terça-feira, 30 de setembro de 2008

A “estatização” das empresas americanas

Semana de 15 a 21 de setembro de 2008



Até pouco tempo atrás, ninguém sequer imaginava que o Governo dos Estados Unidos da América passaria a intervir de maneira tão direta e contundente no rumo de sua economia, violando todos os princípios do liberalismo econômico e transformando a sagrada propriedade privada em propriedade estatal. Pois é, apesar de ser impensável há menos de um ano, é exatamente o que está ocorrendo agora.
A operação de salvamento da seguradora American International Group (AIG) é mais um exemplo disto. Na terça feira, dia 16, as ações da referida empresa caíram 61%, e, após o encerramento dos negócios, o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) comprou 80% da seguradora por US$ 85 bilhões. Isto para não falar no resgate das companhias hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mack, no qual cada uma custou US$ 100 bilhões aos cofres públicos do país, e na ajuda financeira concedida aos credores do banco Bear Stearns, que atingiu a cifra de US$ 29 bilhões.
Segundo analistas de mercado, desde o início da atual crise financeira, o Federal Reserve já gastou entre US$ 900 bilhões e US$ 1,5 trilhão, o que representa cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano. Assim, de operação em operação, o Fed tenta salvar instituições financeiras falidas, injetando dinheiro nos mercados e socializando os prejuízos destas empresas com todos os contribuintes dos países envolvidos, que, mais cedo ou mais tarde, arcarão com o custo fiscal de tais medidas.
Resta-nos saber, porém, qual é o tamanho das reservas do Fed e da sua capacidade de socorrer as empresas que estão em processo de falência. Por enquanto, surpreende, até certo ponto, a inovação e a utilização de ações inéditas, como a efetuada na quarta feira, dia 17, quando o Departamento do Tesouro anunciou que passará a vender títulos públicos para ajudar o Fed a recompor os recursos gastos para socorrer instituições financeiras em. Estaria então o Fed ficando sem dinheiro? Em comunicado, o Tesouro afirma que não, e que se trata apenas de uma forma de o Governo administrar melhor as suas necessidades. O fato é que, na primeira emissão, foram negociados US$ 40 bilhões em títulos com prazo de vencimento de 35 dias. No primeiro dia de operações, o retorno desses papéis não ultrapassou sequer a marca de 0,4%, o que demonstra o elevado grau de desespero dos investidores, que em épocas de crise, procuram aplicar o seu dinheiro em ativos mais “seguros”, mesmo que estes lhes proporcionem muito pouco, ou quase nenhum rendimento.
Mas, todo esse esforço por parte do Governo e da autoridade monetária do país não foi capaz de evitar a quebradeira generalizada de alguns dos principais bancos de investimentos do mercado norteamericano. Dos cinco maiores bancos de investimentos do país, três já sucumbiram em meio à crise. O Bear Stearns, que era o quinto no ranking, foi vendido, em março, para o JP Morgan. O Merrill Lynch, terceiro maior banco, foi vendido para o Bank of America. Já Lehman Brothers, quarto no ranking, entrou com pedido de recuperação judicial. O mais impressionante é que este último banco havia registrado faturamento e lucro recordes em 2006 pelo terceiro ano consecutivo, sendo eleita a corretora número 1 da bolsa de Londres em volume negociado e escolhido pela revista Forbes como a empresa mais admirada em 2007.
Os dois gigantes que conseguiram sobreviver, Goldman Sachs e JP Morgan, tentam se reestruturar, agindo com mais cautela nos empréstimos, para não terem o mesmo destino que os seus pares. Em meio a este cenário de elevada incerteza e alto grau de instabilidade, parece que a derrocada dos paradigmas do capitalismo financeiro, declarada simbolicamente neste setembro de 2008, abalou ainda mais o mundo do que os ataques às torres gêmeas ocorridos em setembro de 2001, provocando não só a desconfiança com relação ao futuro, mas colocando abaixo, ou pelo menos em xeque, as velhas concepções acerca daeconomia de mercado e a sua capacidade de organização da sociedade.
Enquanto isto acontece, no Brasil, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, continuou a afirmar que a situação no país está sob controle e que “o Brasil já estaria de quatro” se a crise internacional ocorresse em anos anteriores, voltando a ressaltar os fundamentos macroeconômicos mais sólidos e usando como exemplo, como sempre, as reservas cambiais na casa de US$ 200 bilhões.
Entretanto, começa-se a observar um aumento da saída de capitais do mercado brasileiro. Desde junho, os “investidores” têm vendido ações nos pregões da Bovespa, que, de lá para cá, já despencou 38%, passando de 73.516 pontos para 45.908 pontos. Somente neste ano, a saída de capital externo do mercado acionário brasileiro já alcança a marca de R$ 17,02 bilhões, o que faz de 2008 o pior ano da história nesse quesito.
Do lado real da economia, o setor exportador já vislumbra um déficit comercial no próximo ano. A probabilidade de que isto ocorra é cada vez maior, com os preços das commodities em queda e o agravamento do quadro de recessão econômica, que terá como conseqüência a redução da demanda por produtos em todo o mundo.Isto significa que, com o aprofundamento da crise mundial em marcha, este quadro de saída de capitais do país e de transição de uma balança comercial superavitária para uma balança comercial deficitária pode, de uma hora pra outra, dissolver os R$ 200 bilhões de reservas que o Brasil possui, fragilizando, assim, um fundamento que nunca esteve sólido, ou, em outras palavras, solidificando a fragilidade da economia brasileira.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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