Semana de 01 a 07 de fevereiro de 2010
Caro leitor, o carnaval passou. As festividades desta época contagiam todos os foliões em todas as partes do Brasil. Marchinhas de frevo e samba são entoadas pelos quatro cantos. Trios elétricos arrastam multidões embriagadas de felicidade. Todos os anos surgem hits que fazem o maior sucesso nos blocos carnavalescos. Por que este ano seria diferente?
No ano passado as rodas de choro cantavam tsunamis e marolas. Hoje se exalta o swing e o balacobaco brasileiro. Isto porque, segundo a notícia reportada em 01/02/10 no jornal Valor Econômico, "o país transformou-se em exemplo de sucesso, não só no desempenho econômico, como na regulação bancária, no uso de combustíveis renováveis, na conciliação de crescimento com distribuição de renda e até na aplicação de regras de proteção à saúde e ao ambiente dentro da OMC". Este reconhecimento foi feito no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.
Porém este canto pode desafinar e destoar das inspirações reais.
Em análises passadas já vimos que alguns números soam tão bem aos ouvidos que são declamados o tempo todo como se fossem um refrão. Tanto que, diante da expectativa de crescimento para 2010, o Comitê de Política Monetária do Banco Central sinalizou, na última ata, que começará um ciclo de arrocho monetário, o qual pode ter início com um aumento da Selic, já na próxima reunião do dia 17 de março. No entendimento do Copom há uma pressão da demanda doméstica sobre o mercado de fatores, o que aumentaria a pressão inflacionária.
Mas nem todas as estrofes de uma música são refrãos. Existem aquelas que são apenas balbuciadas, como se os cantores não soubessem da letra. Mas quem cantaria sobre a expectativa de esfriamento da economia, após o fim da redução do IPI? Os versos se tornariam lamúrias, já que as indústrias de bens de consumo duráveis e da construção civil são diretamente beneficiadas pela política fiscal. Elas estimulam outros setores, como, por exemplo, o do aço, o têxtil e o calçadista, os quais prevêem uma aceleração, no começo de 2010, estimulada pela demanda interna. Outro reflexo do estímulo fiscal é visto na elevação de 18%, do consumo interno de máquinas (somatório das vendas das máquinas nacionais e importadas), do 3°, para o 4° trimestre de 2009. A incidência dos benefícios governamentais (redução do IPI, PAC, bolsa celular, etc.) é, justamente, sobre os setores mais afetados pela crise, em termos de fechamento de postos de trabalho. Só no setor de materiais elétricos e de equipamentos de comunicação foram fechados 11,7 mil postos.
Como numa apuração do desfile das escolas de samba, a economia apresenta números referentes ao desempenho de cada ala. Para o crescimento da produção industrial brasileira, em 2009 (comparado com 2008), temos as seguintes cifras: bens de capital -17,4%; bens intermediários -8,8%; bens de consumo - 2,7%; bens de consumo duráveis -6,4%; semi e não-duráveis -1,6%; insumos para a construção civil - 6,7%; indústria extrativa -8,8%; e indústria de transformação -7,3%. Tudo isso gera um saldo de redução
da produção industrial total de 7,4%. Indicadores da produção industrial por categorias de uso - Brasil - dez. 09(*)
(*) Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem
Fonte: http://www.ibge.gov.br
Indicadores da produção industrial por categorias de uso
Índice trimestral (Base: igual trimestre do ano anterior)(*)
(*) Para melhor visualização do gráfico clique sobre a imagem
Fonte: http://www.ibge.gov.br
No mundo, outros temas poderiam se tornar versos tristes, como a cifra de 4,6 milhões de pessoas que estão recebendo o seguro-desemprego, nos Estados Unidos. Ou os 4,048 milhões de trabalhadores da ativa que estão desempregados na Espanha, perfazendo um total de 18,83% da população economicamente ativa. E o que dizer da Rússia, que teve uma retração de 7,9% do PIB, diante da retração de 8,1%, no consumo e 18,2%, nos investimentos?
Existem ainda aquelas canções que são tão repetitivas que se tornam ladainhas (típicas do compositor Meirelles), como é o caso das fusões, formação de trustes e cartéis e a oligopolização da economia, ao longo do desenvolvimento do capitalismo. Isto se dá de forma mais intensa nos períodos em que o ciclo econômico atinge as fases de crise e depressão (fundo do poço). Nestes períodos, as empresas estão mais fragilizadas e vulneráveis à falência. Por este meio os capitais individuais mais poderosos se fortalecem. No início da reanimação este fenômeno também ocorre como forma de reestruturação do capital nos diversos setores da economia.
É o atual caso do Brasil, por exemplo. Assistimos a Companhia Siderúrgica Nacional pretendendo tornar-se sócia majoritária da CIMPOR (cimenteira portuguesa), numa transação que pode chegar a € 3,86 bilhões. A WEG, em processo de expansão, por sua vez, irá contratar até 600 dos 1.138 funcionários despedidos pelo plano de demissão voluntária (PDV) da empresa de ônibus Busscar. A união da Shell e da Cosan vai criar uma empresa com 29,2% do mercado brasileiro de distribuição de etanol. Sem falar no caso da Brasken, que iniciou um processo de internacionalização, apoiado pelo governo (através da Petrobrás e do BNDES).
Enquanto isso, as empresas mais fracas caminham para a falência. Entre 2008 e 2009, o Serasa registrou um crescimento de 18,8% na inadimplência das empresas.
Na Europa, a Unilever, a segunda maior empresa de bens de consumo do planeta, é investigada por órgãos antitruste, na Bélgica, República Tcheca, Alemanha, Holanda, França, e Itália. No ano de 2008, ela já foi multada em € 37 milhões, na Alemanha, por fixação conjunta de preços de alguns produtos. Outra gigante que chama a atenção no momento é a Wal-Mart, que demonstra interesse em adquirir operações do Carrefour, aqui no Brasil.
Mas, como o carnaval só dura alguns dias, deixemos esta cantiga de lado. Continuemos nossa tarefa de prosear sobre as diversas faces e fases do modo de produção capitalista, expondo aquilo que por algum motivo se quer esconder e fazer calar.
Texto escrito por:
Lucas Milanez de Lima Almeida: Professor Substituto do Departamento de Economia da UFPB, Mestrando em Economia pelo CME-UFPB e membro do Progeb.
Email: progeb@ccsa.ufpb.br
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