terça-feira, 29 de setembro de 2009

Com quantas letras se faz uma crise?

Semana de 07 a 13 de setembro de 2009

Em análises anteriores, ressaltamos a falta de solidez nas afirmações de alguns economistas, os quais declaravam que o pior da crise mundial já havia passado. Embora as estatísticas confirmem que alguns setores estão realizando contratações e, de fato, retomando a produção, alertamos que isto pode ser essencialmente uma resposta aos estímulos dados pelos governos. Assim, levantamos a hipótese de que a crise atual possa vir a assumir o formato de “W”. Isto quer dizer que, após a queda, a retomada suave, que agora parece se ter iniciado, poderá ser seguida por uma nova crise, uma crise que complementaria a destruição das forças produtivas poupadas pela atuação dos governos, que atingiu níveis nunca antes vistos.
No Brasil, alguns dados nos mostram que esta retomada poderá ser efêmera, pois se baseia na redução da capacidade ociosa existente na indústria, na produção para a reposição dos estoques e nos estímulos da redução dos juros e dos impostos.
Após uma queda de 18,9% entre setembro e dezembro de 2008, a indústria de transformação viu sua produção aumentar 8,5% de dezembro de 2008 a julho de 2009. Mas esse aumento foi baseado no crescimento do Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci), o qual se encontrava em 85,4%, em setembro do ano passado, chegou a 77,8% em março de 2009 e, em julho, voltou a subir, atingindo 79,8%.  



Índice de produção industrial para a Indústria de Transformação e para o setor de Bens de Capital - índice dessazonalizado. (média 2002 = 100) (*)
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Já a produção na indústria geral teve uma retração de 20,2% de setembro a dezembro de 2008 e uma expansão de 12% de janeiro até o mês de julho de 2009, atingindo, no período, uma variação total de -10,6%. Durante os mesmos meses de 2008, a produção de máquinas e equipamentos caiu 30,8%, enquanto que, no período seguinte, houve uma recuperação de apenas 2,5%, o que representa um saldo total negativo de -29,1%, se considerarmos o período entre setembro de 2008 e julho de 2009. Como a indústria de bens de capital é a “indústria das indústrias” e responde pelas encomendas de todo o setor, a sua contração nos indica que, na verdade, não houve uma recuperação de fato, pois não houve investimentos, mas apenas um aumento da produção baseado na maior utilização da capacidade ociosa. Enquanto o setor industrial não retomar os investimentos, não se pode falar em uma verdadeira recuperação.



Nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) para a indústria de transformação(*)
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Além deste sintoma de falsa recuperação, os dados do período que vai do terceiro trimestre de 2008 ao segundo e terceiro trimestres de 2009 (ainda em andamento) reforçam nossas afirmações: as vendas no varejo subiram 2,6%, enquanto o emprego formal caiu 0,5%, o que pode ser explicado pelo aumento de 9%, do crédito à pessoa física. Já o crédito à pessoa jurídica, destinado às empresas, teve uma redução de 8,1%. Em relação ao consumo de energia, as residências aumentaram de 5,9% seu consumo (em GWh), enquanto o consumo industrial caiu 10,4%. Merece destaque o setor automotivo, cujas vendas aumentaram 5,5% e sua produção reduziu-se 3,3%.




Consumo mensal de energia na indústria - Jan. 08/Jul. 09(*)
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Este é o cenário da economia atual. Depois da evolução dos investimentos, entre os anos de 2006 e
2008, o país vive um momento de contenção. A Formação Bruta de Capital Fixo (que representa os
investimentos em edificações, máquinas e equipamentos) no Brasil saltou, de 9,8% em 2006, para 13,5% e 13,8% em 2007 e 2008, respectivamente. Porém, a previsão para o ano de 2009 é que essa taxa decresça de 10% a 15%. Para o ano atual, isto representa R$146 bilhões a menos do que o previsto em setembro de 2008.




Formação Bruta de Capital Fixo - base móvel (média do ano anterior = 100)(*)
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A nível mundial, a utilização da capacidade ociosa também vem aumentando e é fruto dos estímulos setoriais dados pelos governos. Já foram trilhões de dólares diretamente injetados nas economias, planos de intervenção e reestruturação de empresas, além de diversas formas de transferências utilizadas como contrapartida para quem perdeu o emprego. Tudo isso contribuiu para a tentativa de manter o aquecimento da economia no momento de crise. E dura até hoje.
No Reino Unido, a indústria registrou um avanço de 0,9% de junho para julho, puxada pelo setor de transportes (crescimento de 10,4%), que se beneficiou de um programa do governo para a compra de automóveis. Já a China teve uma alta recorde de 90% nas vendas de carros no mês passado. Isto foi reflexo dos cortes nos impostos e do aumento nos subsídios. Este ano, a China liberou um pacote de US$ 585 bilhões para proteger a economia da recessão mundial, estimulando diversos setores, como o automotivo, que cresceu 45% durante quatro meses seguidos.
Aqui no Brasil o PIB cresceu 1,9% no segundo trimestre de 2009. Quando comparado com o mesmo período do ano passado, há uma retração de 1,2%. Este resultado é atribuído ao aumento do consumo das famílias, que foi de 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado e 2,1% em relação ao 1º trimestre de 2009. No entanto, a indústria teve uma queda de 7,9% em comparação com 2008 e um crescimento de 2,1% em relação ao trimestre anterior.
O consumo do governo também influenciou o PIB, na medida em que teve um aumento de 2,2% em relação a 2008. Quando comparamos período por período, esse consumo apresenta uma queda 0,1% em relação ao 1º trimestre de 2009. Mas, no primeiro semestre do ano, o aumento foi de 2,5% em relação ao mesmo semestre de 2008 e de 4,2% nos 12 meses encerrados em junho.

