quarta-feira, 30 de novembro de 2011

As Novas Vagas de Trabalho e os Velhos Dilemas

Semana de 21 a 27 de novembro de 2011

Diego Mendes Lyra [i]

Muito se fala no Brasil a respeito dos desafios e dos problemas a serem enfrentados para que o país possa crescer de maneira mais “robusta” e “sustentada”. Um dos obstáculos seria a ausência de trabalhadores qualificados e especializados em determinadas funções, necessários para atender à demanda das empresas em diversos setores da economia.

Este tema, de tanto ser enfatizado pelos meios tradicionais de comunicação, já se tornou um “lugar comum” para o qual se dirige o debate acerca do crescimento econômico, algo semelhante a um clichê que se repete, com frequência, de maneira superficial, como se fosse uma verdade absoluta e inquestionável.

O assunto, no entanto, merece uma reflexão mais profunda por se tratar de algo bem mais complexo do que parece e carregar consigo uma multiplicidade de aspectos, comum aos problemas relacionados com a atividade do trabalho. Nesse sentido, é necessário analisar os dados relacionados ao mercado de trabalho brasileiro com cuidado, para não serem tiradas conclusões precipitadas, como a de que o país se encontra em pleno emprego, defendida por alguns economistas. Elas são fundamentadas, dentre outras coisas, por números como os divulgados pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo ela, a taxa de desemprego atingiu 6% em setembro, a menor desde que a pesquisa começou a ser realizada em 2002.

É importante lembrar que a PME é uma pesquisa amostral realizada nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Por isso, seus resultados estão longe de refletir, com exatidão, a heterogeneidade da população economicamente ativa do país. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, possui uma maior abrangência, embora os seus dados se refiram ao mercado de trabalho formal.

As informações do Caged mostram que as vagas de trabalho criadas em 2011 ocorrem, sobretudo, dentro da faixa de salários que vai até dois salários mínimos, dentro da qual se criou 1,92 milhão de vagas. Nas faixas acima de dois salários mínimos, as empresas demitiram mais pessoas do que admitiram, registrando-se um fechamento de aproximadamente 140 mil vagas ao longo do período que vai de janeiro a setembro. Isto indica que o grosso das vagas de trabalho que estão sendo criadas oferece baixos salários, além de apontar para o fato de que as empresas estão demitindo antigos trabalhadores para contratar novos com salários menores. Por outro lado, na faixa de rendimento de 15 a 20 salários mínimos, nas quais estão, em geral, os trabalhadores mais qualificados, houve um saldo negativo de 4.607 entre admitidos e demitidos.

Cabe-nos aqui então colocar duas questões: se um dos principais problemas para o crescimento brasileiro é a ausência de mão-de-obra qualificada, então por que as empresas estão demitindo mais trabalhadores qualificados do que contratando? E para quê serve mais e mais qualificação se as vagas de trabalho que estão sendo criadas não são adequadas para absorver essas pessoas? Ao que parece, questões como estas até agora não foram devidamente discutidas dentro desse debate, assim como muitas outras relacionadas com a qualidade do trabalho e suas consequências na vida das pessoas.

Recentemente, uma pesquisa realizada pela Asap, consultoria de recrutamento de executivos, que ouviu profissionais que ocupam cargos como analistas, gerente e supervisor, mostrou que o email e o celular estão estendendo a jornada de trabalho para casa e até para as férias. Segundo a consultoria, quase 80% dos entrevistados são acionados nos momentos de lazer e descanso, via mensagens no celular, para responder algum problema relativo ao trabalho.

Desse modo, as novas tecnologias da informação e comunicação permitem a introdução de novas formas de extensão da jornada de trabalho, e este é apenas um exemplo para mostrar como por trás da criação de novas vagas e o relativo aquecimento do mercado de trabalho se escondem alguns dos velhos dilemas presentes no mundo do trabalho.



