quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Uma retomada econômica consistente

Semana de 19 a 25 de outubro de 2020

  

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Mal começa o movimento de recuperação das economias capitalistas desenvolvidas e estoura a segunda onda do covid-19. Está lançado o novo pânico. Os governos se reúnem e tomam novas decisões de isolamento social o que vem provocando violentas manifestações populares. Teme-se novo caos na saúde e nos hospitais. O problema está criado. A segunda onda já se levanta em países como a Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha e Holanda. A Bélgica e a Suíça já decretaram restrições. O Banco Central Europeu anunciou que nova recessão é possível e determinou a liberação de mais 500 bilhões de euros para compra de bônus. Christine Lagarde, presidente do BCE, apelou para que os governos trabalhem em conjunto com o banco para manter os estímulos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou para uma recessão profunda no mundo e apelou para que os governos não retirem as medidas de apoio às economias. Da mesma maneira que o covid-19 deixa sequelas nos seres humanos também as deixa na economia. Fala-se na ameaça de “longa covid econômica” de recuperação difícil. O monitor Fiscal do FMI calculou em US$11,7 trilhões o custo da crise do covid-19, o que corresponde a 12% do PIB global. mas considera que esta ajuda deve continuar.

 Internamente, embora com certa dificuldade, a economia continua a sua lenta e frágil recuperação. Um sinal desta fragilidade é o aumento do número de empregos no setor de serviços. Dos 45,4 mil empregos criados em agosto, com carteira assinada, neste setor, deveu-se ao aluguel de mão de obra. A insegurança e a incerteza dos empresários impedem a contratação de trabalhadores definitivos e apelam-se para terceirizados. Este setor é o primeiro a desempregar, no período de crise e o primeiro a contratar, na recuperação. Em relação ao emprego outro dado a ser contestado é o crescimento mostrado pela Caged. Daniel Duque do Ibre/FGV verificou que há discrepâncias entre os dados desta pesquisa e os divulgados pelo IBGE na PNAD Contínua e PNAD Covid-19. Afirma Duque que os dados da Caged, que apresentam um maior número de empregados, podem estar errados devido a subnotificação das demissões.

No entanto, alguns dados confirmam a recuperação. A FGV divulgou que o Índice de Confiança Industrial (ICI) cresceu 4 pontos na prévia de outubro puxado pelas indústrias de Plásticos e Metalurgia. O Nuci, índice que mostra o grau de utilização da capacidade instalada, mostrou que 79,9% desta capacidade estava sendo utilizado, no mesmo mês. Apesar destes indicadores, segundo a FGV, há sinais preocupantes dentro da indústria. Para o PIB agropecuário, o Ipea elevou suas estimativas de alta de 1,6% (em setembro), para 1,9%. A Receita Federal divulgou a arrecadação de R$119,825 bilhões no mês de setembro. Mostrou um crescimento de 1,97% em relação a 2019, o melhor para o mês em 6 anos, embora o acumulado do ano seja o mais baixo desde 2010. A mineração cresceu 29% puxada pelo ferro, com 37% de crescimento e pelo ouro com 22%.

Apesar desses sinais, o capital estrangeiro mantém sua desconfiança com a recuperação. O estoque de investimentos estrangeiros (IDP) desabou 20% em 2020. As aplicações em ações caíram 39% e em títulos 17,5%. No ano a fuga de capitais atingiu R$85,2 bilhões e no mercado de câmbio foram retirados US$1,15 bilhões.

No meio de todas estas dificuldades o governo continua as suas ações insensatas. O presidente fez declarações contra as recomendações de prevenção do covid-19, desmoralizou seu ministro da Saúde, rasgando o protocolo de intenções assinado para a compra da vacina produzida pelo Butantã, levantou dúvidas sobre a vacina chinesa, insinuando sua ineficácia e declarando que não a compraria e opôs-se a obrigatoriedade da vacinação. Enquanto isso, o líder do governo na Câmara, dizendo-se porta voz do presidente, declarou-se contra todas as medidas de prevenção ao covid-19 e defendeu a volta imediata as aulas e abertura de todas as atividades. Declarou ser contra as soluções europeias de prevenção e defendeu a imunidade de rebanho afirmando que “Assim teríamos o fim da crise e uma retomada econômica consistente”. Esqueceu de acrescentar: sobre uma montanha de cadáveres e milhões de cidadãos sequelados.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade e Monik H. Pinto.