Isso cria temores para muitos economistas, que vêem a possível retirada dos estímulos governamentais como um risco. Na opinião de Dominique Strauss-Kahn, Diretor Geral do Fundo Monetário Internacional, “as políticas públicas de suporte não devem ser suspensas. A demanda privada ainda está extremamente fraca e correríamos o risco de uma recaída”. Timothy Geithner, Secretário do Tesouro Americano, afirma que, apesar da tentativa de redução da ajuda dada às empresas por parte do governo, “precisamos continuar reforçando a recuperação até que ela seja autossustentada e liderada pela demanda privada”. Ele procurou dar garantias de “não puxar o freio cedo demais”. Os efeitos de tais ações criaram um problema: se o governo soltar a mão da economia, será que ela continuará andando sozinha, na trajetória de crescimento?
Talvez esta pergunta possa ser respondida com uma letra: a letra “W”


Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.  
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A complexa “recuperação da economia”

Semana de 31 de agosto a 06 de setembro de 2009


Nas últimas semanas, parte dos analistas econômicos tem enfatizado a tese de que a recuperação, nos países desenvolvidos, já estaria dando os seus primeiros sinais. Como vimos na análise passada, o debate tem se deslocado para o formato gráfico que o movimento, iniciado com a crise econômica desencadeada no início de 2007, apresentaria. Ou seja, discussão atual é se ele assumirá o formato de “V”, “U” ou “W”, havendo quem aposte em mais de uma das alternativas, devido à complexidade do processo de recuperação. Alguns dados pouco significativos servem de base para sustentar a opinião dos mais otimistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os anúncios de cortes de vagas de trabalho caíram 21% em agosto. Em julho, foram anunciados 97.373 cortes e, no mês seguinte, este número caiu para 76.456. O setor de serviços do país também apresentou melhora, apesar de se manter em contração. O índice de atividade do setor subiu, de 46,4, para 48,4 pontos. Índices superiores a 50 pontos indicam crescimento, abaixo disso, contração. Todavia, estes dados não permitem concluir que o processo de recuperação econômica está se iniciando. Eles indicam apenas que o ritmo de contração da economia está diminuído.

Taxa mensal de desemprego para os Estados Unidos - Jan./09 - Ago. 09(*)
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Fonte: http://www.bls.gov/

No Brasil, a isenção de impostos e o período pré-natalino têm dado fôlego adicional a alguns setores, como o de eletroeletrônicos. Em Manaus, a Philips chamou de volta os 620 funcionários com os quais havia firmado acordo de suspensão temporária do contrato de trabalho. Na Europa, a previsão de crescimento do Banco Central Europeu (BCE) para a zona de euro em 2010 é de 0,2%, e o pacote de incentivos emergenciais deverá ser mantido, pelo menos por enquanto, o que indica que a crise ainda não terminou. O professor de política econômica e desenvolvimento da London School, Robert Wade, compartilha desta mesma opinião. Segundo ele, o movimento de recuperação industrial, em curso no mundo desenvolvido, é apenas uma recomposição de estoques, o que, por não ter sustentação, irá levar a uma nova crise em 2010.
De fato, como já chamamos a atenção, existe a possibilidade de ocorrência de uma nova crise, uma crise complementar, que restabeleceria as condições necessárias para dar início ao processo de recuperação da economia mundial. Se esta hipótese se confirmar, o movimento cíclico assumirá o formato de “W”, um pouco imperfeito, com um ritmo lento de crescimento econômico.
Esta próxima fase da economia global parece apresentar-se de maneira bastante complexa. A esse respeito, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, afirmou que a recuperação da zona do euro será irregular e desigual sem entrar em maiores detalhes sobre o assunto. Mas, a recuperação desigual não será uma característica apenas da União Européia. Países como os Estados Unidos e alguns emergentes como a China podem apresentar situação semelhante. Segundo o professor Wade, a China está produzindo uma nova bolha imobiliária, que deve estourar em algum momento. Além disso, a industrialização chinesa e a sua estratégia de exportação mundial vêm contribuindo para a desindustrialização de outros países emergentes, como o Brasil.
Ainda nos Estados Unidos, a crise parece ter aumentado a dualidade da economia e algumas notícias mostram que, de um lado, com uma grande facilidade de acesso ao crédito, se tem um conjunto de grandes empresas e bancos. Do outro lado, acumulam-se as pequenas empresas, com vendas em queda e com dificuldades de acesso ao crédito. Esta dualidade faz com que o processo de recuperação seja desigual, com algumas empresas saindo da crise muito antes que as outras. Temos então a formação de um quadro complexo no cenário econômico internacional. O desenrolar dos fatos mostra que a recuperação da economia mundial ainda não começou, mas já aponta para uma direção incerta e duvidosa. Nessas circunstâncias, uma simples onda de otimismo baseada em números incipientes não será suficiente para promover a retomada do crescimento.
O secretário do tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, declarou que já vislumbra os primeiros sinais de crescimento na economia americana e mundial, mas a maioria dos governadores do Federal Reserve (membros da direção do banco central do país nomeados pelo presidente e aprovados pelo Senado) admite que a economia irá se recuperar lentamente e adverte que ela ainda está vulnerável aos choques. A ata da reunião do Comitê de Política Monetária do Fed mostra que o desemprego continua sendo um motivo particular de preocupação, apesar da queda do ritmo das demissões. Segundo a consultoria ADP Employer Services o setor privado da economia dos Estados Unidos eliminou 298 mil postos de trabalho em agosto.
No Japão, a situação também não é diferente: a taxa de desemprego do país subiu, em julho, para 5,7%, o nível mais alto da série histórica iniciada em 1953, fator decisivo para a derrota nas eleições do Partido Liberal, após 54 anos no poder. Já no Brasil, o otimismo continua elevado, influenciado por dados como o da produção industrial, que cresceu em dez das 14 regiões pesquisadas em julho, em relação ao mês anterior, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, na comparação com julho do ano passado, a produção industrial declinou em quase todas as localidades analisadas pelo IBGE, com exceção de Goiás, onde houve um crescimento de 4,4%.

Indicadores conjunturais da indústria - resultados regionais(*)
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Estes números, portanto, aparentemente, indicam que a recuperação da economia brasileira será mais rápida que a das demais economias. No entanto, é preciso observá-los com cuidado, sob a ótica sazonal. Neste período do ano, a indústria começa a aumentar a produção, apostando na elevação do consumo provocada pelas festas de fim de ano e pelo pagamento do décimo terceiro salário e das gratificações natalinas. Entretanto, é preciso lembrar que a recuperação da economia exige muito mais do que meros estímulos sazonais.

