior. Há ainda um outro fator, que inicialmente era considerado como desastre, mas agora mostra seu lado positivo: o não pagamento dos precatórios, adiado pelo desgoverno anterior. R$92,4 bilhões deixaram de ser pagos em 2023. Desse montante, o governo Lula resolveu pagar R$30,1 bilhões logo agora em fevereiro. A questão é que este pagamento está fora dos limites do teto de gastos e torna-se um forte estímulo, ao injetar este volume de dinheiro na economia. Para irritar ainda mais a aves agourentas do bolsonarismo, a arrecadação federal de impostos alcançou R$280 bilhões, em janeiro, o que significa uma alta real de 6,6% em relação a igual mês de 2023. Este aumento é atribuído à taxação dos fundos exclusivos, ao ajuste das declarações de IRPJ e CSLL das empresas, ao aumento da massa salarial de 7,2%, que provocou um aumento das receitas previdenciárias de 7%, e a alta do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de rendimentos do trabalho, que cresceu 8,7%.

Tudo isto são fatos que os mala-e-feios reunidos aos gritos histéricos na avenida Paulista não conseguem apagar. É lamentável que uma parcela da população ainda se deixe levar por esta histeria ideológica que, apesar de todo o barulho que consegue fazer, não está conseguindo impedir o país de continuar seu caminho para a frente.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Paola Arruda e Valentine Moura.

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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Atraso tecnológico: mais um dilema para a Nova Indústria Brasil

Semana de 12 a 18 de fevereiro de 2024

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

O carnaval acabou e a semana passada sequer teve três dias úteis. Normalmente, pouca coisa muda na economia brasileira durante tais festejos. Por isso, seguiremos a série de textos sobre a política industrial chamada de Nova Indústria Brasil (NIB). Hoje, falaremos do chamado “gap” ou “hiato” tecnológico.

Termos muito utilizados no “economês”, o “gap” e o “hiato” são duas palavras usadas para expressar a mesma coisa: a diferença entre o valor real de uma variável e o seu valor ideal (previsto, estimado ou considerado de excelência). No caso da tecnologia, os termos “gap” e “hiato” servem para expressar o diferencial entre o nível de desenvolvimento tecnológico alcançado por um país e os padrões alcançados pelas economias mais avançadas. Quanto maior o hiato (ou gap), maior o atraso do país em questão.

Há diversas formas de mensurar o hiato tecnológico, desde a participação dos setores de média e alta tecnologia no PIB, no emprego, na renda, nas exportações e na P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), até o número de patentes registradas e inovações implementadas a cada ano. Disto podemos deduzir: os países que já dispõem de infraestrutura técnica-científica-produtiva avançada são aqueles que lideram o desenvolvimento industrial mundial.

No capitalismo, a pesquisadora Carlota Perez apontou cinco grandes revoluções tecnológicas que mudaram o curso da História e criaram novos paradigmas: Revolução Industrial; Era do vapor e ferrovias; Era do aço e engenharia pesada; Era do petróleo, automóveis e produção em massa; e Era da informática e telecomunicações. Dessas, o Brasil internalizou em seu território a estrutura produtiva das quatro primeiras, mas de forma muito desigual, dependente e descompassada. Só não internalizou a estrutura produtiva capaz de garantir a reprodução das tecnologias da informação e da comunicação (TIC). E isto é um grave problema.

Em todas as Eras, por mais que mudassem as tecnologias líderes, os produtos das tecnologias antigas eram incorporados ou “reinventados” a partir das novas. Inovação também é isso, fazer a mesma coisa, só que diferente. Por exemplo, mesmo com a Era dos automóveis, uma parte significativa dos transportes continuou a ocorrer em navios e trens. Com o advento da Era da informação foi a mesma coisa: colheitadeiras à diesel passaram a trabalhar sem a necessidade de motoristas, pois começaram a ser guiadas por redes móveis e GPS.

Por sua vez, tudo leva a crer que o próximo paradigma tecnológico está ligado à “economia verde” e às suas aplicações. Por exemplo, o transporte de cargas e pessoas ainda vai existir de maneira muito parecida com o que temos hoje. A diferença é que os motores à combustão serão substituídos por elétricos, e os motoristas, trocados pelos computadores. Enquanto isso, os recursos renováveis certamente se tornarão a base da geração de energia. Hoje, cerca de 80% de toda energia que move o mundo vem do petróleo e derivados, do carvão e do gás natural.

Como já vimos, para ter e desenvolver algo ligado aos novos paradigmas, é necessário ter know-how, ou seja, acumular elementos da infraestrutura técnico-científica-produtiva, baseada em tecnologias de ponta. O problema é que o Brasil tem um hiato tecnológico elevado, o que limita nosso crescimento de curto prazo.

Em primeiro lugar, o Brasil viu sua indústria definhar nos últimos 30 anos, através daquilo que chamamos de desindustrialização. Em segundo, essa indústria não deu o passo seguinte na implementação de novas fábricas produtoras de máquinas para outras fábricas. Isso é ainda pior com aquelas que fornecem o maquinário produtor das TIC. Em terceiro, vimos uma redução brutal das verbas públicas destinadas à pesquisa e à inovação, em especial após o Golpe de 2016. Sem falar que, em 2022, batemos recorde na “fuga de cérebros” para o exterior.