[i] Professor do Departamento de Economia da UFCG e pesquisador do Progeb – Projeto globalização e crise na economia brasileira (progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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domingo, 27 de novembro de 2011

No mundo, austeridade. No Brasil, desaquecimento

Semana de 14 a 20 de novembro de 2011

Tatiana Losano de Abreu [i]

A realidade econômica internacional não apresenta novidades. A zona do Euro continua a dar passos largos em direção a recessão, apresentando uma expansão de apenas 0,2%, entre julho e setembro, frente ao trimestre anterior. A Espanha e a Itália não surpreenderam ao definir os novos governos que serão responsáveis pelas canetadas sobre a população. Mariano Rajoy, do liberal Partido Popular Espanhol, já declarou suas intenções: aprofundamento das medidas de liberalização da economia, privatizações e mais austeridade. Já Mario Monti precisa apresentar resultados rápidos para manter o apoio dos italianos. Para tanto, definiu a equipe de tecnocratas que será responsável por corrigir a situação financeira da Itália e reiniciar o crescimento do país. Nos EUA foi organizado um super-comitê formado por democratas e republicanos para definir maiores ajustes fiscais e assim evitar o crescimento ínfimo de 1,5 a 3,5 pontos percentuais, em 2013. Esperam-se cortes de US$ 1 trilhão nos próximos 10 anos. Já o governo argentino anunciou mais um corte de US$ 925 milhões nos subsídios ao consumo de água, gás e energia elétrica.

Longe de restaurarem o sistema financeiro, e muito menos de evitar a inadiável crise cíclica, os resultados já estão evidentes até mesmo aos olhos do governo brasileiro.

A estimativa para a Formação Bruta de Capital Fixo, do terceiro trimestre, é de retração de 0,9% e a expectativa de crescimento do PIB, no mesmo período, é de apenas 0,3%. O emprego na indústria de transformação paulista teve o pior mês de outubro desde o início da medição realizada pela FIESP, em 2006. Houve uma queda de 0,66% no número de vagas, representando a liquidação de 18 mil postos de trabalho e a perspectiva é de fechamento de mais 40 mil vagas geradas pelo setor de açúcar e álcool com a chegada da entressafra.

Até mesmo nas estradas, já foi constatada a queda do movimento de veículos pesados, como os caminhões, responsáveis pelo escoamento das mercadorias no país. A desaceleração do consumo interno também atingiu as vendas dos lojistas dos shoppings centers no terceiro trimestre. O IBC-Br, índice de atividade econômica do Banco Central, apresentou retração trimestral de 0,32% em relação ao segundo trimestre do ano, representando a primeira queda, em bases trimestrais, registrada pelo indicador, desde o primeiro trimestre de 2009.

O decrescimento da economia brasileira está tão evidente a ponto da Presidente Dilma Russeff demonstrar preocupação em relação à deterioração da economia interna e ao provável mergulho, no terceiro trimestre. Sem conseguir conter-se, a presidente resolveu esclarecer ao Ministro Guido Mantega e ao Presidente do BACEN, Alexandre Tombini, que chegou a hora de impedir que o PIB brasileiro continue a cair, correndo o risco de crescer abaixo de 3%, neste ano. É preciso continuar com a trajetória de queda da Selic e estimular a oferta de crédito, um dos motores do crescimento do consumo das famílias, nos últimos anos.

Seguindo a “sugestão” da Presidente, o Banco Central decidiu dar mais uma cartada na mudança da política monetária, através do desmonte de parte das medidas macroprudenciais adotadas, há quase um ano, para controlar o crédito. Primeiro, foi dado um alívio na exigência de capital próprio dos bancos. O BACEN também desistiu de elevar o percentual mínimo de pagamento das faturas de cartão de crédito. A decisão foi parcial, já que manteve as exigências de compulsório sobre os depósitos à vista e a prazo. Mas, as medidas já geraram grandes expectativas em torno do aumento das concessões de crédito para a pessoa física, facilitando as vendas do Natal.

Os esforços para apresentar melhoras nos indicadores da atividade de 2011 não param por aí. O Governo conta com a ajuda do IBGE para rever a taxa de crescimento do PIB, em 2010, e assim aumentar os efeitos estatísticos sobre o PIB de 2011. Segundo o IBGE, a revisão é decorrente de um melhor desempenho da atividade no quarto trimestre de 2010. Se esta expectativa for confirmada, a re-estimativa vai impulsionar o PIB de 2011 através do “arrasto estatístico”. Mas, esta pequena mudança no PIB não modificará a realidade deste ano.

Teremos “Vacas Magras” neste Natal.



[i] Economista, Professora substituta do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).

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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

É 1% contra 99%!

Semana de 07 a 13 de novembro de 2011

Rosângela Palhano Ramalho [i]

Prezado leitor, há algumas semanas, o mundo está voltado para o desenrolar da crise na Europa. A crise econômica que se revela cada vez mais grave tem gerado especulações sobre a impossibilidade de sustentação da moeda única européia e sobre o esfacelamento da zona do euro.