Texto escrito por:
Diego Mendes Lyra: Mestrando em economia, Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O déficit salvou o mundo

Semana de 24 a 30 de agosto de 2009


Até que enfim os economistas e governos começaram a respirar aliviados. A tensão está baixando, mas isso não significa que a recuperação começou.
Temos chamado a atenção dos leitores para o fato de que estamos nos aproximando do fundo do poço, ou seja, o barco da economia mundial navega no entorno dele.
Mas o que vem a ser o fundo do poço? A expressão generalizou-se, mas poucos refletem sobre o seu conteúdo. Se o poço tem um fundo, tem também uma borda, o que significa que a economia oscila de um extremo a outro. Aí está a noção de ciclo que dá origem a uma teoria que tenta explicar por que a economia das sociedades capitalistas não evolui de forma linear, mas oscila entre aceleração e desaceleração, com uma freqüência de aproximadamente 10 anos. Isto pode ser facilmente observado através de diversos dados estatísticos como, por exemplo, as taxas de crescimento do PIB ou do produto industrial.
Embora esta constatação possa ser feita, e o tema seja tratado até nos manuais de macro-economia, não se tem a coragem de falar claramente dele. Os jornais da semana trazem com alguma freqüência as palavras anticíclico e contra-cíclico, referindo-se às medidas de política econômica adotadas durante a crise. Falam isso agora, quando o pior da situação está passando.
Também tem voltado ao debate a questão alfabética: se o ciclo será em V, U ou W. A grande maioria dos economistas parece optar pela letra U, ou seja, a fase de crise seria representada pela perna da esquerda do U, a curva inferior seria o fundo do poço e a perna da direita representaria a fase de recuperação ou reanimação, como nós a temos chamado. A forma V significaria que, após a queda, haveria um ponto de mínimo, que seria o vértice, seguido por uma rápida recuperação, representada pela segunda perna do V. Ninguém aposta nessa hipótese. A forma de W significaria que, após a primeira crise, que seria representada pela primeira perna do W, terminando no primeiro vértice inferior, haveria uma forte recuperação, que terminaria no vértice superior central, seguida de nova queda, repetindo assim o movimento inicial. Esta hipótese parece agradar a alguns, mas com certos reparos. Nenhuma das recuperações seria rápida e, por isso, o W seria muito aberto e com o vértice superior central rebaixado.
Tendemos a apontar para a opção de U, embora o nosso U seja aberto à direita, ou seja, a perna da direita seria também inclinada para a direita, o que significaria que a recuperação, que, ainda não se iniciou, será lenta e arrastada. Esta é também a opinião de Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York que ficou famoso por prever a crise financeira. Segundo ele, a recessão só terminará no final do ano, e o crescimento “será anêmico e ficará abaixo da tendência por pelo menos alguns anos”.
Atualmente, os dados mostram que os países se encontram em pontos diferentes da curva inferior da letra U, que representa a fase chamada de depressão, que se caracteriza pela redução dos ritmos da queda da economia, pela estabilização do desemprego, e algum aumento na produção para a reposição dos estoques, que se esgotaram na fase anterior.
Este é o ambiente que se observa em países da zona do euro como a Alemanha e a França.
No entanto, ainda surgem abundantes notícias sobre o agravamento da situação em outros países. Na Espanha, por exemplo, a queda do PIB no segundo trimestre foi de 1,1% em relação ao primeiro. Em relação ao ano passado, foi de 4,2%, a maior queda desde 1970. A taxa de desemprego já atinge os 17,92% da população economicamente ativa.



Taxa mensal de desemprego para a União Europeia - Jan. 1995/Jul. 2009(*)
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As exportações do Japão, em julho, caíram pelo décimo mês consecutivo. Em relação aos mesmos períodos de 2008, os embarques para o exterior caíram 36,5% em julho, ultrapassando os 35,7% de junho. O governo da China pretende reduzir o excesso de capacidade produtiva em alguns ramos industriais como aço e cimento. Este argumenta que “a economia ainda está num período crítico de recuperação, durante o qual o governo deve conter de maneira resoluta a capacidade industrial excessiva.” Nos EUA, a Casa Branca prevê que a economia encolherá 2,8% este ano e que o desemprego superará os 10% até o final do ano. O Departamento de Agricultura americano (USDA) calculou que a crise provocou uma queda de 16,05% no comercio agrícola mundial, no primeiro semestre, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Segundo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), o comércio da região terá uma redução de 13% este ano, quando comparado com o anterior.
Como se vê, os sinais que apontam para o início da reversão do movimento de crise são débeis econtraditórios mostrando que esta mudança, está sendo lenta. A grande novidade é que ela está se dando à custa de um derrame de trilhões de dólares pelos Bancos Centrais e governos que se endividam e, agora, terão de gerir esta dívida, ou seja, estamos trocando a crise econômica pela crise dos orçamentos e dos estados. Os déficits dos orçamentos têm crescido a tal ponto que, no caso dos EUA, espera-se que, em 2019, a dívida federal líquida atinja 70% do PIB. Em 10 anos, estima-se que ela atingirá US$ 7,140 trilhões. No entanto, economistas como Paul Krugman consideram que isto foi um mal necessário e contribuiu par salvar o mundo. O que ele não sabe é que, com esta brutal intervenção, aliada à existência dos monopólios, o saneamento da economia não se completou e a crise não cumpriu integralmente sua função saneadora tão necessária para repor as condições de retomada do processo de acumulação do capital. E é esta a causa da lentidão no processo de recuperação, que a grande maioria dos observadores reconhece, mas não consegue explicar.
E existe ainda um novo perigo: o de uma crise complementar para terminar o saneamento nãorealizado. Neste caso teríamos um movimento com a forma de W, suspeita também já levantada pelo economista americano Nouriel Rubini. Lembremos que este fenômeno já ocorreu depois da crise de 1929/33. Apesar de toda a violência da destruição, foi necessária a crise complementar de 1937, seguida da II Guerra Mundial.
No Brasil, a subestimação da violência do fenômeno que se aproximava, uma “marolinha”,segundo o presidente, fez com que a política anticíclica só fosse iniciada tardiamente e de forma canhestra, mais voltada para as despesas do que para os investimentos. Apesar dos discursos e afirmações das autoridades sobre a saída da crise, alguns indicadores mostram que a situação ainda se agrava. O desemprego na região metropolitana de São Paulo passou, de 14,2%, para 14,8%, retomando a trajetória de alta, segundo os dados do Dieese. Foi o maior movimento já registrado para o mês de julho na séria histórica. O número de desempregados no mês foi de 67.000, elevando o total para 1,562 milhão. A inadimplência das famílias também aumentou, passando, de 17% em julho, para 19% em agosto, de acordo com pesquisa da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio). Alguma euforia tem sido registrada no setor siderúrgico com a retomada das exportações e da produção a nível mundial, o que tem afetado as indústrias brasileiras. Mas o próprio presidente da CSN, Benjamim Steinbruch, alertou que a ajuda do governo continua a ser necessária. Flávio Azevedo, presidente do Instituto Aço Brasil (IABR),pensa que a redução do consumo no mercado brasileiro este ano será de 22% e que só voltará aos níveis de 2008 daqui a três anos. O dado que mais tem causado alvoroço tem sido o crescimento da produção industrial em julho, em comparação com o mês anterior, que foi de 1,.9%, segundo o Ipea. Mas, se comparado com o mesmo mês do ano anterior, a queda é de 10,7%.
As medidas que mais têm contribuído para conter a crise são a redução dos impostos e dos juros,além do aumento da oferta de crédito pelos bancos oficiais. Estas medidas, porém, mostram que também estamos trocando a crise pelo rombo do orçamento. Com efeito, a dívida do setor público subiu, de 43,2% do PIB, para 44,1% em julho, atingindo o valor de R$ 1,283 trilhão. O superávit primário acumulado de janeiro até julho atingiu apenas os R$ 38,435 bilhões, representando 2,25% do PIB, menos da metade do acumulado no ano passado, que correspondeu a 5,63% do PIB. O total não foi suficiente para pagar nem os juros da dívida, o que fez o déficit nominal mensal subir para R$ 12 bilhões em julho. No semestre, o Banco Central (BC) registrou um prejuízo de R$ 941,6 milhões, quando, no mesmo período do ano passado, o resultado havia sido positivo em R$ 3,2 bilhões. Isto foi o que as ajudas ao setor privado para a superação da crise custaram ao BC.
Estará o déficit também ajudando a salvar o Brasil? Quem está efetivamente ganhando com asalvação?

