Semana de 18 a 24 de maio de 2020
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
Infelizmente, o caro leitor está cansado de ver,
seja nos noticiários ou ao vivo, exaustivas e perigosas filas de pessoas nos
arredores das agências da Caixa Econômica Federal. Sem falar da chuva de
“memes” que circularam nas redes sociais, relatando a demora na avaliação dos
requisitos para receber o auxílio emergencial do governo. Isto, claro,
enfraquece ainda mais a capacidade dos cidadãos mais vulneráveis de enfrentar a
pandemia. Além de expô-los ao risco de contágio.
Mas isso não é mera obra do acaso. É obra da
circunstância da “Crise do Coronavírus”, mas não é casualidade. Ao longo de sua
vida, Jair Bolsonaro nunca escondeu sua aversão a pobre (compartilhada por
Paulo Guedes). Em diversos arroubos de dislate, o presidente defendeu a ideia
(que não é tese) de que a esterilização dos pobres seria a solução para a
pobreza, disse que metralharia a Favela da Rocinha, afirmou que o massacre do
Carandiru deveria ter matado quase 10 vezes mais, etc.
O absoluto descaso no trato da pandemia de Covid-19
mostra que a situação fez o ladrão, quer dizer, o genocida. Ao afirmar que
pessoas inevitavelmente vão morrer, que apenas os que têm comorbidade e os que
não tem histórico de atleta serão os mais atingidos (e outras tolices), o
presidente da república demonstra um “entendimento” perverso e deturpado do que
é a seleção natural.
Para começar, a seleção natural ocorre entre
indivíduos (de espécies) que apresentam características que melhor se adaptam
às condições ambientais em que vivem. Essas condições resultam da ação de leis
naturais (química e física) e das interações entre diversas outras espécies
(biologia). Isto significa que os indivíduos que dispõem de certas
características são selecionados por um ambiente em mudança, mas eles não podem
escolher como se adaptar. Eles são determinados na sua concepção pela sua
herança genética. Assim, a competição entre esses indivíduos é “justa”, já que
ela ocorre de forma aleatória e não determinada por alguém.
No caso da sociedade humana, não. Temos uma
formidável capacidade de utilizar e modificar as leis da natureza para
adaptá-las a nossa sobrevivência como espécie. Por isso, nossos indivíduos
nascem em condições anteriormente estabelecidas coletivamente por outros
indivíduos. Consequentemente, o ambiente no qual a “batalha pela sobrevivência”
acontece é resultado de um rígido processo histórico de acúmulo de riqueza para
uns, mas ausência de acesso à riqueza para outros (muitos). Então, quando se
trava a batalha para a seleção dos indivíduos mais fortes em uma sociedade
humana, na verdade concorrem entre si as condições matérias pregressas de cada
um deles. São elas que criam a oportunidade dele adquirir ou não certas
características que os diferenciam dos demais (como a educação, por exemplo).
Ou seja, a seleção não tem nada de aleatória, muito menos meritocrática. Ela é
injusta, pois resulta do acesso que o indivíduo teve aos recursos materiais
propiciados pela família que o criou.
É aqui que voltamos ao início da análise. O que está
acontecendo atualmente no Brasil é uma tentativa de se aplicar na prática uma
política mista de seleção social onde os indivíduos considerados mais fracos
seriam eliminados. De um lado, os mais velhos e aqueles que apresentam problemas
de saúde prévios poderiam morrer, tudo bem. (“Reduzirá nosso déficit
previdenciário” nas palavras de Solange Vieira, assessora do sinistro Paulo
Guedes). Seria o caso da eugenia, defendida pelo regime nazista. Mas, por
outro, há a seleção social pelo nível de renda. Os indivíduos que vivem em
habitações inadequadas, que não dispõem de educação e informação, que não têm
acesso ao sistema de saúde eficiente, etc. também poderiam morrer. Seria o
preço a se pagar.
O sonho já revelado pelo presidente era de que o
Brasil adotasse a política de combate ao Covid-19 da Suécia. Se lá, onde boa
parte das residências tem apenas um morador a situação está do jeito que está,
imagina o que aconteceria aqui, onde muitas residências são abarrotadas de
pessoas e as condições de vida nem se fala?
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com;
lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Ingrid
Trindade, Matheus Quaresma, Monik Helen e Márcio B. da Silva.
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