O fato é que não há luz no fim do túnel. E agora é a vez da Itália. Com dívida de € 1,9 trilhão que representa 120% do PIB e 1/4 de toda a dívida da Europa, o país, ao contrário da Grécia, é grande demais para ser salvo pelos colegas europeus. O Banco Central Europeu está comprando os títulos da Itália para evitar o aumento do prêmio de risco, mas a remuneração dos bônus italianos com resgate previsto para 10 anos passou de 5,22% para 6,06% entre setembro e outubro e atualmente supera os 7%.

O socorro necessário à Itália gira em torno de € 700 bilhões. Embora as autoridades italianas considerem humilhante pedir ajuda externa, e mesmo que Berlusconi tenha recusado US$ 50 bilhões do FMI, parece não haver outra saída. Silvio Berlusconi que estava no poder desde 2008, anunciou sua renúncia e, assim como em Portugal, Espanha e Grécia, o governo cai diante da crise.

O inatingível “mercado” vê nos tecnocratas sem vínculo à classe política, o milagre, a solução “adequada” para a crise. Com excelentes “credenciais”, os sucessores do governo da Grécia e da Itália assumirão o arrocho. Lucas Papademos, novo primeiro-ministro da Grécia, é formado pelo MIT e foi vice-presidente do Banco Central Europeu no período de 1994 a 2002. Entre seus feitos estão, a condução da adoção do euro na Grécia e a queda da inflação grega de 14,2% para 3,2%. Na Itália, o mais cotado para assumir o cargo é Mario Monti. “Altamente credenciado”, o candidato é economista e ex-comissário da União Européia.

Estes adotarão as sagradas medidas de austeridade fiscal, único antídoto conhecido e reconhecido, pela maioria dos países, para a crise. Não interessa se a taxa de desemprego, na Grécia, fechou em 18,4%, em agosto. Também não interessa a previsão do insignificante crescimento italiano de 0,5%, em 2011, e 0,1%, em 2012. Muito menos importa saber que a produção da Alemanha, maior economia da Europa, caiu 2,7% em setembro e que a previsão de crescimento da França caiu de 1,75%, para 1%, em 2012.

As estimativas para o bloco não são melhores. A OCDE lançou uma previsão, considerada otimista, de crescimento para a União Européia de 0,5%, em 2012, e a própria Comissão Européia reviu a previsão de crescimento do PIB, para 2012, de 1,9% para 0,6%. Nem mesmo a queda de preços das commodities, segundo o Banco Mundial, evitará a recessão, uma vez que Estados Unidos, Japão e Europa são responsáveis por 80% do consumo destes itens.

Consequentemente, com a queda do PIB, a relação dívida/PIB, indicador utilizado para mensurar a capacidade de um país de honrar seus compromissos, será maior. Ou seja, aquele corte nos gastos franceses de € 18,6 bilhões em 2012 e 2013, por exemplo, e que irá acontecer a pretexto de defender o triplo A, provavelmente não o sustentará, já que as medidas de austeridade fiscal provocarão a queda do PIB. Mas, o primeiro-ministro francês, François Fillon, totalmente convencido da necessidade do sacrifício, declarou que as medidas irão “proteger o povo francês das graves dificuldades enfrentadas por alguns países europeus”.

A unanimidade em relação à necessidade do arrocho faz com que o apelo do G-20 de que “o emprego deve estar no coração das ações e políticas” de combate à crise, soe como voz destoante. As manifestações se tornam cada vez mais freqüentes e os movimentos do tipo Ocupem Wall Street ganham força no mundo inteiro. Uma passeata em Londres, esta semana, contra o plano governamental de reduzir gastos e aumentar as mensalidades das universidades e que teve como lema “Nada de ses, nada de mas, nada de cortes na educação”, reforçou o movimento que detonará uma série de greves programadas para o fim do mês.

Aos poucos, as intenções do “mercado” procura sobrepor-se e esmagar o movimento daqueles 99% oprimidos pelo poderio financeiro. Infelizmente, o 1% parasitário, com sua capacidade de corrupção, compra o apoiado dos governos e a intelectualidade econômica que toma o mainstream como verdade absoluta e que vê em qualquer proposta alternativa, a maior das heresias econômicas. Continuamos a caminhar em direção ao fundo do poço.



[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e crise na economia brasileira. (www.progeb.blogspot.com)

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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Para quem vai o novo Presente de Grego?