Texto escrito por:
Nelson Rosas Ribeiro: Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Seminário Permanente

Olá Caros Leitores,

além do Grupo de Análise de Conjuntura – GAC e do Grupo de Produção Informática – GPI, o Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira - PROGEB - é formado pelo Seminário Permanente – SP, o qual promove apresentações sobre os temas que são estudados pelos pesquisadores do PROGEB.

E é com satisfação que convidamos a todos para a apresentação do seminário:
“A Crise Econômica: teoria e realidade"


Atenciosamente,

Seminário Permanente – SP, Grupo de Produção Informática – GPI e Observatório Econômico, partes integrantes do Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira - PROGEB.


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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desta vez, quem será o “bode expiatório”?

Semana de 17 a 23 de agosto de 2009

Embora se acredite que há sinais de recuperação na economia mundial, os dados ainda não dão nenhuma certeza de que isto de fato esteja ocorrendo. Os que apostam que a retomada já se iniciou apegam-se a dados ligados aos mercados financeiros e ao resultado do PIB de algumas economias que, no segundo trimestre do ano, tiveram variação positiva do produto, depois de quatro ou cinco trimestres de queda. São elas: Japão, Alemanha, França, entre outras.
O Fundo Monetário Internacional, FMI, é um dos defensores da tese de que o pior já passou; porém, ao mesmo tempo em que profere um discurso em tom otimista, faz uma série de ressalvas acerca do processo de recuperação. Segundo a instituição, a recuperação já começou, mas a retomada será difícil, porque a crise deixou marcas profundas, que durarão vários anos. Conforme o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard: “nas recessões normais, tão destrutivas para as empresas e o emprego, as questões melhoram de maneira previsível, mas a recessão mundial atual está longe de ser normal”. Blanchard acrescenta ainda que “o mundo não está passando por uma recessão trivial. A recuperação não será fácil. A crise deixou profundas cicatrizes que terão conseqüências sobre a oferta e a demanda por vários anos”.
Em função de tais perspectivas, o Fundo aconselha às autoridades de todo o mundo a manterem seus programas de estímulo pelo período que for “necessário à retomada do caminho do crescimento”. Resta saber quanto tempo durará este período, se o Estado irá, de fato, ter condições de manter os gastos no ritmo necessário e, caso consiga, se isto irá evitar o pior, isto é, uma nova grande depressão em escala planetária.
O temor do FMI é legítimo, já que não há nenhum forte indício que denote a reversão da fase de crise. Se algumas economias saíram da recessão, porque tiveram ligeiro crescimento no segundo trimestre, outras entraram, como Chile e Argentina. Além disso, os dados de emprego continuaram a piorar, e o consumo dos norte-americanos, responsável por 70% do PIB dos Estados Unidos, não dá nenhum sinal de recuperação. A perspectiva dos economistas é que, se a retomada tiver que passar pelos gastos dos americanos, a situação está complicada, pois a queda dos salários e o aumento do endividamento, combinados ao assustador aumento no desemprego, evidenciam a impossibilidade de serem retomados os gastos de consumo no nível desejado. Assim, sem demanda, não há oferta e vice-versa; uma alimenta a outra, seja para o bem ou para o mal.

