quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Involuir em pleno século 21: a arte da demência


Semana de 30 de dezembro de 2019 a 05 de janeiro de 2020

Rosângela Palhano Ramalho [i]

A semana que entremeia 2019 e 2020 terminaria melancólica, não fosse o ataque dos Estados Unidos que matou em Bagdá, o general Qassem Soleimani, chefe de uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã. Enquanto o mundo aguarda o desenrolar da tensão entre os países, o Brasil assiste a chegada do novo ano, após um “Natal de dúvidas” e sem registrar avanços na economia que crescerá, de novo, em torno de 1%.
Há um grande esforço por parte da imprensa, dos analistas econômicos, das consultorias em criar um clima favorável, como se isso tivesse o poder de mudar a realidade. Se o leitor busca otimismo, torcida a favor, euforia, oba-oba, não é aqui que vai encontrá-los. A análise fria da conjuntura econômica neste momento só nos permite tirar conclusões nada agradáveis para 2020. Olhemos para os fatos.
Ao longo de 2019, alguns “avanços” foram realizados. O Congresso aprovou a Reforma da Previdência e como alertamos ao longo do ano, a aprovação nem trouxe milagrosamente a recuperação, nem os investimentos estrangeiros. O milagre, dizem, não ocorreu porque esta reforma é condição necessária para o crescimento, mas não suficiente. Então o consolo está em esperar por mais reformas. Mas este engodo não convenceu os estrangeiros. A saída dos investidores estrangeiros da bolsa brasileira foi recorde em 2019. Os saques somaram R$ 43,5 bilhões, até 27 de dezembro, superando as retiradas de recursos de 2008, ano da crise financeira.
Há alguns bastante otimistas. O economista Armando Castelar Pinheiro é um deles. Segundo sua opinião, “...a retomada do crescimento calcada no avanço da demanda doméstica, vai gerar aumento de confiança e uma onda de otimismo que será o novo mantra nacional da economia.” Este é outro dado questionável. Mas não se pode afirmar que a retomada do crescimento se dará pela força da demanda interna. Segundo a Serasa Experian, 63,8 milhões de brasileiros estão inadimplentes. São 4,5 milhões a mais do que no início de 2018. Os executivos do setor de crédito concordam que é um número preocupante e para 75% deles, o país continua no meio de uma crise econômica. Some-se à equação 11,8 milhões de desempregados, que alimentam uma taxa de desemprego de 11,2%, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A indústria brasileira continua a padecer. A projeção de crescimento no início de 2019 era de 3% e o setor vai fechar o ano com retração em torno de 1%. Em 12 meses até outubro, a produção industrial caiu 1,3%, segundo o IBGE. Já sabemos também que o estímulo econômico não virá do setor público, pois Guedes, os mãos de tesoura, se encarrega de condenar qualquer iniciativa neste sentido.
Pode a salvação vir do exterior? Infelizmente não. O saldo comercial brasileiro em 2019 caiu 20%, o menor valor desde 2015. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, o Brasil vendeu menos para China e Argentina. As exportações somaram US$ 224 bilhões no ano, 7,5% a menos que em 2018 e as importações totalizaram US$ 177,3 bilhões, queda de 3,3%. O secretário de Comércio Exterior, disse que o saldo não é um dado tão importante, mas sim o aumento da corrente de comércio representado pela soma das exportações e das importações.
Que fique o alerta: o saldo importa sim. Principalmente se temos produtos como minério de ferro e petróleo sustentando praticamente todo o superávit comercial brasileiro. Em 2019, os produtos básicos responderam por 52,8% das exportações. Em 2018, eram 49,8%. Já os itens de maior valor agregado, registraram queda na participação de 36% para 34,6%. Na economia estamos involuindo. Voltamos a ser agroexportadores. São as tais vantagens comparativas. Enquanto isso, importamos tecnologia. Há quem se orgulhe disso.
Se na economia vamos mal, imagine em outras áreas. Educação, Direitos Humanos e Relações Exteriores e seu líder-mor, lideram o troféu vergonha alheia de 2019. Polêmicas ocas, negação do aquecimento global, teorias conspiratórias comunistas e terraplanismo (desmascarado há 500 anos!), marcaram os debates cheios de nada no ano que findou.
O que esperar de uma equipe governamental que usa tais argumentos? E embasa nestes, sua política, principalmente a internacional?
Preparemo-nos, pois 2020 promete... mais micos e cada vez menos mito.

[i] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com.br) Contato: rospalhano@yahoo.com.br

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