Semana de 31 de outubro a 06 de novembro de 2011

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Quem não conhece a história do Presente de Grego? O famoso Cavalo de Tróia simbolizou a capacidade que este povo tem de resolver problemas impossíveis. Pois bem, nas últimas semanas, mais do que nunca, os gregos estão tendo que mostrar novamente esta habilidade. Diante do elevado endividamento do Estado grego, do quebra pau com a população, da falta de apoio do Parlamento e das pressões externas, o primeiro ministro da Grécia, George Papandreou, resolveu dar à Zona do Euro um Presente de Grego, ao perguntar à população se ela concordava em pagar pela dívida do governo. Talvez o povo soubesse o que fazer diante de mais uma missão impossível. Seria feito um plebiscito, para saber se o país deveria ou não acatar a atarraxada do Fundo Monetário Internacional. O temor de todos os “agentes do mercado” era de que o eleitorado não aprovasse as propostas, já que o bônus não caiu, mas o ônus cairia sobre eles.

Quem não ficou nada contente foi o casalzinho Merkozy, formado por Angela Merkel, primeira ministra da Alemanha, e Nicolas Sarkozy, presidente da França. O problema chegou a tal ponto que paira sobre a Zona do Euro a possibilidade de a Grécia sair da união monetária, caso não cumpra suas “obrigações”.

O problema é que, apesar do perdão forçado de cerca de 50% da dívida grega e da surpresa do BCE, que reduziu os juros básicos para 1,25% (queda de 0,25%), o mercado especulativo ainda está muito exposto aos problemas europeus. Estima-se que só as instituições financeiras estadunidenses tenham US$ 1,8 trilhão em negócios com a Europa. Em 2009, este número era de US$ 1,2 trilhão. Quando comparamos estas cifras com as promessas de ajuda do FMI, vemos que elas não são suficientes para salvar os parasitas do mercado financeiro. A esperança era de que o Fundo tivesse, na melhor das hipóteses, US$ 1 tri para ajudar os bancos. Isto dependia da reunião do G20, que ocorreu em Cannes. Porém nada foi definido. Ao fim da reunião, Barack Obama ainda soltou que “aprendeu muito nos dois dias que passou dentro do complexo processo de tomada de decisões da União Européia”. A presidente Dilma Rousseff avaliou o encontro como um “relativo sucesso”, visto que outros assuntos, que não a crise européia, foram deixados em segundo plano.

Mas a esperança é a última que morre. Desta vez o trunfo para a Europa é Made in China. Com uma reserva cambial de US$ 3,2 trilhões, os novos-ricos chineses parecem ser os salvadores dos velhos-ricos. Mas, como todo produto Made in China, o socorro tem uma qualidade duvidosa. Quando se descontam todos os compromissos de curto prazo do governo chinês, sobram apenas US$ 1,5 trilhões, dos quais US$ 500 bilhões foram canalizados para o Fundo Soberano Chinês e outros US$ 500 bi podem ser destinados aos governos municipais chineses. Daquele total, sobram US$ 500 bi de reservas livres para a ajuda.

Muito se fala em ajudar ao próximo. Mas esta ajuda também terá um preço caro, pois, além de devolver o dinheiro emprestado, o país precisa pagar os respectivos juros. A principal condição para a efetuação dos empréstimos, que é uma espécie de garantia do pagamento, é a redução do déficit orçamentário, o que significa dizer que haverá um aumento nas receitas do Estado e uma redução nos seus gastos. Tais medidas, por sua vez, têm um caráter econômico restritivo, pois reduz tanto o consumo do setor público como o do setor privado. O resultado é que a produção não será estimulada e, consequentemente, o emprego também não. Com isso, a renda não circula nas mãos dos capitalistas nem nas dos trabalhadores, o que agrava ainda mais a arrecadação de tributos. O dinheiro retirado das mãos das pessoas, por ser destinado ao pagamento dos empréstimos, termina piorando a situação da economia. Se o Estado direcionasse os recursos para setores que efetivamente são necessários à população, a situação melhoraria, mas aí não seria o capitalismo.

No capitalismo o que ocorre é precisamente o contrário. O povo que sofra com as consequências da voracidade do capital. Nada de plebiscito na Grécia. O Papandreou, representante do povo e, como tal, queria ouvir a voz das massas, não aguentou a pressão e terminou por renunciar ao cargo. Em seu lugar cogita-se colocar ninguém menos de que o ex-vice-presidente do BCE, Lucas Papademos, ou o representante da Grécia no FMI, Panagiotis Rumeliotis.