Total de salários pagos - Setor privado (indústria e serviços) - Estados Unidos(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: Dados retirados do http://www.bea.gov/

Para Blanchard a solução passará pelo aumento do consumo interno de países asiáticos que têm grandes superávits em conta corrente. Todavia, cabe ressaltar que a renda média nestes países é infinitamente menor que nos Estados Unidos, cabendo ao Estado uma parte significativa da demanda. Mas, o poder de fogo dos governos parece que não manterá o mesmo ritmo. O governo chinês já prevê agora, para o segundo semestre, uma diminuição na compra de commodities e, em julho, reduziu em 70% a concessão de crédito no país. Confirmada a expectativa, as commodities sofrerão nova queda de preços, com conseqüências nocivas para as bolsas de valores e economias de países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil. E uma nova onda de desespero tomará conta dos especuladores, que vêm utilizando justamente as commodities nos “jogos” feitos nas bolsas de valores dos países chamados de emergentes.
Nas últimas semanas, analistas previam uma baixa nas importações chinesas; mas houve novo recorde na compra de minério de ferro (56,5 milhões de toneladas) e de petróleo em julho. Mas, as importações de alumínio e cobre caíram 37% e 15%, respectivamente, no mesmo período, em relação ao mês anterior.
O banco francês Natixis estima que as fortes importações chinesas de julho não são sustentáveis, considerando as projeções para a economia mundial, e alerta que a situação começará a mudar no segundo semestre. O Royal Bank of Scotland também publicou ontem estudo no qual sugere prudência sobre o que esperar da demanda doméstica chinesa nos próximos meses.
Os dados do varejo dos Estados Unidos indicam a permanência da crise no consumo. No mês de julho, a rede Target sofreu queda de 2,7% em suas vendas e o Wal-Mart, de 1,2%. A Saks, que vende artigos de luxo, teve retração de 15,5%, e a Home Depot registrou queda de 9% nas vendas trimestrais. A expectativa dos executivos do setor é que as condições só irão melhorar depois do segundo trimestre de 2010. Em função disto, algumas lojas estão reduzindo os estoques, preparando-se para as fracas vendas que são esperadas nas temporadas de volta às aulas e natalina.

Estimativas de vendas mensais no varejo para os Estados Unidos, excluindo veículos automotores e partes conexas(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: Dados retirados do http://www.census.gov/



Por outro lado, os bancos de pequeno e médio porte continuam quebrando. Neste ano, 72 instituições de crédito foram à falência nos Estados Unidos. Este é o maior número desde 1992. Espera-se que muitas outras instituições tenham o mesmo destino, à medida que a recessão aumentar os calotes e inchar a lista confidencial dos “bancos problemáticos”, que contava com 305 instituições no primeiro trimestre.
Atualmente, mais de 150 instituições de crédito de capital aberto, nos Estados Unidos, têm empréstimos não-quitados equivalentes a 5%, ou mais, do total do crédito concedido. De acordo com pessoas que já trabalharam em órgãos reguladores no país, este nível pode acabar com o capital de um banco e ameaçar a sua sobrevivência. E, segundo dados compilados pela Bloomberg, o número de bancos que ultrapassou esse limiar mais do que dobrou nos últimos 12 meses até junho.
O Governo dos Estados Unidos anunciou que, nos próximos meses, suspenderá os pacotes de ajuda que, só para não “deixar a peteca cair”, já ultrapassaram os US$ 12 trilhões. Isso para não falar no caráter das medidas adotadas, até então inéditas, como: dar garantias ao endividamento de empresas, comprar hipotecas (US$ 682 bilhões) e títulos de agências hipotecárias, “ativos podres” (US$ 105 bilhões de um total de US$ 200 bilhões), emprestar grandes somas de dinheiro aos grandes bancos sem data de vencimento, etc. O que se pode esperar se a promessa for cumprida? Quem será o novo “bode expiatório”? Veremos a verdadeira face da crise! Veremos, para além do debate acadêmico “livre mercado versus intervenção estatal”, para que (ou a quem) serve o Estado.
O problema maior é que a crise atual é tão profunda que, se o Estado conseguir estancá-la (o que não acreditamos que ocorrerá), não lhe restará nenhum centavo em caixa.
A pergunta que fica é: a atual crise quebrará o Estado, o capital ou a morte do capitalismo só poderá evitada ao preço de uma catástrofe do tipo da 2ª Guerra Mundial, com toda a destruição causada e com os milhões de inocentes mortos, como aconteceu após a Grande Depressão?


Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br.

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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Nem brotos verdes, nem recuperação: garantia e dinheiro público para os gigantes da especulação

IMPORTANTE: Esta análise não foi disponibiizada no blog, na sua respectiva semana, por motivos técnicos. Pedimos-lhes desculpas e agradecemos a compreensão. Boa leitura.

Semana de 27 de julho a 02 de agosto de 2009


Novamente, assiste-se ao retorno da euforia aos mercados financeiros, como se eles estivessemdefinitivamente descolados da esfera produtiva ou real da economia. Isto é o bastante para que muitos comecem a acreditar que a crise está superada. A explicação para este fenômeno, porém, tem um nome: dinheiro público.
Os governos do mundo inteiro vêm desenfreadamente e descaradamente jogando trilhões de dólares na economia, através das grandes companhias, a fim de salvá-las. Só o Governo norte-americano, desde que a crise se agravou, já gastou mais de US$ 12 trilhões em crédito direto e outras formas de transferência à meia dúzia de “premiados”, que de acordo com a interpretação de Thomas Malthus, na loteria da vida não tiraram um bilhete em branco.
Como se não bastasse a dinheirama concedida aos “donos” do mercado financeiro, o Governo dos Estados Unidos está agindo como “avalista” de um restrito grupo de gigantes, que está captando dinheiro a um custo bem inferior ao do mercado, simplesmente por que, em caso de calote, o governo garantiu o pagamento das dívidas.
Estima-se que, nos próximos três anos, estas empresas pouparão cerca de US$ 24 bilhões em custo de crédito, segundo o jornal Wall Street. Desde o segundo semestre de 2008, as empresas beneficiadas pelo programa de garantias chamado TLGP (Programa de Garantia de Liquidez a Termo) já emitiram US$ 339 bilhões em títulos com os mais variados vencimentos.
Uma análise comparativa do juro pago dentro do programa com o juro do mercado denota otamanho da benesse. Em 25 de novembro, o banco Goldman, um dos beneficiados, emitiu US$ 5 bilhões em títulos garantidos pelo Governo, com vencimento em junho de 2012 e juros de 3,25% ao ano. Neste mesmo dia, a dívida do Goldman a vencer em setembro de 2012 era negociada no mercado aberto com juros de 8,15%. Com base na diferença entre as duas taxas, o banco economizará cerca de US$ 754 milhões até o vencimento dos papéis garantidos. No total, o Goldman deve embolsar US$ 2,33 bilhões com a diferença entre juros pagos e juros recebidos, graças às garantias do governo.
No JP Morgan, a redução total dos custos de financiamento provavelmente ficará na casa dos US$ 3,1 bilhões ou US$ 246 milhões por trimestre. Para a GE Capital, que emitiu cerca de US$ 50 bilhões em títulos de médio prazo, sob a garantia do programa, a economia chegará a US$ 3,3 bilhões. O Citigroup economizou quase US$ 600 milhões, só no último trimestre de 2008, com os US$ 44,6 bilhões em títulos de médio prazo emitidos com a garantia do Governo.
Segundo Daniel Alperto, diretor-gerente do banco de investimentos Westwood Capital LLC, “não dá para ignorar o TLGP quando você analisa os resultados dos bancos (...) ele reduziu o custo definanciamento deles e garantiu que o mercado contasse exatamente com a liquidez de que necessitava”.
A concessão de garantia e liquidez por parte do Governo a um grupo restrito de companhias está resultando em novo fôlego para os mercados financeiros, que, à margem dos resultados da economia real (queda na produção, vendas, comércio exterior, aumento exorbitante no desemprego, etc.), vem comemorando resultados positivos, com a retomada do jogo da especulação nas commodities e bolsas de países subdesenvolvidos.
Apesar da euforia, no segundo trimestre, o PIB norte-americano continuou a registrar queda. Aretração foi de 1%, bem menor que a verificada no primeiro trimestre, quando o PIB se retraiu 6,4%. Mesmo sendo menor, o resultado negativo foi suficiente para marcar o período de recessão mais longo nos Estados Unidos desde que as informações começaram a ser contabilizadas pelo Governo em 1947. De acordo com o jornal Financial Times, é a primeira, vez, em 62 anos, que a economia norte-americana registra quatro trimestres de retração consecutivos.