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quarta-feira, 21 de outubro de 2020

A Economia Política por trás do PIX

Semana de 12 a 18 de outubro de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

No final dos anos 2000, o BC, junto com duas secretarias de Governo, uma do Ministério da Justiça e outra do Ministério da Fazenda, divulgou o Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos. A partir dos problemas identificados, de forma simplificada, a solução proposta foi o fim da exclusividade de match entre a maquininha e a bandeira do cartão. Quem não se lembra da época em que cartão Visa só passava na maquininha da Visa e Mastercard só na maquininha da Master? Em 2011 houve a quebra dessa barreia, mas isso só pegou, de fato, em 2016, quando o BC interviu e pressionou as empresas a liberarem geral suas maquinhas para (quase) todas as bandeiras de cartão. Em 2013, por sua vez, o BC publicou o Relatório de Vigilância do Sistema de Pagamentos Brasileiro. A partir deste momento, uma série de mudanças foi sendo implementada na regulamentação do setor. Contudo, apesar da melhora, a “revolução” não aconteceu como o esperado. A mão invisível, novamente, não foi capaz de transformar o mercado. Claro, porque não interessava à mão invisível das grandes instituições mudar o que era bom para elas. Com isto, em 2018, iniciaram-se as discussões para a criação do PIX (clique aqui).

Tudo isto significa que, ao invés de promover a concorrência por meio da ultrapassada tese de que se deveria tirar o Estado do “mercado” (tese ainda defendida pelo anacrônico ministro da Economia, Paulo Guedes), o BC, instrumento de poder do Estado, está sendo utilizado para promover o desenvolvimento do próprio “mercado”.

Porém, seria ingenuidade acreditar que o bom uso da capacidade técnica de alguns quadros do BC está sendo feito por exclusiva benevolência para com os consumidores ou por uma racionalidade do “agente” Estado. Toda reestruturação de um mercado tem, obrigatoriamente, uma intenção e um interesse econômico. Na realidade, essa mudança política no BC mostra que já há, no Brasil, um grupo com poder suficiente para abalar um mercado financeiro tão bem estabelecido e, até bem pouco tempo, dominado por três das maiores empresas privadas que atuam no Brasil: Itaú, Bradesco e Santander.

Desde a década de 1970 o capitalismo mundial passou por uma profunda transformação na forma como se dá sua dinamização. No Brasil, tais mudanças só começaram na década de 1990. A que interessa para entender o atual momento é a maior participação da esfera de valorização baseada no que Marx chamou de Capital Fictício. Superficialmente, essa é aquela parte da economia que cresce com base na aposta de que o resto da economia vai crescer. Em outras palavras, funciona na base da especulação sobre o futuro. Se a aposta acerta, o capital fictício se torna real. Caso contrário, se dissipa no ar da mesma forma como surgiu.

Pois bem, no Brasil o setor esteve, até pouco tempo, controlado pelos grandes bancos nacionais (até meados dos anos 2000). Contudo, a multiplicidade de empresas querendo transformar qualquer um em milionário mostra que a situação, a partir dos anos 2010, não é mais essa (quem não conhece Betina?). Aliás, já há inúmeras empresas estritamente ligadas ao capital fictício que se transformaram em gigantes que incomodam outras gigantes tradicionais (o Itaú vive dando alfinetada na XP Investimentos, apesar de deter 49% do capital dela).

Assim, naquilo que chamamos genericamente de Burguesia Financeira no Brasil, podemos identificar duas frações que têm interesses, até certo ponto, conflitantes: o setor bancário tradicional e o setor estritamente ligado ao capital fictício. Isto porque disputam os recursos monetários da população para que os transforme em ativos financeiros, cada um ao seu modo. Claro, os bancos tradicionais já estão a buscar este novo espaço. Mas só como reação ao papel que as novas instituições passaram a ocupar no mercado financeiro nacional. Por outro lado, essas novas instituições estão buscando ocupar-se não só com os novos, mas com os velhos produtos oferecidos pelas instituições já consolidadas. Afinal, a rentabilidade é tanta e tão concentrada que cabem mais empresas para socializar esses ganhos.

Novamente, peguemos a pipoca e vejamos o que vai acontecer. Só espero que ela não estoure no nosso colo...


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H. Pinto e Daniella Alves

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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Austeridade ou reeleição?

