quinta-feira, 31 de julho de 2008

O Estado e o capitalismo: bem-me-quer, mal-me-quer.

Semana de 14 a 20 de julho de 2008

É impressionante como o papel do Estado no mundo atual é moldado conforme as etapas do ciclo econômico e os interesses dos capitalistas. Nas fases de prosperidade, quando grandes somas de lucros são auferidas sem muitos problemas, o Estado é apontado como o responsável pelo entrave ao “desenvolvimento” econômico e à eficiência alocativa, tendo em vista que, nestes momentos, a intervenção estatal, por vezes, compromete a realização de lucros em montantes ainda superiores. Por outro lado, nos períodos de crise, o discurso de que o Estado atrapalha o funcionamento eficiente da economia parece nunca ter existido, e, ao invés disto, o Estado é requisitado a intervir efetivamente, para salvar fortunas e evitar o colapso de grandes companhias, custe o que custar.
É por este motivo que, diferentemente de Keynes, Marx não via, na intervenção do Estado, a solução para os problemas distributivos do modo capitalista de produção. Pelo contrário, em oposição à Keynes, Marx considerava que o Estado estava subordinado ao capital, que o utilizava de acordo com seus interesses.
A história parece dar razão a Marx, pois, desde 1930, o Estado é usado ao “bel prazer” dos interesses dos grandes capitais, ampliando ou contraindo sua participação na economia à medida que é requisitado por aqueles que, de fato, detêm o poder, os donos do capital. Vários exemplos podem ser destacados, e uma das maiores mudanças é a recente passagem do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State) para o Estado Neo-Liberal.
Atualmente, o fenômeno se repete na ação do governo norte-americano (Tesouro e Banco Central) desde o estouro da bolha imobiliária em julho do ano passado. O Banco Central dos Estados Unidos (FED) já tomou medidas surpreendentes, principalmente se for lembrado que foi este país o maior defensor e o criador do Estado Neo-Liberal. O FED já emprestou bilhões de dólares aos bancos tomando como garantia títulos com pouco ou nenhum valor de mercado (títulos imobiliários) e sem data prevista de recebimento, tendo em vista que, quando do vencimento, a dívida é automaticamente renovada. Já emprestou, também, dinheiro ao banco JPMorgan para que este comprasse o falido Bear Stearns.
Quanto ao Tesouro norte-americano, este concedeu isenções no imposto de renda de milhares de famílias norte-americanas para que continuassem comprando e, consequentemente, garantindo os lucros das empresas. E, dentre as inúmeras opções de longo prazo que o secretário do Tesouro norte-americano anunciou para breve, destaca-se a estatização das duas maiores instituições de financiamento da casa própria dos Estados Unidos, denominadas de Fannie Mãe e a Freddie Mac. Estas instituições são parcialmente estatais, mas estatizá-las totalmente significa remunerar a parcela do capital privado nelas existente e assumir integralmente o prejuízo, ou seja, o Estado vai assumir seu verdadeiro papel, que é o de defender os interesses do capital. As duas empresas, que financiam quase a metade dos US$ 12 trilhões concedidos como crédito para a compra de imóveis residenciais, registraram mais de US$ 11 bilhões de prejuízo desde o ano passado.
Apesar das ações do Governo; o cenário não mudou para melhor. Pelo contrário, agrava-se cada vez mais. As ações continuam em queda, os bancos continuam registrando prejuízos (como é o caso do Merryll Lynch, que, só no segundo trimestre do ano, registrou um prejuízo de US$ 4,9 bilhões, valor que corresponde ao dobro dos US$ 2,067 bilhões de lucro no mesmo período do ano passado) e as reduções nos lucros continuam estratosféricas (como é o caso do JPMorgan, que sofreu uma queda de 53% nos lucros, no segundo trimestre de 2008).
O índice de pobreza dos Estados Unidos, formado pela soma da taxa de desemprego e da taxa de inflação, registrou o maior nível em 15 anos, fruto da disparada dos preços e da queda nas folhas de pagamento.
Os maus ventos da economia norte-americana já se alastraram pelo mundo, e o “dragão chinês” já sente seus efeitos. Embora ainda mantenha uma significativa taxa de expansão, o PIB chinês sofreu desaceleração no segundo trimestre do ano, crescendo 10,1% ante 10,6% no primeiro trimestre. O enfraquecimento das exportações e as medidas restritivas ao crédito adotadas pelo Governo figuraram como os responsáveis pelo resultado.