Taxas trimestrais de crescimento do Produto Interno Bruto dos Estados Unidos - 1º trimestre de 2007 ao 2º trimestre de 2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: Dados retirados do http://www.bea.gov/

A queda no PIB se deveu principalmente as contribuições negativas do investimento em capital fixo e no setor residencial, dos gastos do consumidor (queda de 1,2%), do estoque de investimentos e das exportações (queda de 7%). As importações também tiveram queda. Em contrapartida, os gastos do governo federal cresceram 10,9% no mesmo período, muito acima da queda de 4,3% no primeiro trimestre do ano. Os gastos com defesa aumentaram 13,3% e, fora do setor de defesa, o crescimento foi de 6%.
Para o presidente Obama, embora o PIB tenha registrado queda no segundo trimestre, o país “já saiu do precipício”. Ele destacou que a maioria dos economistas concorda que os Estados Unidos ainda estão desacelerando, mas em um ritmo mais lento.
Acompanhando o movimento do PIB norte-americano, o Reino Unido registrou retração de 0,8% no seu PIB no segundo trimestre do ano em relação ao primeiro. Na comparação anualizada, a queda foi de 5,6%, constituindo o pior resultado desde o início da compilação dos dados em 1955 e a quinta retração trimestral, o que representa um duplo golpe para os que esperavam ver a luz no fim do túnel na economia britânica.
E como o “sol nasce para poucos”, os bancos pequenos e médios dos Estados Unidos, voltados para as atividades convencionais de um banco, como por exemplo, concessão de crédito a empresas e indivíduos, amargaram perdas e correm risco de falência em massa. De acordo com dados da agência de seguro-depósito dos Estados Unidos – FDIC – projeta-se a falência de 500 bancos regionais nos Estados Unidos, adicionais aos 57 que já fecharam suas portas este ano. Conforme o Instituto de Finanças Internacionais – IIF – as perdas de bancos norte-americanos e europeus poderão alcançar US$ 683 bilhões em calotes de crédito no próximo ano. O Instituto chama a atenção para a divergência entre dados de empresas e de instituições financeiras, concluindo que os fortes ficaram mais fortes e os fracos mais fracos.
Outro indicador que denota o tamanho da tensão e da gravidade da crise em marcha diz respeito ao atraso no pagamento das dívidas pelas empresas norte-americanas. A taxa de atraso nos pagamentos passou de 2,4%, no ano passado, para 11% neste ano e, segundo a agência de análise de riscos Moody’s, poderá atingir o ponto máximo de 12,8% até o final do ano. O que mais preocupa os economistas, porém, é que a taxa poderá manter-se persistentemente elevada por um bom tempo.
Conforme a analista do CreditSights, Louise Purtle, a fase de dificuldades será prolongada e tenderá a se agravar: “esteja preparado para um período de elevadas taxas de atraso nos pagamentos”. Ela destaca ainda: “veremos picos um atrás do outro”. Acredita-se que, na atual crise, o padrão está sendo distinto do habitual, até mesmo quando comparado com recessões graves. Historicamente, a inadimplência de empresas dispara quando uma recessão começa a ceder. Então volta a níveis mais normais. Mas, desta vez, a recuperação poderá demorar mais. O que ocorre nesta crise é o fato das companhias não estarem promovendo um saneamento substancial em seus balanços patrimoniais e dos níveis atuais de endividamento serem insustentáveis, o que poderá levar, e certamente levará, à estagnação da economia por anos. Segundo a S&P, metade da dívida maturará em cinco anos.
O maior agravante nesta recessão encontra-se na dificuldade das empresas venderem ativos, para quitar dívidas, num ambiente desfavorável para negócios. Além disso, muitas empresas devem mais do que valem seus ativos básicos, situação esta que se assemelha com a dos proprietários de imóveis cujo financiamento remanescente é superior ao valor de mercado de suas casas. Por outro lado, e para completar todas as características típicas de uma crise, grandes bancos e outras empresas financeiras, abalados e impactados pela crise, não têm a vitalidade ou vontade de refinanciar todo esse endividamento.
Como conseqüência, neste ano, 128 companhias deram calote e a S&P acredita que outras 207 empresas estão vulneráveis à crise de inadimplência. Para tentar afastar o risco de calote, as empresas adotam estratégias diversas, dentre as quais: negociam revisões e extensões a fim de dilatar os prazos de pagamento. Outras companhias se utilizam de cláusulas de “sustação de execução”, incorporadas aos seus bônus. Contudo, essas iniciativas só dão alívio temporário, pois as medidas tomadas apenas adiam o inevitável. Em último caso, é a concordata que termina sendo a “solução”.
Mas os problemas não atingem só as empresas. As famílias norte-americanas, também vítimas do processo de socialização dos prejuízos, já perderam quase US$ 14 trilhões na fortuna líquida, e os ativos imobiliários caíram quase 40%.
Todas estas distorções fazem parte do processo natural de socialização das perdas e destruição de riqueza fictícia desencadeado pela crise. O que causa espanto é o Estado usar seus instrumentos para defender a riqueza de um ínfimo grupo de pessoas. Ou pelo menos, isto não deveria ser tratado como uma coisa normal.