Semana de 05 a 11 de outubro de 2020

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

            

Façamos inicialmente algumas considerações sobre o panorama mundial. As notícias não são muitas. O mundo arrasta-se no “stop and go” das restrições sociais por conta da Covid-19. É grande a pressão pela liberalização da movimentação das pessoas e os governos cedem antes do tempo. Os contágios pela Covid-19 crescem e as restrições retornam. Com isto, além das pessoas, a economia sofre. A recuperação torna-se lenta e difícil. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC) as trocas comerciais caíram 9,2% este ano, agravado pela guerra EUA x China que parece ter consequências piores para os americanos. As exportações dos EUA caíram 14,7% e o déficit comercial, até agosto, atingiu US$67,1 bilhões. Só com a China o déficit foi de US$26,5 bilhões. Com a União Europeia foi de US$15,7 bilhões e com o México, US$12,5 bilhões.

Além do comércio o desemprego dificulta a recuperação. Na zona do euro e nos EUA são 20 milhões de desempregados oficialmente reconhecidos. Segundo estudos, não foram contados na OCDE e nos emergentes mais de 30 milhões. Na Zona do Euro, em fevereiro, eram 6,5% os desempregados. Já em agosto a taxa subiu para 8,1% com um total de 13,2 milhões. No entanto, calcula-se que esta taxa dever ser 4% a 4,5% maior. Diante das dificuldades o Fundo Monetário Internacional (FMI) sugere apoio dos Bancos Centrais (BCs) e dos governos. O Federal Reserve (Fed) americano promete manter as taxas de juros negativas, mas o governo Trump reluta em dar qualquer apoio na política fiscal o que, segundo o FMI, dificultará a recuperação. No entanto o desemprego continua a crescer. Ocorrem 800 mil demissões por semana. Segundo o Departamento do Trabalho americano só na semana passada foram 840 mil pedidos de seguro-desemprego. Enquanto isso o déficit orçamentário, até o fim do ano fiscal em 30 de setembro, já atingiu US$3,1 trilhões. (Imaginem se o Paulo Guedes fosse ministro lá!)

Por seu lado, o Banco Mundial (BM) calcula que a pandemia jogará na pobreza extrema 150 milhões de pessoas no mundo. Só em 2020 serão entre 88 e 115 milhões e em 2021 outros 33 a 35 milhões. Assim se arrasta o mundo.

Sobre o Brasil, o FMI enviou uma missão para fazer o raio X do país e preparou um documento a ser divulgado. Nele aponta “riscos excepcionalmente altos” para o país decorrentes da ameaça de uma segunda onda, de uma recessão prolonga, da rigidez orçamentária e de um choque de confiança. Corrigiu, porém, sua estimativa para a queda do PIB de -9,1% para -5,8% e considera o “Brasil um dos países mais atingidos no mundo” pelo Coronavirus. Acrescentou ainda que “o investimento público tem um papel central a desempenhar” na recuperação. Calcula que o investimento público de 1% do PIB contribui com 2,7% para o crescimento deste, para elevar o investimento privado em 10% e aumentar o emprego em 1,2%.

Lamentavelmente, longe de ouvir os bons conselhos do FMI, o sinistro Guedes, fiel à sua crença na austeridade fiscal, agarra-se ao “teto dos gastos” para, a qualquer custo, atingir o equilíbrio orçamental.

Como já temos apontado a economia continua apresentando vários sinais de recuperação. A construção civil atinge o maior nível desde o final de 2017. O consumo aparente de máquinas e equipamentos cresceu 10,9%, em junho, e a produção cresceu 21,5%, em julho. Em agosto, a indústria cresceu na maior parte do país. Ainda em agosto o varejo restrito cresceu 3,4% e o varejo ampliado, 4,6% e o consumo de energia foi 1,4% maior que em 2019. Mas, apesar da criação de postos de trabalho o desemprego ainda deve crescer. Os desentendimentos dentro do governo e a estupidez da política externa e ambiental, com resultados desastrosos na Amazônia e Pantanal, criam a insegurança que afasta os capitais e os investimentos estrangeiros. Em setembro saíram R$2,39 bilhões e em 2020, R$87,75 bilhões. Enquanto isso o governo dá cabeçadas a procurar maneira de financiar seus dois programas, o Renda Brasil e o Renda Cidadã, muito importantes para suas pretensões eleitorais. Com a manutenção do teto não há dinheiro e o Guedes continua tentando tirar dos pobres para os miseráveis insistindo com o seu programa 3 D: Desvincular, Desindexar e Desobrigar. A decisão ficará para depois das eleições.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade e Monik H. Pinto.

