sábado, 12 de julho de 2008

Crescimento ou inflação: dilema ou falso debate?

Semana de 23 a 29 de junho de 2008

O Banco Central elevou a projeção de inflação, para este ano, de 4,6% para 6%. As novas perspectivas foram divulgadas no Relatório Trimestral de Inflação. Caso o reajuste dos preços ultrapasse 6,4%, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, será obrigado a justificar, em carta aberta, as razões para o descumprimento da meta. Meirelles reiterou o compromisso do Banco Central com o controle inflacionário: “o Banco Central está comprometido a manter a inflação na meta, pelos próximos anos”.
Diante da sugestão de medidas de congelamento de preços do tipo das adotadas pelos gestores econômicos da Venezuela, do Uruguai, do México e da Argentina, o presidente Lula foi claro: “Não quero mais artificialismo”. A determinação de Lula é de que a inflação seja contida através de estímulo à produção agrícola para alcançar safras recordes nos próximos dois anos.
Para o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a piora dos índices inflacionários contaminou as expectativas para 2009, elevando-as. Isto é preocupante, porque pode levar a uma indexação prévia, que, por si só, já garantiria um acréscimo da inflação para o próximo ano. A solução encontrada pela própria Presidência da República foi ordenar que o Ipea deixe de divulgar as projeções de inflação a cada três meses, como era feito, e faça-o apenas quando for conveniente e no início de cada ano, para não alimentar mais projeções pessimistas.
Ora, para tentar mudar as expectativas quanto à inflação futura, o governo adota uma solução burocrática: deixar de divulgar dados sobre ela. Porventura pensa iludir os agentes econômicos consumidores ou capitalistas?
Já o presidente do Ipea, Marcio Pochman, tem opinião contrária. Para ele, a pressão inflacionária é originada principalmente no mercado internacional, e, por isto, o Banco Central está errando a mão ao elevar a taxa Selic para contê-la. Ele afirma que o mercado atravessa um período de inflação de custos, contaminada pelo mercado externo e sua causa não é o desequilíbrio entre oferta e procura. Ele declarou: “Eu acho que grande parte da inflação é importada e está contaminando o mundo inteiro, desde o ano passado. Ela é mais de custo do que de demanda”. Afirmou ainda que, por se tratar de uma inflação de custos, o aumento do juro não é o melhor instrumento para enfrentá-la e completou: “O Banco Central pode matar um ciclo de crescimento vigoroso que se desenha para a economia brasileira”.
Quanto ao crescimento, o Ipea continua otimista e avalia, em sua Carta de Conjuntura, que a pouca interferência do aperto monetário nos investimentos está baseada em dois fatos: em primeiro lugar, os planos de investimento já estão em andamento e, em segundo lugar, o atual nível da taxa de câmbio ainda estimula e facilita as importações de bens da capital, o que eleva a capacidade produtiva. Por conta disso, a taxa de investimento pode apresentar alta entre 12,4% e 14,4%.
Obstinado, o BC, com base na sua teoria, para tentar arrefecer a economia, impedir a propagação da alta dos preços e trazer a inflação para o centro da meta, poderá estender o ciclo de aperto monetário até o primeiro semestre de 2009. Essa é a leitura que foi feita, por analistas, do seu Relatório Trimestral de Inflação.
Enquanto o Ipea discute o famoso dilema entre crescimento e inflação, os mais entendidos no assunto já falam em stagflação, o que é o mesmo que aumento agudo da inflação combinado à queda no crescimento econômico e no emprego. De outro modo, a discussão se torna vazia, pois nem o Banco Central vai conter a inflação aumentando a taxa de juros, nem os investimentos vão se manter indefinidamente, porque o tal descolamento da economia brasileira do resto da economia mundial (que se encontra em crise) só existe na cabeça dos que querem conter a inflação escondendo os números. Para quem tem dúvidas, é só observar a queda da produção industrial dos últimos meses.
Enquanto a produção industrial cai, a inflação, medida pelo IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), chegou a 1,98% neste mês, atingindo a taxa mais alta, desde fevereiro de 2003. No ano, a inflação já atingiu 6,82%, ou seja, a estagflação já está em marcha.
Preocupado com a contenção dos gastos, o governo anunciou um corte de R$ 8,2 bilhões nas despesas previstas no Orçamento da União deste ano para garantir o aumento da meta de superávit primário e o reajuste dos benefícios do programa Bolsa Família. Esse esforço concentrar-se-á nas empresas estatais, ou seja, nos investimentos. O ajuste orçamentário tem por objetivo central auxiliar no combate a inflação. A principal medida é a elevação do valor dos dividendos a serem pagos pelas estatais ao Tesouro Nacional, os quais passarão dos R$ 9,5 bilhões.
A poupança do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central), para garantir o pagamento dos juros da dívida pública, já atingiu R$ 53,6 bilhões entre janeiro e maio deste ano. Chamada de superávit primário, essa economia ficou 43,3% acima dos R$ 37,4 bilhões que foram poupados no mesmo período do ano passado. A maior capacidade de gerar divisas para pagar os juros da dívida pública se deve, em grande parte, ao forte aumento da arrecadação de tributos, que, nos cinco primeiros meses, teve crescimento real (descontado a inflação) de 10,65%, quase o dobro do atual ritmo de expansão da economia.