Texto escrito por:
Águida Cristina Santos Almeida: Professora do Departamento de Economia e Finanças da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG e integrante do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br.

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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

À procura de crédito

Semana de 10 a 16 de agosto de 2009



Informações divulgadas pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), considerado o bancodos bancos centrais, mostram que os recursos utilizados pelos governos dos países desenvolvidos nos programas de socorro às instituições financeiras não foram suficientes para “tapar o buraco”.
Preocupado com a situação o Fed, banco central dos Estados Unidos, deve injetar mais liquidez no ano que vem no intuito de evitar uma nova onda de insolvência dos bancos. O economista-chefe do BNP Paribas, Brian Fabbri, utilizou a expressão “esterilizar” ao comentar a ação do Fed de comprar papéis de agências financeiras e títulos tóxicos. O compromisso envolve um montante de 1,7 trilhão de dólares.

Para o BIS, os dispêndios realizados pelos Estados Unidos, bloco europeu e Japão, que atingem os sete trilhões de dólares, não conseguiram, até agora, aumentar as linhas de crédito dos bancos ou reduzir as necessidades de empréstimos. Diante desse cenário, continua a observar-se uma generalizada escassez de crédito, o que é uma característica da fase atual do ciclo.
Uma pesquisa realizada pela companhia financeira britânica Markit comprovou que, globalmente, as indústrias consideram que a disponibilidade de crédito atualmente reduziu-se em comparação com o trimestre passado. No Brasil, das 205 companhias entrevistadas, 17,5% reclamaram de restrição a financiamentos.
Analistas norte-americanos e europeus já vêem uma “luz no fim do túnel” quanto ao destino desuas economias. No período de abril a junho do ano corrente, o PIB da Zona do Euro teve a menor queda dos últimos cinco trimestres (-0,1%). No caso da Alemanha e da França, o resultado trimestral do seu produto interno foi positivo, de 0,3%. Para os Estados Unidos, a previsão é de crescimento do produto no terceiro trimestre, o primeiro positivo desde 2008.
Contudo, apresenta-se no atual panorama uma séria preocupação: o aumento do desemprego. Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, comentou no inicio deste mês que
“mesmo quando a economia reaquecer, o desemprego poderá continuar crescendo”. Na mesma linha de pensamento, Brian Fabbri avalia que o crescimento norte-americano vem dos gastos do governo e da redução de estoques e que o desemprego continuará.
Na primeira semana de agosto, nos Estados Unidos, subiram novamente os pedidos de segurodesemprego, atingindo 558 mil requerimentos. A taxa estimada do desemprego vai passar de 9% para 11%. Os setores que mais demitiram foram o fabril e o de construção, e a tendência é de lenta absorção dos postos de trabalho, havendo o risco de algumas vagas simplesmente desaparecerem.

Nos países europeus, o setor que sentiu bastante o baque econômico foi o de turismo. No primeiro quadrimestre do ano, a queda foi de 10%. Na Itália e na Grécia, a contração chegou a 15%, onde a atividade é fonte muito importante para a renda.
No início do mês de agosto, foram divulgados dados sobre o desempenho das principaisinstituições bancárias no Brasil. Os resultados mostraram que, apesar da crise, a situação dos bancos, no primeiro semestre do ano, foi melhor do que se esperava. Conforme a consultoria Austin Rating, a rentabilidade média dos 14 bancos que já divulgaram seus balanços, em relação ao ano passado, caiu de 23%, para 19%. As razões apontadas foram a manutenção das margens de juros dos bancos privados e o crescimento do crédito por parte dos bancos públicos.

Um dos mecanismos utilizados pelos bancos privados para manter seus lucros foi o aumento dasprovisões, uma espécie de “colchão de segurança” onde estas instituições deixam o dinheiro, ao em vez de, por exemplo, emprestar. Comparando-se junho de 2008 e junho de 2009, as provisões bancárias saltaram, de R$ 55,7 bilhões, para R$ 91,9 bilhões. A principal preocupação dos bancos privados é a elevada inadimplência, que deve chegar ao auge no terceiro trimestre. Enquanto isso, o Banco do Brasil tornou-se a instituição com maior rentabilidade entre os 20 maiores bancos da América Latina e dos Estados Unidos, deslocando o Itaú Unibanco para o segundo lugar. A expansão do crédito e a incorporação de outras instituições (o BB adquiriu a Nossa Caixa, o Besc e o BEP) colaboraram para o lucro líquido de 2,3 bilhões de reais.

Animada com o resultado obtido pelo setor financeiro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Confrat-CUT) passou a negociar um reajuste de 10%, com ganho real de 5%, para os seus filiados. Para o presidente da Confrat, Carlos Cordeiro, as reivindicações podem ser atendidas, pois a rentabilidade dos bancos brasileiros é superior aos europeus e as tarifas cobradas chegam a cobrir duas vezes os gastos com pessoal. Também estão em busca de reajustes salariais os sindicatos do setor industrial, porém com perspectiva incerta. Para o presidente da Federação dos Metalúrgicos de São Paulo (FEM-CUT), Valmir Marques, a negociação não será tranqüila, pois as indústrias estão com lucro menor e uma perspectiva de recuperação lenta.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, avalia que o setor industrial foi o maisafetado pela crise econômica, com queda de 13,4% na produção e 5,1% nos postos de trabalho no primeiro semestre. O nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) da indústria de transformação foi de 79,8%, em julho, 5,6 pontos abaixo do encontrado em setembro do ano passado. As maiores quedas foram verificadas na metalurgia, nos bens de capital e na mecânica. Para os analistas, a recuperação industrial será lenta, pois a produção dos últimos meses foi destinada para a reposição dos estoques e não correspondeu a um grande aumento da demanda.


