quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O Velho Descolamento da Esfera Financeira


Semana de 24 a 30 de julho de 2017

Antonio Carneiro de Almeida Júnior [i]
           
Nosso leitor assíduo sabe muito bem que o desempenho da economia brasileira nos últimos tempos está longe de refletir uma recuperação econômica sólida. Embora alguns sinais de retomada do crescimento se apresentem, a trajetória permanece errática, podendo recrudescer ou ser revertida. Contudo, descolado dessa realidade, o mercado financeiro já parece estar em recuperação.
Para refletir o desempenho médio das cotações dos ativos de maior negociação na bolsa de valores de São Paulo, a BM&F Bovespa, a própria bolsa criou o índice Bovespa, Ibovespa, que expressa a valorização de uma carteira teórica de ações composta pelos ativos de maior negociabilidade e representatividade do mercado brasileiro. Tal indicador, que começou o ano de 2017 em 59.588,7 pontos, alcançou 65.497,13 pontos na sexta-feira passada, dia 28 de julho. Grosso modo, isso significa dizer que os ativos financeiros já acumularam uma valorização de 9,92% neste ano de 2017.
Na contramão, a economia patina para se recuperar. As principais instituições do mercado continuam prevendo um crescimento do Produto Interno Bruto, PIB, do Brasil próximo dos 0,0%, com a previsão do FMI sendo de um crescimento de 0,3%. A CNI divulgou um recuo da utilização da capacidade instalada da indústria de um ponto percentual, ficando em 65% em junho, frente os 66% de maio. Indo na mesma direção, o Instituto Aço Brasil divulgou na quarta-feira, 26/07, uma previsão de queda de 1,3% nas vendas internas do setor siderúrgico deste ano. Caso essa previsão se confirme, o referido setor retornará ao patamar de 2005, que foi de 16,31 milhões de toneladas. Já no mercado de trabalho, houve uma pequena melhora, com a taxa de desemprego de junho caindo para 13% ante os 13,3% de maio.
A pergunta, portanto, que o leitor deve estar se fazendo no atual momento é: “Mas, como isso pode ser possível?” Ou seja, de que forma podem os ativos na bolsa de valores se valorizarem em 9,92%, enquanto a economia não cresce? Ora, é aqui que se percebe o quão atual é a denominação de Capital Fictício dada por Marx a esse tipo de papel negociado no mercado financeiro. Perceba que a denominação de “fictício” não implica que tais ativos não possam ter uma correspondência material. Muitos deles, no caso de ações de empresas, por exemplo, são o direito de posse de uma parcela de capital, e, consequentemente, de uma parcela do lucro gerado por este capital. Tal denominação apenas faz referência ao fato de que seu processo de valorização não apresenta uma ligação necessária com o processo de valorização do capital real, uma vez que o valor desse tipo de ativos, grosso modo, é determinado pelas famosas expectativas dos agentes; e é aí que se encontra o “x da questão”.
Ocorre que, a despeito do desempenho fiscal desastroso do governo Temer neste ano, acumulando um déficit de R$56,092 bilhões nos seis primeiros meses, um recorde para o período, o mercado permanece acreditando que as reformas propostas conseguirão resolver a questão fiscal. Por essa razão, como as expectativas para o futuro se elevam, também se elevam os preços dos ativos que constituem o reflexo independente do capital real, mesmo que o mercado financeiro esteja redondamente enganado.
Assim, o governo Temer, que segundo a pesquisa Ibope divulgada na quinta-feira passada, 27/07, é aprovado por apenas 5% dos entrevistados, a menor aprovação já registrada desde a redemocratização, ocorrida há 31 anos, parece agradar, pelo menos, ao mercado financeiro. A razão para isto está nas reformas trabalhista e da previdência, que fazem com que os trabalhadores do país paguem a conta da crise provocada pela expansão desmedida da produção capitalista nacional. Em uma conjuntura como esta, é deveras oportuno lembrar um certo vice-presidente que proferiu as seguintes palavras sobre o baixo índice de aprovação do governo Dilma em 2015: “Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo. [...] se ela continuar com 7% e 8% de popularidade, fica difícil”.
E se for com 5%, como ficará?


[i] Professor Substituto do Departamento de Relações Internacionais da UFPB e pesquisador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com).
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