O problema da dívida externa está aparentemente resolvido, pelo menos no curto prazo, com as reservas internacionais do Brasil atingindo a marca histórica de US$ 200 bilhões. Desde o inicio do governo Lula, já cresceram 400%. Mas essa farra pode acabar. As expectativas de piora do saldo comercial e aumento das remessas de lucros e dividendos ao exterior levaram o Banco Central a elevar a projeção de déficit nas transações correntes para US$ 21 bilhões neste ano.
“Somos um ótimo refúgio para capitais especulativos e um espaço de oferta de recursos naturais – exatamente o que o mundo espera de nós”, disse Cesar Benjamin, consultor da Gazeta Mercantil.
O retorno dos déficits em transações correntes coloca o país diante de um velho problema: o crescimento da economia brasileira, nos próximos anos, poderá voltar a depender do financiamento externo. O rombo nas contas externas divide, porém, as opiniões dos especialistas. Enquanto alguns alertam para o risco de repetir o passado, deixando o país cada vez mais vulnerável a outra crise cambial, outros argumentam que hoje a situação é bem mais confortável e que o regime de câmbio flutuante pode proporcionar um ajuste suave.
“O Brasil tem uma economia fechada. Só consegue crescer importando senão enfrenta problemas de demanda”, afirmou Nelson Carneiro, economista sênior da Austin Rating. Apesar de já termos visto esse filme antes, na avaliação do economista, é hora de o país discutir a substituição de importação por produção local para mudar esse perfil (filme que também já vimos).
Outro entrave ao crescimento é a infra-estrutura. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), principal objetivo do segundo mandato do governo Lula, foi insuficiente, até agora, para elevar os investimentos em infra-estrutura ao patamar exigido pelo país. Levantamento da Abidib (Associação Brasileira da Infra Estrutura e Indústrias de Base) revela que para isto o país precisaria gastar R$ 108,4 bilhões por ano. Só assim os sistemas de transporte, energia, saneamento e telecomunicações não se tornariam obstáculos ao crescimento econômico. O país não tem conseguido cumprir a meta.
Um grande impulsionador da economia tem sido o crédito. O volume de recursos emprestado pelo sistema financeiro brasileiro alcançou R$ 1,044 trilhão – ou 36,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no mês de maio, a maior relação desde 1995, quando atingiu 36,8%, - um crescimento de 2,6% no mês e de 32,4% em 12 meses. Mas, para Philip Pastor Wagner, economista do Unibanco, “As concessões de crédito estão perdendo o fôlego, em parte pelas medidas restritivas aplicadas pelo governo, em parte porque os bancos começam a mostrar preocupação com a capacidade de pagamento dos tomadores, mesmo que a inadimplência ainda se mantenha em taxas não preocupantes (subiu de 7,1% em abril para 7,3 em maio), dentro do padrão”.
Mas, mesmo que a economia brasileira resistisse à alta da taxa Selic, à inflação, aos gargalos da infra-estrutura, a uma tributação maior, aos altos pagamentos de juros da dívida, à redução dos investimentos por parte das estatais e ainda aos déficits no balanço de pagamentos, e mantivesse os atuais ritmos de crescimento da economia, da recuperação do salário mínimo e as ações de transferência de renda, somente em 2016 o Brasil deixaria de ser um país “primitivo” no que se refere à distribuição de renda.
Na prática, em oito anos, diminuirá a diferença (hoje em 23,5 vezes) entre a média salarial dos mais ricos e os mais pobres, segundo projeção feita pelo presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, a pedido da Folha de São Paulo. Para tentar diminuir as desigualdades, Lula disse que pretende usar a receita futura, gerada pelos depósitos de petróleo contidos na camada pré-sal, para aumentar os investimentos em saúde e educação. “Essa é uma chance para que os pobres brasileiros usem esse dinheiro, e não para termos pessoas com muito petróleo e três ou quatro relógios e um Rolex no bolso. Nós queremos tirar proveito dessa riqueza para garantir que o Brasil possa dar um grande salto adiante”, disse Lula.
Além de prometer a riqueza futura, o Presidente parece ter mudado de idéia a respeito do pedido de adesão à Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), pois quer que o país se concentre no refino local do petróleo que produz. Afinal, descobriu o grande furo da auto suficiência. Se a desigualdade vai diminuir nos próximos oito anos, ainda é uma incógnita. Mas o número de milionários, esse sim já sofreu um aumento de 19,1% no ano passado, o terceiro maior avanço no mundo, superado apenas por Índia e China, igualmente emergentes.

Texto escrito por:
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo - Professora do Departamento de Economia da UFPB, Mestranda e pesquisadora do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (progeb@ccsa.ufpb.br)

Arquivo para download disponível em formato pdf.
Download
Share:

0 comentários:

Postar um comentário

Novidades

Recent Posts Widget

Postagens mais visitadas

Arquivo do blog