terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ajuste fiscal do governo?

Semana de 31 de agosto a 06 de setembro de 2015

Raphael Correia Lima Alves de Sena[i]

Pela primeira vez na história contemporânea brasileira, uma proposta orçamentária encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional possui uma estimativa de déficit. Apesar de inusitada, a proposta não fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a norma não exige a obrigatoriedade de superávit fiscal. A manobra transferiu para o legislativo a difícil missão do que fazer para fechar a conta. Pelo orçamento enviado, o buraco representa a cifra de R$ 30,5 bilhões (0,5% do PIB) e, em sua elaboração, pressupõe a projeção de crescimento de 0,2% do PIB, em 2016. Ou seja, o buraco poderá ser bem maior do que foi divulgado, se considerarmos as projeções, feitas pelo mercado financeiro, de retração de 0,4%, para o próximo ano.
No corrente ano, os resultados econômicos continuam nada animadores. Os dois últimos dados apresentados pelo IBGE, PIB do 2º trimestre e a Pesquisa Industrial Mensal (PIM-PF) de julho, indicam que o fundo do poço ainda não está tão próximo como o Planalto espera. O PIB brasileiro encolheu 1,9% no segundo trimestre, configurando a chamada “recessão técnica”, quando há dois trimestres consecutivos de queda do produto. Os maiores recuos foram no investimento, com retração de 8,1%, e na importação de bens e serviços, com queda de 8,8%. De positivo apenas as exportações que, na esteira da desvalorização do real, apresentaram aumento de 3,4%.
Já quanto a PIM-PF, o resultado negativo surpreendeu até mesmo os analistas. Esperava-se estabilidade, resultado próximo de zero, mas, no entanto, a queda foi de 1,5% entre junho e julho. No acumulado em doze meses, a indústria já apresenta retração de 5,3%, com destaque para os bens de capital, com queda de 16,8%. Para o economista e professor da Unicamp Julio Gomes de Almeida, a produção da indústria foi “um desastre”, “parece um filme de terror, tal a envergadura da retração”. Enquanto a confiança do empresariado e dos consumidores ‘não retorna’, a ‘contração expansionista’ não apresenta o resultado desejado pela equipe econômica do governo. Para completar o quadro recessivo, que, segundo Almeida, foi agravado pelo ajuste, deixando claro que este não foi sua causa, o Comitê de Política Monetária (Copom), decidiu manter a taxa Selic estável nos atuais 14,25%. Dificulta-se qualquer possibilidade de recuperação industrial e, consequentemente, do produto.
O setor externo, único componente do PIB que apresentou alta, não se mostra de forma tão animadora. A desaceleração chinesa e a fraca recuperação americana e europeia põe em dúvida a capacidade de expansão das exportações brasileiras. A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Cristine Lagarde, afirmou que o crescimento mundial será mais lento do que o esperado, ao passo que a Organização Mundial do Comércio (OMC) revisou sua estimativa de crescimento do comércio mundial este ano, para uma elevação de 2,5%. Se for concretizado, será uma dos piores resultados dos últimos tempos. Diante das circunstâncias internacionais, a balança comercial não apresenta um cenário promissor para um futuro breve, dificultando ainda mais o reerguimento da economia nacional.
A esperança da reversão da trajetória descendente da atividade econômica passa a ser uma questão de “confiança” pautada na fé. Os fatores objetivos que poderiam de fato dar suporte para uma motivação de investidores e consumidores passam a ocupar papel de coadjuvante. A saída está em fazer todos acreditarem que a coisa irá bem e tudo irá se resolver. O resultado da soma de taxa de juros elevada, aumento de tributos, corte de despesas e crescimento mundial fraco, só poderá ser o que já está acontecendo. Falta a ligação entre tudo isso e a retomada do crescimento, a conexão entre o que se espera e o que de fato acontece.
Enquanto as interpretações sobre a atitude do governo enviar um Orçamento com déficit primário vão desde a “jogada de tolha”, ou seja, a admissão de que não será capaz de fazer o ajuste no próximo ano, à entrega da responsabilidade do ajuste ao Congresso, percebe-se o agravamento da crise política em que ele se meteu. Depois de ir contra suas promessas de campanha e enfurecer parte de sua base eleitoral, agora passa a fortalecer a oposição com sua impossibilidade de realizar aquilo que se propôs.
Para que lado ir? Quem sabe?

[i]Advogado e Pesquisador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira progeb@ccsa.ufpb.br); (www.progeb.blogspot.com).
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