quinta-feira, 25 de março de 2010

Se correr, ou se ficar, o bicho pega e come

Semana de 22 a 28 de fevereiro de 2010

Temos destacado em nossas análises o caráter contraditório da atual fase do ciclo econômico, a recuperação. São exemplos: a quebra de mais quatro bancos nos Estados Unidos e a ameaça de insolvência de diversos países europeus (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). No entanto, mesmo diante da fragilidade verificada no setor financeiro, os governos dos Estados Unidos e de países da Europa como Alemanha, França e Inglaterra, começaram a retirar as medidas emergenciais.
Os diversos governos têm sido convocados a adotarem políticas de austeridade econômica, o que significa a aplicação de medidas restritivas.
Na União Européia, fala-se em congelar salários e aumentar a idade de aposentadoria, com o objetivo de reduzir os déficits orçamentários. A retirada das medidas emergenciais somada ao ajuste fiscal provocou uma onda de greves na Zona do Euro. Na Grécia, foi convocada uma greve geral de 24 horas; em Portugal, os trabalhadores anunciaram uma greve nacional para o dia 4 de março; e na Espanha, os sindicatos iniciaram uma marcha de protestos no dia 23 de fevereiro. A Confederação Européia dos Sindicatos (CES) afirmou que os protestos “vão se multiplicar diante da insatisfação real, da inquietação forte em meio a riscos de regressão social”. Joel Decaillon, “número dois” da CES, afirmou que a Europa perdeu 5 milhões de empregos em 2009 e pode perder outros 7 milhões em 2010.
Em períodos de crise, as condições de trabalho se deterioram, com o aumento de trabalhadores temporários mal pagos e a intensificação da jornada de trabalho. Nesse sentido, Decaillon expressa o seu descontetamento com a atual situação dos trabalhadores, ao dizer que “a taxa de desemprego é muito alta, o trabalho precário avança velozmente.”
Mesmo no país mais poderoso da Zona do Euro, a Alemanha, a situação não é das mais confortáveis. O déficit fiscal ultrapassou 3,3% do PIB, sendo esta a primeira vez, desde 2005, que o país não conseguiu manter o limite máximo de 3%, apesar de todo o empenho e rigor da premiê Ângela Merkel, intransigente defensora do respeito ao limite dos 3%. Além do mais, o Produto Interno Bruto (PIB) só não registrou retração no quarto trimestre de 2009, porque a indústria aumentou suas exportações para as economias mais “sadias”.
Ora, a dívida pública apresenta uma dupla face. De um lado, ela cria uma classe de parasitas financeiros, os rentiers, que enriquecem negociando os títulos de dívida na bolsa de valores. A aquisição dos títulos da dívida, por parte de industriais, comerciantes, sociedades anônimas, bancos e especuladores, faz prosperar o jogo na bolsa, o que Marx denominou de “bancocracia”. Mas, por outro lado, o pagamento da dívida requer o aumento dos impostos e esses recaem, de modo geral, sobre os meios de subsistência de primeira necessidade, ou seja, aqueles destinados à reprodução da força de trabalho. Desse modo, confirma-se a afirmação de Marx de que “a única parte da chamada riqueza nacional que é realmente objeto da posse coletiva dos povos modernos é (...) a dívida pública.”
Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama criou uma comissão interpartidária para analisar o problema do déficit fiscal, que deve chegar a 10,5% neste ano. Para reduzir este déficit, as propostas não são nada animadoras para os trabalhadores: aumento dos impostos, adiamento de aposentadorias e corte nos serviços médicos cobertos pelo governo. Em 2007, antes do estouro da crise, a dívida do governo federal era de 37% do PIB, mas, em 2009, ultrapassou 53%. O Federal Deposit Insurance Corp. (FDIC), agência do governo dos EUA, informou que 702 bancos eram considerados problemáticos no fim de 2009. A FDIC disse que o aperto final ainda está por vir, pois outros 140 bancos podem ficar sob sua supervisão. O total de ativos problemáticos chegou ao patamar de US$ 402,8 bilhões no fim do quarto trimestre de 2009. A venda de casas nos EUA apresentou queda recorde, com retração de 11,2%, em janeiro. Jennifer Lee, economista do BMO Capital, disse que, apesar da ajuda do governo, “o setor deu outro grande passo para trás”.
A atual situação da economia dos EUA é de um verdadeiro impasse. Os consumidores não compram, os bancos temem emprestar, as empresas não contratam e o Estado retira os estímulos. O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard, disse que a economia dos EUA estaria crescendo por uma combinação de insulina (estímulos fiscal e monetário) e açúcar (a ansiedade dos empresários de preencher estoques vazios). Blanchard destaca que “a contração foi muito sincronizada. Mas a recuperação? Cada vez menos.” O impasse da economia também repercute no nível de emprego. A situação dos trabalhadores é preocupante. Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos), disse que “as aberturas de empregos (nos EUA) são escassas”, com o aumento na demanda por mão de obra temporária.
No resto do mundo, alguns países apresentam certa recuperação. Argumenta-se que esta depende dos mercados globais que são estimulados pela “incansável” economia chinesa. Entretanto, Kenneth Rogoff, professor da Universidade de Harvard, disse que a China pode sofrer um baque nos próximos anos. Rogoff afirmou que “a reação chinesa à recente crise financeira aumentou claramente os riscos de que a China tenha uma bolha na economia alimentada por dívidas.” Ele completou que os valores dos imóveis se descolaram da realidade, sendo o mercado imobiliário o setor mais provável de eclosão de bolhas.
Com esse quadro da economia mundial, não surpreende o fato de que sobrem recursos para o comércio global. De acordo com Raed Safadi, diretor adjunto do departamento de comércio e agricultura da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dos US$ 250 bilhões que o G-20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo) arrecadou em 2009, apenas 67% foram utilizados, restando US$ 80 bilhões ociosos. Isto é indicativo de que, mesmo com as taxas de juros mundiais em níveis muito baixos, os capitalistas não se arriscam a investir, o que acaba por travar a recuperação da economia mundial.
Então, os governos se vêem pressionados a continuarem com as políticas emergenciais, dadas as pressões sociais e, ao mesmo tempo, são forçados a adotarem medidas restritivas, tendo em vista a debilidade de seus orçamentos, o que aumentará ainda mais a insatisfação social.
Temos, portanto, o ressurgimento, noutro plano e noutra escala, de um antigo paradoxo: se o governo correr ou ficar o bicho pega e come.

Texto escrito por:
Kaio Glauber Vital da Costa: Economista, pesquisador do Progeb-Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira.

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