quinta-feira, 25 de setembro de 2008

E o poço parece sem fundo

Semana de 01 a 07 de setembro de 2008

A cirurgia foi confirmada: o Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, abriu a tesouraria e transplantou US$ 200 bilhões (US$ 100 bilhões para cada um) para salvar os agonizantes enfermos Fannie e Freddie. Como se sabe, Fannie Mae e Freddie Mac, apesar de terem nomes de gente, são duas gigantescas empresas privadas que operam no mercado de crédito hipotecário nos EUA e são responsáveis pelo financiamento de quase US$ 6 trilhões do total de US$ 12 trilhões do mercado americano de hipotecas. Há meses que estes dois monstros se arrastavam em lenta agonia e já tinham sido alvo de pequenas cirurgias paliativas de apoio, por parte do Fed. Agora o perigo iminente de morte levou-os à intervenção total: foram estatizados. Para espanto geral, isso ocorre no coração do neoliberalismo.
A capacidade do Fed de socorrer instituições financeiras falidas, porém, não é infinita. Já se fala que a metade das suas reservas estão comprometidas com títulos podres. A situação vem se agravando e as principais fontes de receitas da instituição continuam as mesmas: o dinheiro dos contribuintes e a máquina de produzir dinheiro, ambos em situação precária. A desculpa apresentada é notável: o Fed está agindo para salvar o país e a economia mundial das conseqüências catastróficas que resultariam da falência do Freddie e da Fannie.
A situação é tão escandalosa que, na terça feira, dia 9, dois dias a seguir da semana objeto desta análise, a Senadora Ideli Salvati, líder do PT, apresentou na sessão ordinária do Senado uma “comunicação inadiável”, transmitida pela TV Senado. A Senadora, com razão, mostrou o jogo de dois pesos e duas medidas dos neoliberais, que criticam a intervenção do estado, quando é em defesa dos pobres, mas o utilizam descaradamente quando é para salvar capitalistas. Mas, no seu discurso, ela apontou o estouro do setor imobiliário dos EUA como o causador da crise financeira mundial. Tudo indicaque a sua assessoria econômica ainda não aprendeu o que significa crise cíclica de superprodução ou ciclo econômico e por isso não sabe que o fenômeno que assistimos representa a fase de crise do ciclo econômico mundial. O mercado imobiliário americano contribuiu apenas com o impulso inicial, a centelha que deflagrou a explosão.
Na Europa, a crise britânica vem se acentuando rapidamente, parecendo inevitável que o banco da Inglaterra venha a cortar sua taxa de juros já na próxima reunião. Alem disso, na zona do euro, as preocupações com a aceleração da inflação e o desaquecimento da atividade também continuam crescentes.
Neste ambiente, a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aconselha os principais bancos centrais do mundo a manterem suas taxas básicas de juros nos níveis atuais. A decisão do Federal Reserve de deixar a sua taxa básica em 2% foi justificada pela expectativa de que o aperto no crédito e a provável desaceleração do crescimento econômico restrinjam a pressão inflacionária. O Banco Central Europeu (BCE) deve manter sua taxa básica em 4,5%, com o objetivo de restringir as pressões subjacentes nos preços, e o Banco Central do Japão foi aconselhado a manter a sua taxa em 0,5%, como uma proteção contra o perigo da inflação.
Diante deste quadro, felizes são o Brasil e o Banco Central (BC) que não precisam salvar nenhuma instituição financeira. Elas já estão salvas e blindadas contra as crises por antecipação devido à política do governo do Presidente Lula. Esta política, executada pelo BC, tem transformado o pais no paraíso dos bancos. No primeiro semestre deste ano, a rentabilidade dos bancos brasileiros foi de 21,7%, mais do dobro dos bancos americanos, que foi de 8,9%. Se considerarmos apenas os quatro maiores bancos no Brasil, ela é de 28,5%, quatro vezes maior que nos EUA (7,1%). Mas isto ainda não é o mais escandaloso. Em todo o período do governo Lula, de 2002 até junho de 2008 (cinco anos e meio), a rentabilidade dos bancos brasileiros saltou de 12,4% para 21,7%, enquanto nos EUA, para os bancos americanos, ela caiu de 15,7% para 9,9%. Com isto, o Brasil tornou-se um dos países com a maior concentração bancária do mundo.