Utilização média da capacidade instalada na indústria de transformação, entre Agosto de 2008 e Agosto de 2009 - Porcentagem da capacidade máxima operacional utilizada no mês.(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: FGV - Dados retirados do http://www.bcb.gov.br


Utilização média da capacidade instalada por setor industrial, entre Agosto de 2008 e Agosto de 2009 - Porcentagem da capacidade máxima operacional utilizada no mês.(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: FGV - Dados retirados do http://www.bcb.gov.br

Os segmentos que menos sofreram com a crise foram os de alimentos e medicamentos, e um dos setores com demanda a ser expandida é o de construção, em razão das obras do programa habitacional federal e do financiamento de imóveis com juros reduzidos.
Confirmam-se assim os prognósticos de que a economia situa-se próxima ao fundo do poço e arecuperação será lenta, com pouca criação de postos de trabalho e dificultada ainda mais pelas restrições do crédito.



Texto escrito por:
Maria Carolina Costa Madeira: Jornalista, mestranda em Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br

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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Fundo do poço à vista

Semana 03 a 09 de agosto de 2009


É verdade, o fundo do poço está às nossas vistas. O problema é saber exatamente onde ele está: se adiante do pára-brisa ou no retrovisor. Os integrantes do governo brasileiro garantem que a crise já é coisa do passado e, portanto, pode ser vista pelo retrovisor. Porém, algumas considerações devem ser feitas.
O mundo dá sinais de que o pior da crise está passando. Ou seja, os indicadores apontam uma diminuição no ritmo de desaquecimento da produção, revelando que a economia ainda se encontra na fase de desaceleração. Isso nos faz questionar a afirmação sobre a ultrapassagem do fundo do poço. Entretanto, fica a pergunta: quais os parâmetros que estão sendo utilizados para se fazer tal afirmação?

Vejamos o que os fatos nos revelam.

Na Espanha, o emprego recua a taxas decrescentes há três meses. Nos EUA, o corte de empregos atingiu, no mês de julho, o menor patamar em 11 meses, ao registrar o fechamento de 247 mil vagas (no mês passado, a cifra foi de 443 mil). Já o abalado setor automobilístico deste país vive um momento de esperança. Empresas como a Hyundai, a Ford e a GM anunciaram a retomada da produção em fábricas fechadas durante a crise, graças aos incentivos do governo Obama.


OCDE - Crescimento do PIB no 2º trimestre de 2009
Variação % em relação ao trimestre imediatamente anterior e a igual trimestre do ano anterior
(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.

Fonte: OCDE Quarterly National Accounts - Disponível em http://www.iedi.org.br

Em contrapartida o setor de serviços apresentou, em julho, seu décimo mês consecutivo de declínio, mas com um ritmo superior ao de junho, e a renda do consumidor americano caiu 1,3% no mesmo mês.
O índice ISM (do inglês Institute for Supply Management), que mede a expansão (acima de 50) ou retração (abaixo de 50) de um setor, mostrou que a contração da atividade econômica se dá a passos cada vez mais lentos nos EUA e Europa. Ao subir 4,1 pontos, atingindo 48,94 pontos, a indústria estadunidense alcançou o ritmo de contração mais lento, desde agosto de 2008. Na Inglaterra e no Japão os números foram 50,8 e 52,8, respectivamente.

O estudo atribui isso ao reflexo da queima de estoques, aliada a uma recuperação chinesa.

No Brasil, a indústria cresceu 3,4%, no 2º trimestre em comparação com o 1º e 0,2% de maio a junho, sendo puxada principalmente pela indústria de bens de capital (2,1%). De janeiro até julho, esta última teve um crescimento médio de 5,5% ao mês e as vendas cresceram 10,6%, em junho em comparação com o mês anterior. Já as vendas de todo o setor industrial atingiram um crescimento de 3,8% no mesmo período. Com a eliminação de efeitos sazonais, o crescimento foi de 1,6%. Está é a segunda expansão consecutiva e a quarta no semestre.


Produção Industrial - Indústria geral (*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: http://www.cni.org.br


Variações da produção industrial - Julho 2009(*)
* Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem.
Fonte: IBGE - Disponível em: http://www.iedi.org.br


E o eufórico mercado de veículos, por sua vez, teve um mês de julho acima das previsões aolicenciar 285,4 mil unidades. O acumulado do ano já chegou a 1,735 milhões de unidades, representando um avanço de 2,34% em relação aos mesmos sete meses de 2008. O segmento de motos é que não tem estado bem. Entre janeiro e julho, a queda chegou a 20,9%.

Ainda assim, a Confederação Nacional das Indústrias fez um alerta sobre os indicadores de junho, os quais “ainda não apontam uma trajetória definida de recuperação da atividade industrial”. O nível de utilização da capacidade instalada, na indústria de transformação, diminuiu de 79,8% em maio, para 79,3% em junho. Neste último mês, o emprego industrial recuou 0,1%, diante do mês anterior (menor queda em oito meses). No acumulado até junho, esse número foi de 5,1%.
Além do que já apresentamos, há outros dados que nos mostram que o que está ocorrendo é uma
grande queima de estoques, característica desta fase do ciclo.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, em janeiro, as empresas com estoques excessivos chegavam a 21,8% do total, ao passo que nenhuma delas declarou ter estoques insuficientes. Em maio, o número chegou a 14,1%, mas as que tinham estoques insuficientes eram 3,3%. Em junho, apenas 12,4% das indústrias de transformação tinham estoques excessivos, mas 5,9% delas declararam ter estoques insuficientes.

Entre os motivos apontados para a existência de dados mais favoráveis estão as novas condições de financiamento do BNDES e de outros bancos públicos somadas aos incentivos fiscais, como a redução do IPI. Isso estimulou as empresas a anteciparem ou retomarem os seus investimentos em modernização ou ampliação da capacidade produtiva.

Alertamos, portanto, aos nossos leitores que, ao ouvirem alguém falar que o fundo do poço é visto
pelo retrovisor, reflitam e olhem para frente. O fundo do poço ainda está lá. Cuidado!

Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.
E-mail: progeb@ccsa.ufpb.br

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