quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Crise e política econômica

Semana de 25 a 31 de agosto de 2008

O noticiário da semana confirma todas as tendências de agravamento da crise. Ainda estamos longede atingir o fundo do poço, o que pode ser ilustrado com alguns exemplos.
Nos EUA, o número de demissões, nos sete primeiros meses do ano, atingiu o nível máximo dos últimos cinco anos. O número de demissões em massa (mais de 50 trabalhadores de uma só vez) foi o maior desde 2003, atingindo o total de 10.770. O setor financeiro debilita-se cada vez mais. Os lucros dos bancos e das instituições de poupança caíram 86% entre abril e junho. O poderoso Citigroup, o maior banco dos EUA, após fechar 14.000 postos de trabalho, começou a comprimir todas as suas despesas e anunciou baixas contábeis de US$ 55 bilhões. No mundo, as empresas do setor financeiro já eliminaram 101.250 postos de trabalho desde o início da crise. No setor industrial, a Toyota, segunda maior montadora do mundo, anunciou a redução de sua produção na Europa, Reino Unido, Polônia e EUA. Neste último, surgiu uma noticia surpreendente: no terceiro trimestre, a economia cresceu 3,3% em taxas anualizadas, superando as estimativas, que eram de 2,7%. É surpreendente, porque, na ata da reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) do Federal Reserve (Fed), banco central americano, justifica-se a manutenção da taxa básica de juros em 2% (apesar da ameaça de inflação) com o argumento de que a situação econômica continuará “abatida por vários trimestre” e que haverá “uma possível deterioração adicional das condições financeiras”. E logo veio a explicação: os analistas atribuem este crescimento ao dinheiro injetado na economia e ao aumento das exportações, impulsionado pela desvalorização do dólar. Na Alemanha, entretanto, a economia sofreu uma contração de 0,5% no segundo trimestre, e, segundo o economista do Lehman Brothers Londres, Máxime Alimi, “A deterioração das perspectivas da Alemanha não está dando qualquer sinal de estabilização”. Como bem diz Paulo Rabello de Castro, na Folha de São Paulo, a crise é mundial e prolongada. Até o onipotente FMI cambaleia, a ponto do ex-diretor geral, Rodrigo Rato, sugerir a venda do lastro de ouro da instituição, o que provocou protestos dos EUA e a afirmação de um político republicano de que o FMI era “uma instituição falida e irrelevante”.
No Brasil, embora os sintomas da desaceleração se tornem cada vez mais evidentes, como, por exemplo, a subida do desemprego em São Paulo, de 13,9% para 14.1%, entre junho e julho (segundo o Dieese), a economia ainda mantém uma defasagem em relação à situação mundial. No entanto, há algumaspreocupações no ar. Em relação ao superávit primário, o governo orgulha-se de ter ultrapassado a meta anual de 4,3% do PIB apenas nos sete primeiros meses do ano. A economia de R$ 98,225 bilhões já representa 6,01% do PIB. É a maior economia feita desde 1991, pois, embora as despesas tenham crescido 11,8%, as receitas cresceram 17%. Apesar de todo este esforço, o resultado é desesperador. O custo do endividamento do país em 2008 já atingiu R$ 106,8 bilhões (6,54% do PIB), constituindo um record histórico para o período, sendo 14,9% superior ao custo do mesmo período do ano passado. Todo o formidável esforço feito para o superávit primário não foi suficiente sequer para pagar os juros da dívida,restando um déficit de R$ 8,578 bilhões.
Mas, há outro dado a referir. Também em julho, as despesas com juros atingiram R$ 18,777 bilhões, um valor jamais registrado desde 1991. Apenas os títulos indexados à Selic geraram o pagamento de R$ 7,726 bilhões de juros, e o volume destes títulos voltou a crescer, já representando 60,9% da dívida líquida, quando em julho de 2007, era apenas 53%. Como se vê, o BC, toda vez que começa a aumentar a Selic, começa também a emitir mais papeis indexados a ela, o que provoca o aumento da dívida pública. Além disso, as taxas elevadas atraem, para o país, dólares especulativos, pressionando a taxa de câmbio para a valorização do real, o que contribui para facilitar as importações e dificultar as exportações.
