quarta-feira, 23 de junho de 2021

A raposa toma conta do galinheiro

Semana de 14 a 20 de junho de 2021

 

Nelson Rosas Ribeiro[i]

           

Na Análise da semana passada o Professor Lucas usou esta metáfora com muita propriedade. Ele se referia à “autonomia” do Banco Central (BC) e à equipe que o dirige. Há vários estudos que mostram a existência da “porta giratória” entre a diretoria do BC e o sistema financeiro. Os mesmos gestores se revezam entre as duas instituições. O economista e progebiano Eric Gil Dantas publicou trabalhos sobre este intercâmbio.

 E a raposa cuidou muito bem das galinhas. Como previsto, o Copom elevou a taxa Selic em 0,75%. A taxa subiu de 3,5% para 4,25% e o motivo alegado foi o combate à inflação, que está saindo do controle e estourando o teto da meta. Naquela Análise, mostramos, que os fatores que estão causando a inflação atual não têm qualquer relação com a taxa de juros. O remédio usado pelo Copom para combater o mal é inócuo. É como a cloroquina contra o covid-19. Mas, é o que está nos manuais de economia usado nas Faculdades, e seguido como religião pela atual equipe econômica, os “Chicago boys”. Lá está escrito que a inflação é provocada pelo excesso de demanda sobre a oferta. Esta pressão faz com que os preços subam. A solução é, portanto, inibir o consumo e o instrumento de que dispõe o BC para isto é a taxa de juros. Juros mais altos significa maior lucro para os especuladores financeiros (o “mercado”). O sistema financeiro bate palmas e comemora. Eis a raposa tomando conta de seu galinheiro. Mas ela ainda não está satisfeita e prepara-se para nova ação. O Copom já avisou que novos aumentos virão e promete um aumento de mais 0,75%, no mínimo, já na próxima reunião.

Taxa de juros mais altas, porém significa desestímulo aos investimentos produtivos. A débil recuperação da economia que se inicia encontrará novas dificuldades para prosseguir, como se não bastassem as já existentes. É um bom exemplo de política econômica contracíclica.

Não parecem existir dúvidas que no momento atual a economia tenta iniciar a fase de reanimação. Já está em tempo. Atravessamos um período bastante longo de crise e depressão e obrigatoriamente deve vir a fase de reanimação. Isto se a situação fosse normal, submetida a fenômenos puramente econômicos. O problema é que vivemos na pandemia do covid-19. E, além disso, temos um governo anormal. Estamos sob a influência de dois fenômenos extraeconômicos: Covid + Bolsonaro. Esta dupla infernal dificulta não só nossa análise como a recuperação (já referimos a ação contracíclica do BC). A política genocida do governo não promove a vacinação em massa na velocidade necessária, combate as medidas profilática recomendadas internacionalmente pelas autoridades sanitárias e continua a pregar o uso de medicação que, longe de contribuir para a cura, agrava a saúde das pessoas. Nem sequer se pode dormir tranquilo diante das ameaças constantes do troglodita presidente de dar um golpe e destruir a democracia. Toda vez que abre a boca sai uma ameaça e sempre com um general ao lado para dar credibilidade à suas bravatas irresponsáveis.

As vezes os próprios generais saltam para o campo de batalha e dão sua contribuição. É o caso do general Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do Superior Tribunal Militar, em declarações elogiosas ao governo, reclamando que não deixam o capitão governar. (esqueceu de acrescentar “Expulso do exército”). 

 Enquanto isso, aos trancos e barrancos a recuperação caminha enfrentando muitas dificuldades. O preço das commodities continua a subir bem como o dos materiais de construção. Faltam matérias-primas e outros insumos no mercado graças à desorganização das cadeias produtivas. O endividamento das empresas atinge 61,7% do PIB. O consumo continua a ser reprimido pelos 14,8 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados e 33,2 milhões de subutilizados. A massa dos rendimentos cai 6,7%. O Índice de Miséria, que era de 18,4 pontos em dezembro de 2020, atingiu o pico histórico de 23,4 pontos, em maio deste ano. O índice de Gini chega ao recorde de 0,674, a renda per capita cai 11,3% para R$995,00, pela primeira vez abaixo de R$1000,00. Enquanto isso a inflação continua a comer o salário dos mais pobres aumentando as desigualdades. Em 12 meses, para os de baixa renda ela é de 8,91% e para os de alta renda de 6,33%.

E o Bolsonaro quer se reeleger! Vai jogar pedra na lua.


[i] Professor Emérito da UFPB e Vice-Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Ingrid Trindade, Guilherme de Paula e Daniella Alves.

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