quarta-feira, 30 de outubro de 2019

“Velha roupa colorida”


Semana de 21 a 27 de outubro de 2019

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

No ano de 1976 um cantor cearense dizia que “o que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo”. Como um bom rapaz latino-americano, quem dera Belchior estar vivenciando este momento em que as velhas promessas coloridas do neoliberalismo estão mostrando-se monocromáticas. Claro, no Brasil ainda parecemos distantes de nossos hermanos (aqueles que, por um acaso histórico, falam espanhol e não português).
Primeiro, nossa região surfou na onda progressista dos anos 2000. Depois, houve a ascensão reacionária dos anos 2010. O objetivo dela era acabar com as “mazelas causadas pelo populismo de esquerda”. Para isso, as medidas econômicas de sempre foram postas em prática: austeridade e arrocho sobre a população e sobre os serviços de utilidade pública. Agora, as massas parecem estar reagindo ao fato de sempre serem elas a pagar os custos desta forma de desenvolvimento econômico.
Indo mais atrás na história, o exemplo máximo do sucesso das medidas neoliberais na América Latina sempre foi o Chile. Ainda na década de 1970, através de uma sanguinária ditadura, Augusto Pinochet e alguns economistas da Universidade de Chicago (EUA) introduziram naquele país o suprassumo do neoliberalismo. Educação: privada. Saúde: privada. Previdência: privada. Tudo: mercado! É verdade que ao longo dos quase 30 anos após a saída de Pinochet ocorreram reformas que remendaram os maiores absurdos da constituição de 1980. Mas isso não foi suficiente, basta ver quais as reivindicações de 1 milhão de “terroristas” nas ruas por lá...
Aqui no Brasil, sem ter absolutamente nenhuma noção disso (ou de qualquer coisa que não o laranjal da sua família), Bolsonaro está dando passagem a novas e velhas medidas neoliberais. A reforma da previdência já foi aprovada no Senado. A tributária está sendo encaminhada na Câmara. A administrativa também. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já caminha para ter a atuação mais insignificante dos últimos 25 anos: projeta-se que o total de empréstimos não chegue a 1% do PIB em 2019.
Para completar, vem sendo preparada uma medida provisória que está deixando o setor produtivo de cabelo em pé. A pretensão do governo é dar um “choque” nas tarifas de importação sobre alguns produtos. Essas tarifas são acréscimos ao preço do produto que é comprado do exterior. Ao ficar mais caro trazer produtos de fora, a produção local se torna economicamente viável. Canadá, Japão, União Europeia e EUA são exemplos de economias que aplicam este instrumento. Assim, em todo o mundo, as tarifas servem para proteger a produção local da concorrência internacional.
Atualmente, na média, as tarifas cobradas pelo Brasil (de acordo com as normas do Mercosul) são diferentes para cada setor. Na indústria a taxa média é de 13,6%; na agroindústria, 12%; agropecuária, 8,4%; e Mineração, 6,2%. A proposta é a seguinte: a indústria ficaria com uma tarifa média de 6,4%; agroindústria, 9,9%; agricultura manteria os 8,4%; e mineração 3,2%. No total, a taxação média de produtos importados cairia de 11,4% para 5,5%. Notem que o único setor que não sofreria é a agropecuária. A agroindústria sofreria menos. Já a indústria manufatureira, a que mais contribui para a dinamização de qualquer economia como a nossa, a proteção cai para menos da metade.
Os empresários industriais já avisaram que esta abertura unilateral (sem contrapartida dos parceiros comerciais) só seria viável se outras medidas compensatórias ocorressem. Eles querem a redução do chamado “custo Brasil”. Basicamente, entra nesse cálculo: burocracia, infraestrutura, impostos, leis ambientais e leis trabalhistas.
Concordo que alguns desses pontos precisam melhorar. Contudo, vale mesmo a pena flexibilizar as leis ambientais ou tirar direitos dos trabalhadores para se competir melhor? É assim que o Brasil vai melhorar? O que o Chile tem para nos dizer?
Quando iremos perceber que neoliberalismo é uma roupa que não nos serve mais?

[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com)

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