terça-feira, 25 de dezembro de 2018

As contradições na formação do governo Bolsonaro


Semana de 17 a 23 de dezembro de 2018

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

Prezado leitor, apesar da presente coluna tratar de análise de conjuntura econômica, não podemos deixar de lado o entendimento das alianças realizadas em torno daqueles que irão exercer o poder político nos próximos quatro anos. Dentre outras coisas, o resultado dos acordos realizados entre as classes sociais (e suas frações) será o grande fio condutor das ações governamentais daqui por diante.
A primeira coisa a destacar, e mais flagrante, é que os grupos de maior poder econômico são aqueles com maior potencial de impor suas pautas e interesses. Por isso, existem frações da sociedade que tendem a ser mais beneficiadas nas políticas públicas. No Brasil, desde a década de 1990, a elite financeira tem seus interesses atendidos pelos sucessivos governos. Atualmente, uma forma prática de vermos isto é através dos resultados dos balanços anuais dos bancos, que, ano após ano, apresentam lucros cada vez maiores. No governo que se forma, para o período 2019-2022, o superministro Paulo Guedes e sua equipe devem garantir a manutenção e, sem dúvida, reforçar esta situação de dominação.
Uma das grandes bandeiras levantadas pelo setor financeiro é a liberalização e desregulamentação dos mercados: quanto mais “livre” for a mobilidade de dinheiro (entrando e saindo nas diferentes áreas), mais fácil se pode ampliar a rentabilidade das aplicações. A forma de abertura, contudo, pode não ser do interesse de toda classe empresarial. Já citamos, em colunas anteriores, algumas pérolas do futuro superministro. Dentre tantas, lembramos aquela sobre o Mercosul, quando Guedes, além de reduzir a importância do bloco, resolveu criticar e ameaçar os acordos vigentes. Caso cumpra as promessas, suas ações atingirão em cheio grande parte da elite industrial que tem como principal destino das exportações dos seus produtos os mercados da região latino-americana.
Engrossando a fileira dos prováveis insatisfeitos com as medidas favoráveis ao setor financeiro estão os integrantes de alta patente das forças armadas brasileira. Apesar de um general de quatro estrelas ser o vice-presidente, ele está na reserva, goza de menor influência sobre os ativos e, tal como o próprio Bolsonaro, não é unanimidade dentre os oficiais superiores e generais ativos. O motivo maior para a insatisfação dos milicos é a perda de soberania nacional resultante do processo de privatização generalizada defendido pelo super ministro, Paulo Guedes. Já prontos, deixados de presente por Temer, existem projetos de leilões para 12 aeroportos, 4 terminais portuários e 1.537 km de ferrovias. Além dessas, existem 80 projetos que podem ser realizados nos próximos anos.
Mas, isto não significa que interesses de outras frações da elite econômica não sejam atendidos. Por exemplo: a quem interessa a mudança no processo de demarcação de terras e a estúpida lógica de “integração do índio ao Brasil”? Isto é uma bandeira de setores da agroindústria, que é pop mas não é besta. A parcela mais atrasada da elite rural, que se baseia na agropecuária extensiva, e os empresários do setor extrativo, que buscam explorar seus recursos naturais, são os que mais se beneficiariam com as mudanças nas leis que tratam do meio ambiente e dos povos tradicionais.
A ideia de jerico de unir os Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura logo foi descartada. Não por um lampejo de consciência, mas porque os grandes exportadores da agroindústria foram internacionalmente ameaçados de suspensão das compras, caso o Brasil não apresentasse o mínimo de respeito à natureza e aos povos locais. Coisa parecida está acontecendo com o Acordo de Paris, que foi novamente criticado por Bolsonaro e já gerou reação dos chefes de governo da Alemanha e da França, que ameaçaram não realizar negócios com “países poluidores”.
E olhe que não reservamos espaço para falar da loucura desvairada dos ministros pitorescos. A partir do que vimos na campanha, por não dizer muita coisa para além do “mudar isso daí”, o caro leitor acha que Bolsonaro vai conseguir harmonizar as contradições durante todo seu governo?
Se não há resposta, perguntemos no Posto Ipiranga. Quem sabe eles nos digam onde está o Queiroz...

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)
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