Com efeito, a política de elevação da taxa de juros praticada pelo BC, que já nos tornou campeões mundiais (Selic a 13%) e o descontrole na entrada e saída de capitais têm provocado a supervalorização do real (com prejuízos para o setor exportador e para as indústrias), a queda acelerada dos saldos da balançacomercial (com o conseqüente agravamento da balança de transações correntes) além do aumento da dívida pública.
Em relação a esta, o governo se orgulha de ter conseguido ultrapassar a meta anual de 4,3% do PIB para o superávit primário apenas nos sete primeiros meses do ano, com a economia de R$ 98,225 bilhões, que já representa 6,01% do PIB. Mas, o resultado é desesperador. O custo do endividamento do país, em 2008, já atingiu R$ 106,8 bilhões (6,54% do PIB), constituindo um record histórico para o período, sendo 14,9% superior ao custo do mesmo período do ano passado. Todo o esforço não foi suficiente sequer para pagar os juros da dívida, restando um déficit de R$ 8,578 bilhões.
O panorama global atual sinaliza para recuos mais fortes no crescimento de diversas economias. Os que pensam que a economia mundial já chegou ao fundo do poço, e que a economia brasileira vai passar por essa crise ilesa estão redondamente enganados. Os sinais de que a crise ainda não acabou, e que aindanão chegamos ao fundo do poço estão claros nas notícias das ultimas semanas.
A atividade industrial brasileira deu sinal de arrefecimento em agosto, segundo o Índice Gerentes de Compras (PMI) divulgado pelo banco Real. “As expectativas de que a economia, tanto no Brasil, quanto no mundo, vai desacelerar já está refletindo na economia brasileira”, afirma o economista-chefe da instituição, Cristiano Souza. Para o ministro da Fazenda, Guido Mântega, a economia brasileira desacelera para um ritmo sustentável. Isso quer dizer que vamos continuar caindo, até atingir um ritmo sustentável? Ainda bem que não vamos desacelerar de forma “robusta”, senão o fundo do poço seria mais fundo ainda do que se prevê para a economia brasileira.
Para Mântega essa desaceleração da economia é resultado do aperto monetário que se iniciou em abril e que já começou a surtir efeito, levando a inflação para o centro da meta, 4,5%. Só esqueceu-se de dizer que também está levando o PIB para o fundo do poço.
Dois dos carros chefes do crescimento da economia brasileira dos últimos anos apresentaram resultados ruins no ultimo mês. A balança comercial fechou agosto com saldo de US$ 2,269 bilhões, ficando 35,9% abaixo do apurado em igual período do ano passado e 31,3% menor que o registrado no mês anterior. O arrefecimento foi causado pela queda no ritmo das exportações. O superávit da balançacomercial manteve a trajetória de queda no acumulado do ano, refletindo um ritmo de crescimento das importações mais rápido do que das expor tações, mesmo que ainda apresentem cifras recordes em decorrência do aumento dos preços, principalmente das commodities. E a indústria automobilística, emagosto, não registrou o crescimento vertiginoso de venda de veículos, verificado nos últimos meses. Para os especialistas do setor, o dado é uma confirmação de que o mercado vai desacelerar, crescendo num ritmo menor daqui para frente, principalmente em razão do aumento da carga de juros.
Assim, a política econômica do governo continua empurrando o país para a crise, destruindo a indústria nacional e servindo apenas para garantir a alta rentabilidade do sistema financeiro nacional e internacional, enquanto distribui algumas esmolas às camadas mais empobrecidas da população.


Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Nayana Ruth Mangueira de Figueiredo
: Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb - Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
(progeb@ccsa.ufpb.br)

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