Semana de 26 de outubro a 01 de novembro de 2020
Lucas Milanez de Lima
Almeida [i]
O
debate sobre a atuação do Banco Central não é nenhuma novidade. Desde que o
neoliberalismo emergiu, as discussões sobre a atuação do BC assumiram um papel
de destaque. Contudo, não iremos fazer uma reconstituição histórica do tema. O
que queremos é entender o porquê dele ser tão recorrente. Afirma a teoria que a
luta de classes se dá em três níveis: econômico, político e ideológico. No
debate sobre o BC encontramos os três elementos o que justifica sua
importância.
A luta
econômica se manifesta no fato de que o BC é uma instituição que interfere na
atividade econômica de uma fração bem específica da burguesia: aquela que ganha
dinheiro através da negociação de capitais em suas diversas formas. Assim, o BC
tem o poder de balizar os ganhos das instituições bancárias e financeiras na
hora de emprestar ou usar o dinheiro que tomam emprestado das pessoas, de
outras empresas ou do Estado. Em outras palavras, o BC tem o poder de
interferir no “ganha pão” desta fração da burguesia. A luta política no BC se
manifesta na forma de atuação e, consequentemente, na institucionalização das
regras que regulamentam a atividade econômica das instituições bancárias e
financeiras. Além disso, o BC é a instituição responsável pela condução das
políticas monetária e cambial. Já a luta ideológica no BC se traveste de
argumento técnico-científico. Em texto recente, pesquisadores mostraram que,
entre 1994 e 2016, não é possível afirmar que o BC foi dirigido apenas por
membros do setor financeiro privado ou servidores públicos (link).
Três faculdades de economia também foram importantes fornecedores de quadros ao
BC: USP, FGV-RJ e PUC-RJ.
De uma
forma geral, o que parece ocorrer no Brasil é o seguinte. Há uma luta
científica, onde o melhor argumento “técnico” justifica a atuação do BC e suas
regras. A partir disso, estabelece-se o jogo no campo político. Como
consequência, há resultados econômicos que, por acaso, beneficiam A ou B.
Contudo, o mesmo trabalho já citado mostra como houve uma espécie de
recrutamento preferencial em determinadas instituições públicas e privadas.
Isto significa que há pouca variabilidade de ideias na hora de se escolher a
direção do BC. Não coincidentemente, há recorrente unanimidade nas decisões dos
membros do Comitê de Política Monetária (Copom), por exemplo. Em 2005, Paulo
Nogueira Batista Jr. já chamava a atenção para a unânime decisão de elevar a
Selic para 19,75%. Por sua vez, segundo Ricardo Barboza e Bráulio Borges, nos
últimos 9 anos, houve unanimidade nas decisões do Copom em 91% das reuniões.
O
debate de ideias, de fato, não está havendo. Há o completo predomínio das
concepções que se coadunam com o receituário neoliberal. No âmbito econômico,
por sua vez, não há claros sinais de que esteja ocorrendo alguma transformação
que possa ameaçar o tamanho da fatia que o setor financeiro abocanha da renda
nacional. Poderíamos especular que o PIX e o Open Banking pudessem significar
isso. Mas é improvável. Ao invés de implodir o setor, isso representa uma
redistribuição dos ganhos entre a burguesias bancária e financeira.
Há,
contudo, a constante ameaça de que a luta no plano político possa se impor e
tomar as rédeas da atuação do BC. Recentemente aconteceu no Governo Dilma. A
reação contrária de grande parte do setor financeiro foi categórica. Claro, ela
usou as instituições públicas para forçar uma queda dos juros bancários. Também
ordenou que caísse a taxa Selic. Influenciou, assim, o “ganha pão” do setor.
Isto é que está por trás dos projetos que visam garantir a autonomia/independência
dos BCs: livrar os dirigentes da instituição, (pseudo) cientificamente
escolhidos, da influência política de um presidente qualquer que possa
atrapalhar os ganhos econômicos do setor.
O problema é que se esse presidente for eleito com um projeto referendado pela população, mas que desagrada a direção do BC, quem deve ter mais poder, o presidente da República ou do Banco Central? Aliás, o que deve prevalecer: os interesses gerais da população ou os interesses das burguesias bancária e financeira?
[i] Professor
do Departamento de Economia da UFPB e Coordenador do PROGEB – Projeto
Globalização e Crise na Economia Brasileira. (www.progeb.blogspot.com; lucasmilanez@hotmail.com).
Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula, Monik H.
Pinto e Daniella Alves.
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