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quarta-feira, 7 de outubro de 2020

PIX, o início de uma nova era?

Semana de 28 de setembro a 04 de outubro de 2020

 

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

PIX é o termo mais badalado no noticiário econômico na última semana. Esse foi o nome dado pelo Banco Central à chegada ao Brasil de uma inovação já existente no México, Índia, EUA e Europa. De maneira genérica, o PIX é um sistema de pagamentos instantâneos criado pelo BC que promete realizar transações de forma imediata, sem intermediários e mais barata que os tradicionais DOC, TED, Boleto Bancário e Cartões. Dentre as empresas que mais se beneficiariam estão as companhias de saneamento, telefonia e distribuição de energia, provavelmente as que mais emitem boletos em bancos.

A ideia é retirar dos grandes bancos e das bandeiras de cartão o quase exclusivo poder de intermediar os pagamentos no país. Assim, além do que já foi dito, a promessa é ampliar a concorrência no setor financeiro nacional. Isto porque os bancos de pequeno e médio porte e as fintechs (as empresas financeiras que operam a partir das novas tecnologias da informação) também poderão participar do PIX.

Além do PIX, há outra sigla com a qual espera-se dar um grande passo na direção do aumento da concorrência na oferta de serviços financeiros no país: a tecnologia da API (interface de programação de aplicativos, a sigla é em inglês). A API nada mais é do que um conjunto de padrões de programação que permite a interligação entre diferentes softwares/aplicativos e páginas da web. Basicamente, é uma ponte que une os diferentes produtos e serviços digitais de informação e comunicação. A título de exemplo, quem nunca utilizou seu login da conta do Google para acessar serviços que não são da empresa Google, como Zoom, Dropbox ou Globo? É a API que permite essa conexão.

A partir da adesão do cliente ao PIX e aos serviços financeiros digitais em geral, espera-se aumentar o leque de instituições com informações bancárias da população. A estimativa do BC é que 30 milhões de pessoas sejam incluídas no sistema financeiro via PIX. O passo seguinte deve ser a interligação das informações de posse das instituições financeiras com empresas de outros ramos via API. Com isso, será possível ao sistema financeiro brasileiro pôr em prática o chamado Open Banking. Neste, o dono dos dados bancários, o cliente, escolhe quais empresas terão acesso às suas informações bancárias, hoje de exclusividade dos bancos tradicionais dos quais é correntista. Assim, o cliente poderá abrir suas informações que estão fechadas em um banco.

Qual a razão disso? A primeira delas é que se apenas um banco tem acesso ao histórico do correntista, ele terá o monopólio das suas informações e o poder impor as condições dos serviços prestados. Por outro lado, se vários bancos têm acesso, há maior probabilidade da oferta de melhores serviços (por exemplo, empréstimos com juros menores). Mas não para por aí. Seria possível às empresas do setor financeiro compartilhar os dados bancários com quaisquer outras empresas que utilizem os meios digitais em seus negócios. Por exemplo, a varejista Magazine Luiza poderia utilizar, por um lado, o PIX para efetivar a venda de produtos. Por outro, com o Open Banking, poderia verificar o histórico de crédito de um cliente em todo sistema bancário e oferecer melhores condições de financiamento de compras a prazo.

No papel, o PIX parece ser, de fato, o início de uma nova era no sistema financeiro brasileiro. Por um lado, tendo em vista a qualidade dos serviços prestados pelos bancos comerciais no Brasil, quem seria louco de ser contra uma ação que tire poder de mercado deles? Por outro, diante das novas possibilidades, quem seria contra a maior concorrência na prestação de serviços financeiros no Brasil?

Um dos “poréns”, e sempre tem pelo menos um, é que toda concorrência tende à concentração e à centralização do capital. Ou seja, em algum momento o mercado será dominado por poucas empresas novamente. Quando isso vai acontecer, não se sabe. O que sabemos é que os maiores bancos do país não vão ficar parados enquanto perdem seu poder de mercado. Não há qualquer dúvida que eles tentarão monopolizar esses novos instrumentos. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.