Com a desvalorização do dólar, as empresas norte-americanas, com sede na China, estão começando a voltar para casa. É por isso que a China está desvalorizando sua moeda. Infelizmente, conflitos semelhantes, envolvendo os Estados Unidos e outras nações, mostraram que, pela hegemonia econômica, os norte-americanos são capazes de tudo. O Japão que o diga!
O Banco Central do Japão reduziu as projeções para o crescimento da economia e elevou as perspectivas de inflação em função da alta dos combustíveis e das commodities, que inibem os gastos das empresas e dos consumidores. O relatório mensal da instituição, divulgado em 16 de julho, destacou: “o crescimento da economia está desacelerando ainda mais, refletindo o enfraquecimento da expansão dos investimentos de capital, das empresas e do consumo privado, contra o pano de fundo dos altos preços dos combustíveis e das matérias-primas”.
Na Zona do Euro, os sintomas de estagflação também são claros e a opção de política econômica foi em favor da estabilidade, já que o Banco Central Europeu (BCE) elevou a taxa básica de juros para o seu maior patamar em sete anos, ficando em 4,25%. A inflação da zona do euro registrou alta de 4% em junho passado, principalmente em função da alta dos preços dos combustíveis. O resultado do índice, em junho, preocupou as autoridades monetárias por que a variação, entre maio e junho, registrou o seu ritmo mais acelerado, em mais de 16 anos.
Embora os dirigentes do BCE tenham dito que vão agir com firmeza para combater a inflação, consideram que a redução do crescimento da economia pode restringir a liberdade do banco de adotar novos aumentos na taxa de juros.
O estouro da bolha imobiliária constituiu-se como o agente deflagrador de mais uma crise do Modo Capitalista de Produção, que, de acordo com a teoria marxiana, é inerente e necessária ao sistema. Mas, do mesmo modo como a fase de auge, a crise que se iniciou terá também meio e fim, após cumprir com o seu papel regulador. Estando Marx correto, a intervenção do Estado não será capaz de estancar este processo. É exatamente o que tem acontecido, ou seja, a liquidez injetada na esfera financeira criou uma nova bolha especulativa, a das commodities (bens agrícolas e minerais negociados nas bolsas), que a qualquer momento estourará. A injeção amortece o necessário processo de destruição da mercadoria-capital, superabundante, que entope o sistema circulatório da acumulação.
O temor de que o ciclo de valorização das commodities possa estar chegando ao fim já é apontado por Brian Belski, estrategista setorial da Merril Lynch, para os Estados Unidos: “considerando as previsões de desaceleração do crescimento da economia mundial e o terrível desempenho dos mercados de ações dos países emergentes, nós acreditamos que podemos ter testemunhado o pico deste ciclo de commodities”. Ele completou dizendo: “a combinação da deterioração da capacidade de fixação de preços do dólar, que alcançou a maior baixa frente às principais moedas mundiais, e do aumento das taxas de juros para os tomadores com histórico de crédito precário está fornecendo ventos macroeconômicos contrários significativos para as matérias-primas”.
O que impressiona é como um fenômeno cíclico secular é sistematicamente omitido e desfigurado e apresentado sempre como resultado de erros cometidos pelos agentes econômicos. Em contrapartida, o Estado passa de vilão a mocinho, ora lhe cabendo o papel de provedor, ora o de controlador. A coisa se complica num quadro de estagflação, quando se quer ser os dois ao mesmo tempo.
Resta ao Estado perguntar aos donos do capital: bem-me-quer ou mal-me-quer?
Contrariando a sua própria análise da conjuntura atual e a suas declarações, surpreendentemente o FMI revisou para cima as estimativas para o crescimento global, depois de admitir a desaceleração da demanda e a alta da inflação. A revisão estipulou a estimativa de crescimento mundial em 4,1% ante os 3,7% anteriormente previstos. Conforme o Fundo: “a economia global está em um ponto complicado entre a forte desaceleração da demanda, em muitas economias avançadas, e o aumento da inflação em toda parte, notavelmente em países emergentes e em desenvolvimento”.
É difícil compreender como diante de um diagnóstico deste as estimativas foram revistas para cima. Dá para entender?

Texto escrito por
Águida Cristina Santos Almeida: Professora da faculdade IESP e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.(progeb@ccsa.ufpb.br)

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