Diante do que foi levantado, alguns problemas se apresentam de maneira urgente: como realizar a transição de uma estrutura produtiva atrasada para uma (relativamente) avançada? Será possível “queimar” etapas e chegar à economia verde sem termos sólidas bases nas TIC? Como convencer nossa burguesia de que isso pode ser rentável pra ela? Como outros países mais avançados podem ser aproveitados (ou aproveitadores) nesse processo?

Resumindo, para o Brasil avançar, é preciso muito planejamento e engenharia econômica, para encontrar aqueles que certamente serão os gargalos da NIB. Caso contrário, continuaremos atrasados e, por isso, dependentes de empresas estrangeiras, para vermos nossa economia funcionar. Esse é outro dilema...


[i] Professor do DRI/UFPB, PPGCPRI/UFPB e PPGRI/UEPB. Coordenador do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Valentine de Moura, Gustavo Figueiredo, Raquel Lima e Paola Arruda.

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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Ainda a Nova Indústria Brasil (NIB)

Semana 05 a 11 de fevereiro de 2024

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

Continua na pauta o debate sobre a Nova Indústria Brasil (NIB), divulgada em documento, semanas atrás, e de que já tratamos aqui. Como também falamos, fazia falta a elaboração de ações que orientassem a construção de uma política para a neoindustrialização do país. O Brasil já havia alcançado uma posição destacada no campo da agroindústria e como fornecedor de produtos agrícolas e minerais, as chamadas commodities. Tornou-se um dos maiores exportadores mundiais de várias delas. Avançamos em outra posição de destaque no campo do petróleo e derivados, o que foi consagrado com o convite para integrar a OPEP plus. Faz falta assumir, então, uma posição no terreno da produção industrial, onde já estivemos entre os 10 maiores do mundo. Esta posição foi sendo perdida diante da incompetência e subserviência da burguesia nacional e de sucessivos governos. Com o avanço do capitalismo e das tecnologias na agricultura, ganhamos a atual posição de destaque no agronegócio. Há que lamentar a destruição causada nos diferentes biomas, onde a ganância se sobrepõe à racionalidade e práticas predatórias foram disseminadas, provocando danos de difícil reparação. Todos estes fenômenos transcorreram sem despertar grandes celeumas ou controvérsias. Agora a casa de marimbondos foi assanhada. E o que vem provocando tal confusão?

Uma velha discussão, há muito superada, voltou: a discussão sobre o papel do Estado na economia. Falamos disso em uma análise anterior. A discussão divide os economistas em duas correntes: os chamados ortodoxos (liberais, neoclássicos), que defendem a não intervenção do Estado na economia, e a outra corrente, os heterodoxos (keynesianos, desenvolvimentistas, marxistas), que consideram que o Estado deve ter uma função de orientação e coordenação na promoção do crescimento. A predominância dos heterodoxos no governo atual levou à publicação do documento.

Para a realização da NIB, estão destinados recursos da ordem de R$ 300 bilhões a serem gastos em 4 anos. Aí começou o berreiro. Os guardiões do equilíbrio fiscal passaram a criticar a gastança, que terá consequências no aumento do déficit do orçamento. Não se deram conta que no documento não está previsto nenhum tostão do tesouro. Os recursos virão do FNDCT, do FUST, do FAT e de captação internacional. É de notar ainda que, quando o governo reservou R$ 364 bilhões para o Plano Safra gastar em um ano, não houve qualquer protesto. Os críticos nem sequer se dão ao trabalho de olhar para o que ocorre no mundo capitalista desenvolvido neste momento de reestruturação da globalização. As políticas industriais estão dominando o mundo. Para se ter uma ideia, em muitos países desenvolvidos estão sendo praticadas políticas de industrialização e, para isto, são destinados imensos recursos. Somando-se EUA, União Europeia, Reino Unido e Japão, por exemplo, o montante atinge US$ 6,8 trilhões. E é preciso considerar as desvantagens que temos por cá, como o “custo Brasil” que atinge R$ 1,7 trilhão. Além disso, os spreads bancários aqui são de 27,4%, enquanto a média mundial é de 7,3%.

O NIB destacou 4 temas para a ação do governo: inovação, produtividade, descarbonização e exportação, tendo como elemento central a indústria. Pretende-se estimular o combate às emissões dos gases de efeito estufa, a produção de biocombustíveis, a criação de uma matriz energética mais limpa, ações em que já temos experiência.

As propostas visam a nos posicionar melhor nesta nova etapa da globalização, uma vez que já se compreendeu que não há como fugir da integração neste processo. O acirramento das tensões internacionais ameaça interromper os circuitos comerciais que passam pelo mar vermelho. Aumentam as possibilidades de generalização da guerra na região da Palestina, diante dos massacres praticados por Israel em Gaza. Tornaram-se cada vez mais usados os termos como friend-shoring, nearshoring, indicando o deslocamento das relações comerciais do Ocidente para países mais próximos e o enfraquecimento das ligações com os países asiáticos, o que é ainda mais agravado pelas tensões com a China. Torna-se necessário aproveitar o momento.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Guilherme de Paula, Gustavo Figueiredo, Paola Arruda, Raquel Lima e Valentine Moura.

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