[i] Professor do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Matheus Quaresma, Monik H. Pinto e Daniella Alves.

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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Desmoralização internacional e aprovação interna

Semana de 21 a 27 de setembro de 2020

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

         

Dificilmente encontraríamos um discurso mais medíocre e mentiroso como o proferido pelo presidente Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU. O tom do discurso aliás havia sido antecipado pelo General Heleno, na audiência pública convocada pelo Ministro Luiz Barroso do STF e, portanto, contou com o apoio do setor militar do governo.

Que vergonha!

Como pode alguém, com a responsabilidade de um presidente, mentir tão descaradamente, para um público internacional, contrariando os dados de seu próprio governo?

Curiosamente, nesta mesma semana, a CNT/Ibope publicou o resultado de uma sondagem de opinião feita por encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com esta pesquisa a aprovação do presidente cresceu. Os que consideravam o governo ótimo ou bom passaram de 29% para 40%. Entre os que recebiam até 1 salário-mínimo, a percentagem subiu de 19% para 35%. Entre 1 e 2 salários, a aprovação passou de 28% para 39%. Nos que tinham até a quarta série a subida foi de 25% para 44%. Entre os que tinham entre a quinta e a oitava séries a aprovação passou de 26% para 40%. Os que confiam no presidente passaram de 41% para 46% e os que não confiam diminuíram de 56% para 50%.

Como vemos, a aprovação do presidente cresceu entre os mais pobres e com menor grau de instrução. Eis um desafio para os sociólogos.

Isto acontece quando o país apresenta o seguinte quadro: os preços do arroz e outros produtos alimentícios sobem bem como de produtos industriais, aumentando a ameaça de inflação, apesar do BC afirmar que está tudo sob controle. A pandemia continua a matar milhares de pessoas e o número já ultrapassa os 140.000 mortos enquanto o governo vende cloroquina e culpa os prefeitos e governadores pelas consequências de suas irresponsabilidades. O Brasil já voltou ao mapa da fome de acordo com o IBGE. 10 milhões, ou seja, 4,6% da população já se enquadra na classificação de famintos. Os incêndios continuam a queimar a Amazônia e o Pantanal e estendem-se a outras regiões. A Audi para a sua fábrica no país, em dezembro, e a Mercedes e a BMW ameaçam fazer o mesmo por não confiar na capacidade do governo de cumprir os acordos firmados. As empresas ainda programam demissões diante das incertezas e o número de desempregados ultrapassa os 13 milhões. No acumulado do ano os Investimentos Diretos Estrangeiros (IDP) caem 41% e 30% só no primeiro semestre, segundo o Banco Central (BC), desmentindo o discurso do presidente. Entidades científicas, The Natural Conservancy (INC) e Bain & Company divulgam estudo que confirma que a pecuária é a maior responsável pelo desmate em Mato Grosso e, entre 2013 e 2017, 1/3 do gado comercializado estava contaminado pelo desmatamento. Não foram os índios e caboclos.

Ao nível da política a situação não é melhor. A reforma tributária não anda, o Senado bloqueia a discussão dos vetos do presidente à desoneração da folha de salários, o Renda Brasil, voltando ao centro dos debates, foi substituído pela nova Renda Cidadã, mais empaca na procura dos recursos para o financiamento. As artimanhas do sinistro Guedes são continuamente descobertas e tudo volta para trás. Ele sempre quer roubar dos pobres para salvar os paupérrimos. Retorna o debate sobre a CPMF, rebatizada e adornada com novos disfarces, contando para isto com a colaboração da bancada do governo.

Não satisfeito Bolsonaro resolve elogiar a visita do secretário de estado dos EUA Mike Pompeo ao norte do Brasil, em campanha pela reeleição do Trump, acompanhado pelo chanceler Ernesto Araújo e pregando a derrubada do presidente Maduro, o que provocou protestos do Rodrigo Maia e de 6 ex-chanceleres do Brasil. Tudo isto ocorre enquanto no mundo a Oxford Economics fala na preparação de uma nova crise financeira global segundo uma pesquisa acabada de ocorrer. Para terminar os EUA comemoram 200.000 mortos pela Covid-19 e espera-se novo lokdown na Europa por conta da segunda onda da pandemia. E vamos vivendo!


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Daniella Alves, Guilherme de Paula, Ingrid Trindade, Matheus Quaresma e Monik H. Pinto.

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