O resultado imediato é a queda no saldo da balança comercial. No acumulado do ano, o saldo é de US$ 15,932 bilhões. O Banco Central (BC) estima que, para o ano todo, este saldo será de US$ 23,30 bilhões, contra US$ 40 bilhões no ano de 2007, uma queda de 16,75%. A estimativa do BC, no entanto, parece não levar em consideração a gravidade da crise mundial e a recente queda dos preços dascommodities que já provocaram, por exemplo, um déficit de US$ 840 milhões só na semana de 18 a 24 de agosto.
A tendência na redução do saldo da balança comercial, por sua vez, agrava o déficit nas transações correntes do país (soma do comércio, serviços e rendas), que, em julho, alcançou US$ 2,11 bilhões, o pior resultado para o mês de julho desde 1997. Com isto, o déficit aproxima-se perigosamente do patamar de US$ 21 bilhões, previsto pelo BC, para todo o ano de 2008. O BC afirma que este rombo é coberto pelos Investimentos Estrangeiros Diretos – IED, mas omite que estes investimentos estão em grande queda, pois, no acumulado do ano, até julho, entraram no Brasil US$ 19,9 bilhões, quando no mesmo período do ano passado, este montante foi de US$24,4 bilhões. Como se vê, por este ângulo, os horizontes estão um tanto nebulosos.
Há ainda uma outra consideração a fazer. A desigualdade na concorrência, com causas puramente cambiais, cria dificuldades no mercado interno e expulsa da lista dos exportadores um considerável número de empresas, levando algumas à falência. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que dois terços das empresas perderam mercado doméstico e metade das companhias ou perdeu posições nas exportações ou deixou de exportar definitivamente. Os produtos importados afetaram 37% das empresas brasileiras e apenas 38% delas conseguiu exportar. Aumenta a vulnerabilidade da indústria nacional, que vem perdendo força e importância, e sua participação no PIB cai. Além disso, a estrutura industrial vem sofrendo grandes modificações, centrando-se nos setores extrativos e secundarizando os de transformação. Isto pode ser observado no crescimento da Formação Bruta do Capital Fixo a partir de 2004. Em estudo feito pelo Iedi, verificou-se que, dos 27 setores observados, apenas oito são responsáveis por 70% dos investimentos, com destaque para a indústria extrativa. Outro estudo mostrou que a participação da indústria de transformação na oferta de emprego, que, em 1985, era de 30%, caiu para 19,4% em 2005, enquanto os setores ligados aos recursos naturais subiram, de 28%, para 32%.
Fica claro que a política econômica seguida pelo Governo Lula, sob o comando do H. Meirelles (e seus antecessores) no Banco Central, não visa preparar o país para enfrentar a crise, mas, a pretexto de combater a inflação, vem se constituindo em uma política de desindustrialização. Além disso, salta aos olhos uma outra dura realidade. A política monetária do governo, executada pelo BC, tem transformado o Brasil no paraíso dos bancos. No primeiro semestre deste ano, a rentabilidade dos bancos brasileiros foi de 21,7%, mais do dobro dos bancos americanos, que foi de 8,9%. Se considerarmos apenas os quatro maiores bancos, a situação é ainda mais grave. No Brasil, ela é de 28,5%, quatro vezes maior que nos EUA (7,1%). Mas isto ainda não é o mais escandaloso. Se tomarmos todo o período do governo Lula, de 2002 até junho de 2008 (cinco anos e meio), a rentabilidade dos bancos brasileiros saltou de 12,4% para 21,7%, enquanto nos EUA ela caiu de 15,7% para 9,9%.
Com isto, o Brasil tornou-se um dos países com a maior concentração bancária do mundo e não é sem fundamento que o deputado Delfim Neto afirma que a alta rentabilidade dos bancos se deve à política monetária adotada pelo país.
A conclusão a que chegamos é que a política econômica do governo empurra o país para a crise, destrói a indústria nacional e serve apenas para garantir a alta rentabilidade do sistema financeiro nacional e internacional, enquanto distribui algumas esmolas às camadas mais empobrecidas da população.

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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