Ao contrário do que conta a história, seja quem for o novo representante, além de não dar o Presente de Grego aos especuladores, vai dá-lo ao seu próprio povo, que pagará muito caro por isso.

Resta saber como eles reagirão contra sua criatura.



[i] Mestre em Economia, professor do Departamento de Economia da UFPB e pesquisador do Progeb. (www.progeb.blogspot.com.).

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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O mundo refém dos especuladores

Semana de 24 a 30 de outubro de 2011

Nelson Rosas Ribeiro[i]

O grande entalo da situação econômica mundial continua o mesmo e no mesmo campo, o financeiro.

Isto não significa que a crise atual seja financeira. Ela é uma crise geral de superprodução que se apresenta sob a forma financeira. E não poderia ser de outro modo. O capital, em sua reprodução tem uma capacidade ilimitada de gerar riquezas, a ponto de ameaçar as próprias fronteiras do planeta. O problema está na forma de apropriação que lhe é inerente, ou seja, no caráter da apropriação capitalista, decorrente da forma de propriedade dos meios de produção.

Esta é a questão. A capacidade ilimitada de gerar riqueza conflita com a forma desigual de apropriação desta, que é concentradora de renda e limitadora da capacidade de consumo da grande maioria da população. O lema dos protestos nos EUA revela precisamente isto. “Nós somos 99% e eles são 1%”. “Fora Wall Street”.

Mas, como é possível que 1% domine 99%?

O “sistema democrático”, como nós o conhecemos, está falido. A imensa concentração da riqueza dá a poucos o poder de comprar, subornar, corromper partidos, políticos, parlamentares, juízes, governadores, presidentes além de gestores, engenheiros, economistas, jornalistas, psicólogos, advogados, marqueteiros, etc., toda esta multidão de profissionais necessários para por em movimento as engrenagens do sistema.

Só que toda esta engrenagem move-se na direção de concentrar cada vez mais a riqueza, acumular cada vez mais o capital nas mãos de poucos e é isto que se pretende garantir a qualquer custo. Mas, nos dias atuais, a produção de riqueza não assume apenas a forma material de bens e serviços. A sofisticação atual criou a forma de produzir uma mercadoria especial, a mercadoria-capital, que assume a forma de papeis, ações, títulos, promissórias, etc. Para esta produção não são necessários operários, equipamentos, matérias primas, fábricas, etc. Basta um computador e uma impressora e se produz qualquer volume de mercadoria-capital que se deseje. Depois estas mercadorias são vendidas no “mercado de capitais”, por comerciantes especializados chamados banqueiros. Ao comprar um desses papeis, compra-se um determinado direito a um rendimento. O milagre está concluído. Um pedaço de papel adquire a propriedade de criar valor e crescer. Eis o sonho dourado de qualquer capitalista que é bem empacotado e mistificado e passa a cegar o conjunto da sociedade.

Os possuidores dessa riqueza, chamada de capital fictício ou capital especulativo, que deveriam ser chamados de “especuladores”, mas que a nossa imprensa teima em chamar de “investidores”, compram e vendem estes papeis na busca desesperada do mais valor chamado de juros, dividendos, lucro, etc. e, com este objetivo, são capazes dos maiores desatinos e falcatruas. Quando a riqueza fictícia se afasta demais da riqueza material, dá-se o desastre, a ruptura, a falência, o calote. E aí vem o desespero e o apelo à intervenção dos estados para salvar os especuladores. É precisamente isto que está ocorrendo nos dias atuais. Depois de especularem com as ações, com os títulos hipotecários sub-prime, com os fundos de hedge e outros papeis e operações, com as commodities, os especuladores atiraram-se aos “títulos soberanos”, emitidos pelos governos dos países. E agora, estes também estouraram.

As soluções buscadas procuram repor os prejuízos das instituições financeiras e dos especuladores com recursos arrancados do povo, que nenhuma responsabilidade tem com a crise. Os debates que assistimos na UE, nos EUA, no FMI, levam às mesmas propostas de contenção dos gastos, dos salários, demissões, redução das despesas com saúde, educação, obras, etc. Todas são medidas agravam a desaceleração das economias, aumentam a concentração da riqueza e esmagam os rendimentos e o consumo das populações. Esta é a razão das revoltas e explosões de protestos que assistimos por todo o mundo e que devem continuar, pois não há outro caminho.

O que precisa é apenas a união dos 99% para liquidar o 1% que no momento são os algozes da humanidade.

“Fora Wall Street!”



[i] Professor do departamento de Economia, Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).

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